Não faz muito tempo que escrevi sobre a luta travada entre produtores rurais e o Sistema de Gestão Fundiária – SIGEF, haja vista as inúmeras aparições de sobreposições equivocadas de terras, principalmente de Terras Indígenas, as quais sequer eram consideradas como demarcadas.
Contudo, após publicação da instrução normativa 09 de 16 de abril de 2020, a guerra supracitada parece estar com os dias contados, isto porque a FUNAI agora detém a obrigação de fornecer documento denominado de Declaração de Reconhecimento de Limites, de modo que descabe a FUNAI produzir documentos que restrinjam a posse de imóveis privados em face de estudos de identificação e delimitação de terras indígenas ou constituição de reservas indígenas. (art. 1º da instrução normativa)
Em suma, a parte interessada pode solicitar a supracitada declaração à FUNAI e caso não ocorra sobreposição com qualquer área demarcada, será emitida a referida declaração.
Com o advento da instrução normativa espera-se que os infortúnios passados pelos produtores rurais possam ser abreviados, sendo, inclusive, solucionados de forma administrativa, sem que seja necessário passar pelos longos e morosos trâmites judiciais.
A instrução normativa em comento traz enorme segurança jurídica aos produtores rurais e proprietários de imóveis.
Entretanto, ainda não é dispensável o auxílio jurídico, mesmo que na seara administrativa, já que há trâmites burocráticos, como preenchimento de formulários, encaminhamento de documentos e análises, todos previstos e explicitados na instrução normativa em comento. (art. 3º da instrução normativa)
É importante informar que a FUNAI pode pedir esclarecimentos, aos quais deverão ser respondidos no prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de arquivamento do requerimento.
Inclusive, em regra, se fará necessária realização de vistoria do imóvel in loco por técnico da FUNAI, bem como o interessado (Proprietário, Possuidor, Arrendatário e etc...) ficará obrigado a comunicar a ocorrência de trânsito ou presença de índios no imóvel objeto do requerimento, isto a que tempo for. (art. 5º e 6º da instrução normativa)
Não obstante, por mais óbvio que se pareça, deve-se esclarecer que não poderá ser emitida Declaração de Reconhecimento de Limites para imóveis incidentes em Terra indígena homologada ou regularizada (com os limites da demarcação homologados por decreto da presidência da República), Reservas indígenas e Terras indígenas dominiais havidas por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil, de propriedade de comunidade indígena. (art. 4º da instrução normativa)
Outra questão facilitadora é que todo trâmite pode ser realizado via próprio SIGEF, de forma digital, agilizando todo processo, de maneira que é importante a juntada de todos os documentos necessários para evitar cair em exigência, bem como ter de prestar esclarecimento, tornando-o mais célere.
Como já é sabido, as ausências das certificações dos imóveis rurais causam imensos prejuízos àqueles que abastecem as mesas da imensa população brasileira e de todo o mundo.
Por fim, apenas à título de esclarecimentos, após a publicação da instrução normativa foram veiculadas algumas matérias sobre o tema, contudo, atécnicas, já que inexiste terra indígena sem homologação, bem como resta informar que Delimitação é diferente de Demarcação, de modo que não se confundem.
Logo, é errado dizer que a FUNAI editou norma/medida que permite a ocupação e venda de terras indígenas sem homologação, já que as ditas terras não são indígenas.
A terra apenas pode ser considerada como indígena após ter o devido processo legal administrativo concluído com decisão final que afaste o direito de propriedade e de posse do proprietário/possuidor anterior.
A propriedade rural delimitada pela FUNAI para ser objeto de estudo é particular, privada, devendo ser respeitada. É direito do proprietário rural ter seu imóvel certificado.
Do mesmo modo, a FUNAI não pode se negar a emitir da Declaração de Reconhecimento de Limites de terras delimitadas e/ou com processo de demarcação em tramitação.
Por fim, entendo que a instrução normativa em questão será de grande valia para a extinção do abusivo ato perpetrado pelo INCRA, já que o SIGEF trazia ao produtor rural imensa instabilidade e insegurança, facilitando o caminho para a realização das certificações dos imóveis rurais e transações negociais que, por vezes, deixavam de ser concluídas pela ausência de certificação.
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*Daniel Masello Monteiro é advogado associado na MoselloLima Advocacia. Pós-graduado (MBA) em Direito Civil e Processo Civil pela FGV-RIO.