As medidas de combate ao coronavírus (covid-19) influenciam significativamente a sociedade como um todo, quanto a sua capacidade de fazer frente às obrigações assumidas, tendo em vista o cenário de redução drástica da atividade econômica.
Os serviços de telecomunicações e internet em nosso país, foram classificados como essenciais, pelo decreto 10.282 de 20 de março de 2020, que definiu o seguinte:
Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.
§ 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:
(...)
VI - telecomunicações e internet;
A finalidade de tal previsão é no sentido de resguardar a continuidade do funcionamento desses serviços, mesmo face à possíveis restrições às atividades comerciais, bem como à circulação de indivíduos impostas pelos entes da federação.
Sem dúvida, a internet e as telecomunicações, possuem um papel fundamental na prevenção e nas respostas aos impactos negativos da covid-19, uma vez que as medidas de isolamento social deflagradas, posicionaram tais serviços, no núcleo do enfrentamento da crise: pessoas conectam-se por meio de serviços digitais, bem como a produção e o ensino, prosseguem com o suporte de ferramentas de home office e de ensino à distância.
Ocorre que o setor de telecomunicações vem enfrentando forte oposição de órgãos de defesa do consumidor, que objetivam a continuidade dos serviços e flexibilização do processo de cobrança dos clientes inadimplentes, por força da crise.
Noutro giro, é fácil perceber, que o crescimento da demanda pelos serviços de internet e telecomunicações, acarreta o aumento dos custos das empresas que fornecem tais serviços, sendo certo que todo o esforço setorial, neste momento, é em prol da manutenção do funcionamento adequado das redes de telecomunicações, com vistas ao escoamento de todo o tráfego de dados transmitido pela população.
Corrobora-se que as empresas atuantes em municípios e localidades, com menor infraestrutura pública e, por conseguinte, com mais exigências pelos consumidores quanto à qualidade dos serviços de internet e telecomunicações disponíveis, apontaram um aumento considerável no número de chamados de manutenção, durante a crise.
Adicionalmente, apesar de o novo patamar de consumo, assegurado por ora, já exigir maiores cuidados na manutenção de equipamentos e elementos de rede de telecomunicações, eventual agravamento da crise, poderia elevar ainda mais essa demanda.
Ora, não se pode esquecer, que os recursos financeiros, sustentam o fornecimento de recursos técnicos para o atendimento da demanda, sendo certo que nas relações obrigacionais, principalmente durante o período de calamidade pública, é essencial, as ponderações quanto aos desdobramentos advindos do inadimplemento contratual, com vistas à continuidade e eficiência de serviço de internet e telecomunicações.
Diante disso, é vital a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos em questão, assim definido, nas precisas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, como "a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e pela compensação econômica que lhe corresponderá”.1
Nesse sentido, recentemente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), determinou a suspensão de decisão proferida, em sede de antecipação de tutela, pela 12ª Vara Cível Federal da Subseção de São Paulo, nos autos da Ação Civil Pública distribuída pelo IDECON, que determinava a abstenção quanto à suspensão ou interrupção do fornecimento dos serviços de telecomunicações, aos consumidores residenciais durante a pandemia.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), por meio de sua Presidência, entendeu que a manutenção da prestação dos serviços de telecomunicações, de forma indiscriminada, a qualquer consumidor, mesmo que inadimplente, comprometeria gravemente a segurança jurídica, cabendo colacionar o trecho seguinte de sua decisão: “além de impactar no recolhimento de tributos, fere o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal), ao não estabelecer qualquer critério razoável de distinção quanto à capacidade financeira e contributiva dos usuários, criando verdadeiro estímulo à inadimplência”.
De fato, afigura-se temerário que, no período de maior tráfego das redes de telecomunicações, que necessitam de maiores investimentos em manutenção, as prestadoras sejam privadas de suas receitas.
A situação aqui relatada se apresenta dramática quando se tem em vista o real aumento repentino da demanda pelo serviço de internet banda larga, seja para possibilitar o trabalho em home-office, permitir o ensino à distância, ou ainda para o entretenimento da população, mediante os serviços de streaming (e.g. Netflix e Amazon Prime).
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*Patricia Santos é advogada e consultora jurídica de empresas do setor de telecomunicações e internet. Especialização em Direito Tributário e professora do Forum Cebefi.