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STF definirá a incidência de ISS sobre contratos de franquia

Celebrado o contrato de franquia, tanto o franqueador quanto o franqueado assumem obrigações recíprocas indissociáveis, que podem envolver desde a utilização da marca e mecanismos de fabricação à operacionalização da atividade

18/5/2020

Desde a publicação da lei complementar 116/03, a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre o franchising tem sido objeto de controvérsias entre os contribuintes e as autoridades fiscais municipais.

De acordo com o Fisco, a exigibilidade do imposto municipal é motivada pela previsão legal contida na referida LC 116/03 que, ao veicular a lista de serviços tributáveis pelo ISS, incluiu, no item 17.08, a atividade de franquia.

Nesse sentido, importa notar que, após a revogação da lei 8.955/94 (Lei de Franquia), o art. 1º da lei 13.966/191 passou a definir o franchising empresarial como a prática na qual o franqueador autoriza, por meio de contrato e mediante remuneração, a utilização da sua marca, objeto de propriedade intelectual e modelo de negócios.

Vale dizer que o contrato de franquia essencialmente permite ao franqueado se utilizar de um know how pré-estabelecido acerca da organização empresarial, comercial e de marketing do franqueador para realizar a distribuição, com exclusividade ou não, de produtos e serviços. Trata-se, portanto, de inequívoca situação de cessão de direitos do “modelo de negócios” concebido pelo franqueador.

Celebrado o contrato de franquia, tanto o franqueador quanto o franqueado assumem obrigações recíprocas indissociáveis, que podem envolver desde a utilização da marca e mecanismos de fabricação à operacionalização da atividade2. O contrato de franquia tem natureza híbrida por essência, apresentando contornos complexos que incorporam vários elementos circunstanciais3.

O ISS, por outro lado, incide sobre o “fato bruto” de prestar serviço, sendo inexigível sobre negócios jurídicos e contratos. Considerando, assim, que o fato gerador do ISS consiste apenas na prestação de serviços puros, é certo que, em razão da sua natureza, o contrato de franquia, não se amolda à materialidade contida no inciso III do artigo 156 da CF/88.

Esse entendimento foi corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu, em sede de recurso repetitivo, a não incidência do ISS sobre serviços postais e telemáticos prestados por empresas franqueadas, não obstante tal entendimento ter sido firmado quando da solução de controvérsias jurídicas sob a égide do decreto-lei 406/68 e da lei complementar 56/87.

Com o advento da LC 116/03, e a inclusão do item 17.08 na lista de serviços tributáveis pelo ISS, o STJ passou a considerar que o legislador ordinário teria expressamente autorizado os municípios e o Distrito Federal a tributarem a franquia e suas atividades-meio. Isso porque eventual interpretação contrária demandaria a declaração da inconstitucionalidade do item 17.08 da lista anexa à LC 116/03.

Justamente em razão desse contexto, o ângulo constitucional da controvérsia foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 603.1364 e, agora, os contribuintes aguardam a definição do Tema 300 da Repercussão Geral, que será examinado na sessão virtual do Plenário entre os dias 22.05.20 e 28.05.20. Na ocasião, os ministros deverão analisar a constitucionalidade da incidência do ISS sobre os contratos de franquia.

A matéria também é objeto da ADIn 4784, ajuizada pela Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil com o propósito de que seja afastada a incidência do ISS sobre o montante recebido pelas agências franqueadas com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). A ação conta com parecer favorável da Procuradoria Geral da República, ratificando a necessidade de que seja declarado inconstitucional o item 17.08 da lista de serviços anexa à LC 116/03.

A expectativa, portanto, é que o STF reconheça a não incidência do ISS sobre o franchising empresarial, seja porque se trata de um modelo de cessão de negócio jurídico, seja em razão da multiplicidade das atividades envolvidas em seu contrato que não podem, sob pena de descaracterização do instituto jurídico, serem reduzidas a um mera prestação de serviços.

Até lá, os contribuintes que desejarem se resguardar de uma possível modulação de efeitos de eventual decisão favorável precisarão ajuizar ações judiciais sobre o tema, pois, sendo mantida a tradição do STF nesse tipo de decisão, somente aqueles que já litigavam o tema até a data do julgamento estarão autorizados a recuperar os tributos recolhidos no passado.

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1 Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.

2 BITTAR, Carlos Alberto. Contratos Comerciais de Acordo com o Novo Código Civil. 4ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Pg. 209.

3  “ (...) O contrato de franquia é de natureza híbrida, em face de ser formado por vários elementos circunstanciais, pelo que não caracteriza para o mundo jurídico uma simples prestação de serviço, não incidindo sobre ele o ISS. Por não ser serviço, não consta, de modo identificado, no rol das atividades especificadas pela Lei nº 8.955/94, para fins de tributação do ISS. (...)”. STJ, AgRg no Ag 746.597/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2006, DJ 08/06/2006, p. 134.

4 Além do RE 603.136/RJ, há outros recentes julgados do STF que defendem a impossibilidade de incidência de ISS em contratos de franquia (ARE 1.184.969/PR, rel. min. Ricardo Lewandovski, Decisão Monocrática, j. 28.3.2019; ARE 1.050.089/SP, rel. min. Ricardo Lewandovski, Decisão Monocrática, j.12.6.17)

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*Andrea Mascitto é sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Tatiana Dratovsky Sister é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Renato Henrique Caumo é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

 






*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

 

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