Uma das regras básicas da boa gestão durante o gerenciamento de crise é garantir o fluxo de informações e a transparência pública nas decisões. Esconder dados e ocultar responsabilidades são medidas que agravam um cenário de omissão e de ilegalidades. Na prática, a teoria é outra, e um dos principais direitos do cidadão é infringido: o acesso à informação. Nesta época de pandemia, isso não é exclusividade do Brasil. À população, cabe vigiar, denunciar e contar com o apoio de instituições sólidas de defesa da democracia.
Aqui no país, no início das políticas de isolamento, a Lei de Acesso à Informação (LAI) foi vítima de uma interferência sem tamanho por parte do Governo Federal. Em março, o governo editou uma medida provisória suspendendo os prazos de retorno dos pedidos de informação, sobretudo em departamentos com funcionários em trabalho remoto por conta da covid-19. O Ministério Público negava também o direito a contestar as decisões de negativas de informação. Pela lei, o prazo para responder um pedido de informação é de 20 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 10 dias.
Mesmo com a digitalização de praticamente todo processo de gestão do governo, a medida permitia se apoiar no MP para negar toda e qualquer informação solicitada, inclusive sobre o andamento das ações para conter a pandemia. A regra proposta pelo governo colocava no "limbo" até pedidos que estavam pendentes de resposta, criando uma espécie de retorno padrão para todo questionamento. Seria uma volta ao paradigma da negativa à informação e da idade das trevas dos dados públicos. Contestada pela sociedade civil, a atitude do governo, barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) feria o direito à informação, à transparência e à publicidade.
E olha que esta não é a primeira vez que a LAI e o acesso à informação sofrem tentativas de mudanças. Logo no início da gestão, pelas mãos do vice-presidente, o governo editou um decreto que permitia dar poderes a uma parcela significativa de comissionados para decretar sigilo em dados públicos. Na prática, pessoas com cargos com indicação política teriam o direito de determinar que um documento não poderia ser revelado. A medida, também derrubada diante da pressão da sociedade civil, colocaria em xeque uma das principais ferramentas da sociedade quando o assunto é transparência passiva.
E não estamos sozinhos nesta. Ao menos 18 países, dentre os quais o Brasil, Estados Unidos, El Salvador, França, Canadá, Paquistão e Montenegro integram uma lista produzida pela Global Right to Information Rating denunciando tentativas de suspensões ou alterações nas leis de acesso à informação. A instituição internacional não governamental que mapeia e fiscaliza a aplicação dos direitos à informação no mundo registrou ainda onze alterações de leis e inclusão de obstrução nos países.
Na prática, usando o discurso de estado de emergência, os países e estados decretaram a suspensão dos prazos das leis ou ainda a suspensão do atendimento aos pedidos de informação. O resultado disso é um quadro de generalizada negativa de dados à sociedade, sobretudo em um momento em que seria fundamental um quadro de transparência da administração pública, ainda mais quando são aprovados neste mesmo momento o alargamento das responsabilidades fiscais e orçamentos que dão maior liberdade para os entes públicos. A exceção abre espaço para a corrupção e violação de direitos como a transparência em gastos sem licitações e resultantes de orçamentos paralelos.
A participação da sociedade na gestão pública e o princípio da transparência são estruturas que foram se consolidando na democracia brasileira, e são direitos e ferramentas que não podem ser colocadas em xeque ou alteradas sem consultas públicas ou ainda ao sabor da temperatura da gestão pública. As medidas de cerceamento à Lei de Acesso à Informação no Brasil e nos outros países mostra que a fragilidade no direito aos dados e à transparência na gestão não é algo medido apenas pela idade da lei, se considerarmos que na lista da Global Right to Information Rating destacam-se países como os Estados Unidos, com larga história de ações pró-transparência.
Mas é dependente, de fato, do fator ativo dos cidadãos, que a partir de entidades sólidas da sociedade civil buscam reafirmar a cultura da transparência. É preciso estar alerta e defender o direito à informação, sempre!
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*Alexsandro Ribeiro é professor dos cursos de Publicidade e Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter.