O impacto sociocultural trazido pela pandemia mundial do novo coronavírus é inquestionável. Muito se fala, na mídia em geral, sobre as consequências observadas pelo mundo decorrentes do combate, enfrentamento ou mitigação dos impactos da pandemia (lockdown, social distance, new delivery businesses, Home work, education distance learning, health tech, medical tech etc.).
De fato, a Comunidade Mundial precisará descobrir meios eficazes para controlar a doença (infecções, internamentos e mortes) e prover mecanismos para apoiar as tentativas de abertura social e econômica dos países que conseguirem, através de dados concretos, comprovar um real controle sobre a pandemia. Como já apresentado em diversos estudos, medidas de relaxamento ao distanciamento social e volta normal da sociedade a atividades sociais e econômicas, só serão possíveis através da testagem das populações e o uso de instrumentos tecnológicos que delimitem e qualifiquem o tipo de restrições sociais aos infectados.
Diante desta realidade, nenhuma das consequências citadas, angaria mais discussão e reflexão quanto o Monitoramento Tecnológico Social (social tracking). Esse instrumento de combate a pandemia tem gerado, no ramo jurídico principalmente, uma infinidade de questionamentos, seja ligado a privacidade do indivíduo e sua proteção, seja pela necessidade da supremacia estatal ao interesse público em situações calamitosas ainda não enfrentadas no século 21.
As tecnologias usadas para tal rastreio, vão desde triangulação entre antenas dos sinais eletromagnéticos dos aparelhos (sem acesso aos dados aparelho ou chip), até tecnologias disruptivas de comunicação de dados de forma criptográfica e usando o bluetooth do aparelho (tecnologias desenvolvidas, concomitantemente, pela Google em parceria com Apple, e o pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Tal instrumento tecnológico de rastreio, se bem aplicado e regulamentado, pode contribuir maciçamente, com as propostas de reabertura da economia dos estados como um todo, de forma contributiva, em parceria pública e privada, pode gerar dados assertivos para que grandes empresas, indústrias e comércio façam um controle escalonado de seus atores (empregados, terceirizados, clientes etc...), gerando um instrumento de controle de infectados, rastreando o desenvolvimento progressivo da doença no meio social. Temos como exemplo a Coreia do Sul e a Alemanha (que já ensaia modelos de apps com informações voluntárias inseridas pelo próprio cidadão). Mesmo com a Regulamentação Geral Sobre a Proteção de Dados (GDPR) regulamentando o acesso e uso de dados em toda comunidade Europeia, observamos diversos projetos científicos tecnológicos que, emergencialmente, mitigando parte da referida Lei, tentam trazer opções para o combate efetivo a pandemia instaurada e mecanismos para o controle e abertura dessas economias em momentos específicos de retomada pós-pico epidemiológico da doença.
No Brasil, diante do quadro de pandemia, o Senado Federal aprovou no último dia 3 de Abril a prorrogação do início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) de agosto de 2020 para janeiro de 2021, com exceção das disposições relativas às penalidades em caso de violações à lei, que terão vigência apenas a partir de agosto de 2021.
Ao mesmo tempo, tivemos a edição da MP nº 954 em 17 de Abril, pelo Governo federal, que prevê o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado e de Serviço Móvel Pessoal com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para fins de suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Tal Medida Provisória visa, justamente, levantar dados de geolocalização dos cidadãos, para controle e rastreabilidade das políticas de quarentena (Os Governos de SP, RJ, DF, CE e PE, fizeram o mesmo, porém através de parcerias com as operadoras). A medida Provisória em questão já fora atacada pelas ADI: 6.387, 6.388, 6.389 e 6.390, em análise da cautelar (ADI 6.387), a Ministra Rosa Weber, concedeu liminar no sentido de, “determinar que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE se abstenha de requerer a disponibilização dos dados objeto da referida medida provisória e, caso já o tenha feito, que suste tal pedido, com imediata comunicação à(s) operadora(s) de telefonia.” (24/04/2020).
A despeito do embate travado atualmente sobre o tema, inegável que a tecnologia relativa ao Monitoramento tecnológico Social, é um instrumento real e assertivo, que será usado pelos governos em todo mundo, para impedir o avanço da pandemia sobre as populações em específico e fomentar, tecnicamente, a abertura e volta dos cidadãos a vida social e econômica. Inegável também é o fato, que o impacto da Pandemia sobre a sociedade mundial, ainda é intangível, fazendo com que governos e empresas, recorram neste momento de imprevisão, a ramos estruturados cientificamente, mais em específico, aos pesquisadores de modo geral, a comunidade médica, aos cientistas de dados e desenvolvedores de tecnologia.
Esta medida é implementada para que a sociedade como um todo possa ter meios hábeis para responder a doença de forma rápida e eficaz, sendo a regulamentação e a justiça, garantidoras secundárias a aplicação de tais medidas primordiais.
A adequação jurídica regulatória para tal instrumento, invariavelmente, deverá ser editada com o objetivo de estruturar legalmente o rastreamento e qualificação (seja de infectados, seja dos meios de distanciamento social) para que os governos possam colocar em prática, as pretendidas e necessárias, tentativas de relaxamento em meio à crise de pandemia que se postergará, pelo menos, até o segundo semestre de 2021.
A mitigação do direito à privacidade será necessária para garantir um bem social maior (estruturação da economia, garantir o direito de ir e vir, fornecer dados para tomadas de Decisões Governamentais e garantir que as estruturas de Saúde suportem a logística de atendimento as populações), restando aos legisladores a construção de uma regulamentação clara, concisa e de livre acordo em relação ao Monitoramento Tecnológico Social.
__________
*Janildo Maia Azevedo de Souza, advogado do Rueda & Rueda Advogados; especialista em direito empresarial e contratos, além de graduação em curso em gestão de tecnologia da informação.