Os desdobramentos da pandemia do coronavírus alteraram radicalmente a forma de se relacionar com o próximo, a comunicação, os hábitos diários, a forma de entretenimento, inclusive nas relações de consumo e posicionamento das grandes marcas.
Enfim, tudo mudou!
Neste novo cenário, a humanização das relações comerciais trouxe uma nova perspectiva, da mesma forma em que empresas genuinamente se sensibilizaram com essa crise e adotaram medidas que atingem à sociedade de forma positiva.
No entanto, na contramão desse movimento, há empresas que implementaram ou defenderam posicionamentos que foram socialmente repreendidos pela população mundial.
- Consumo e as marcas em tempos de distanciamento social
As pesquisas da Kantar1 demonstraram como o isolamento social alterou substancialmente o comportamento e a frequência do consumo de produtos e serviços em geral, forçando as empresas e os prestadores de serviços a se reinventarem, em especial na forma de se comunicar com os novos hábitos dos consumidores.
A Kantar inclusive levantou dados que comprovam que existe uma expectativa da população brasileira em relação ao posicionamento das marcas, sob diferentes óticas:
É nítida a preocupação dos consumidores não apenas com a forma de se posicionar das empresas como marca, mas também com outros aspectos: como a manutenção do emprego e da atividade empresarial; o auxílio à comunidade; investimentos de recursos; e compartilhamento de conhecimento na área da saúde, dentre tantos outros aspectos necessários a manter a sociedade e a superar esse surto do covid-19.
- Novo posicionamento das empresas
De acordo com o Instituto de Pesquisa & Data Analytics Croma Insights2, diversas empresas têm se destacado entre os consumidores e são admiradas pelas medidas frente ao período inusitado.
A título de exemplo, o Mercado Livre e a Audi alteraram suas logomarcas e comunicação, inclusive aplicando sinais e slogans que tem por finalidade fortalecer o otimismo e a esperança da sociedade nesse caótico momento da história.
O Mercado Livre identificou, logo no começo da propagação do coronavírus, que o simples gesto do aperto de mãos, utilizado em seu logo, o qual simboliza a conclusão de um negócio, não condizia com o comportamento ideal ao combate do vírus.
Em atenção às recomendações de higiene divulgadas pela Organização Mundial de Saúde (“OMS”), o Mercado Livre alterou temporariamente o tradicional aperto de mão por um toque de cotovelos.
Em entrevista especialmente concedida às autoras, Lagreca, Diretor Sênior de Relações Governamentais e Jurídico do Mercado Livre, destacou que a empresa “conseguiu implementar um plano de contingência em apenas 5 dias desde que a situação começou a se agravar no Brasil. Preocupados com seus funcionários, foram uma das primeiras empresas a aderir ao isolamento social, adotando o home office. Para as entregas a empresa adotou uma política de segurança, para garantir que seus funcionários e os consumidores não fiquem expostos à doença”.
Além disso, o Mercado Livre também entrou em um novo segmento, o de supermercados online, o qual tem como propósito ajudar a população na compra de alimentos, bem como de produtos de higiene e limpeza. Inclusive, conforme relatado pelo Diretor Jurídico, a semana de 17 de março registrou um pico de vendas maior do que comparado com a Black Friday, o que comprova uma mudança, ainda não sabe se temporária, do comportamento do consumidor.
Com essa alteração, e principalmente com o crescimento do setor de logística, cerca de 96 funcionários novos foram contratados, para atenderem essa nova demanda. Todo o processo seletivo do Mercado Livre ocorreu de forma remota, desde as entrevistas até as boas-vindas oficiais, com eventos virtuais para integração dos novos colaboradores.
A Audi também implementou expressivas mudanças. O tradicional logo da empresa com quatro argolas unidas foi substituído para quatro argolas distantes, demonstrando que a marca apoia o afastamento social durante a pandemia.
O diretor jurídico da Audi, Rogério Varga, que também foi entrevistado pelas autoras, informou que a empresa se preocupa com a imagem que passa ao público em geral e teve a intenção de se posicionar de maneira mais próxima e humana dos consumidores.
A indústria automobilística está entre as que mais estão sofrendo com os impactos dessa nova realidade, e para a renomada Audi a história não foi diferente. Preocupada com o bem estar de seus funcionários, a fábrica em São José dos Pinhais e o centro de distribuição de peças e acessórios da marca estão fechados e com suas atividades interrompidas. Já as Concessionárias da Rede Audi estão funcionando de forma limitada, apenas para atender as questões emergenciais, de acordo com as orientações passadas pela Administração Pública de cada região, tudo de forma a manter o atendimento de seus consumidores durante esse período.
Ainda, para minimizar os impactos na quebra do isolamento nesses casos emergenciais, a Audi instituiu o serviço de “leva e traz”, com toda a segurança necessária para que o contato e o risco de contágio seja o menor possível.
As medidas adotadas pela Audi que buscam garantir os interesses, direitos e a segurança de seus consumidores estão divulgadas em seu site. A título exemplificativo, os prazos de garantia foram estendidos e as revisões e manutenções obrigatórias foram adiadas sem que seja comprometida a garantia do veículo.
Rogério Varga destacou, ainda, que o transporte individual ainda é o mais seguro nesse período, perdendo apenas para “ficar em casa”.
A empresa também divulgou em seu site oficial um manual para cuidados com os veículos durante o contágio do covid-19, bem como trabalha com a divulgação da hashtag #DeixeSeuCarroNaGaragem em suas redes sociais.
- O termo de maior alcance – Coronavírus
Ao mesmo tempo em que vemos atitudes positivas de empresas, infelizmente nos deparamos com casos em que utilizam o momento para tentar obter vantagens ou explorar comercialmente esse triste evento.
Enquanto o Mercado Livre e a Audi se preocupam com o impacto de dentro para fora, uma empresa no ramo de cosméticos ingressou, em 2 de março de 2020, com o pedido de registro sobre a expressão Coronavírus no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (“INPI”), autarquia responsável pelo registro de marcas no Brasil. Já em 17 de março, outro pedido foi feito, por uma lanchonete, para registrar o termo covid.
O INPI não rejeitou os pedidos de ofício, embora, a rigor, pudesse tê-lo feito com base no artigo 124 da dispositivos da Lei de Propriedade Industrial (“Lei Federal nº 9.279/96” ou “LPI”), que elenca de forma exaustiva todas as 23 hipóteses que um pedido perante o INPI não é passível de registro de marca. Em especial, merecem destaque os incisos III e XVIII, que vedam, respectivamente, o registro de sinais “contrários à moral e aos bons costumes” ou que reproduzam “termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir”. Tecnicamente falando, a autarquia concluiu, em ambos os casos, o exame formal e abriu a oportunidade para que terceiros apresentem oposições aos pedidos. Nos próximos 6 meses, veremos as cenas dos próximos capítulos.
Condutas semelhantes têm sido observadas ao redor do mundo, com mais de 60 casos ao todo. No Canadá, dois advogados entraram com pedido de registro de marca para covid-193. Nos Estados Unidos, existem diversos pedidos de registro da marca, como covid-19 Survivor (Sobrevivente do covid-19), coronavírus e covid4.
Na China, a Administração Nacional de Propriedade Intelectual Chinesa (“CNIPA”), agiu rápido em situação semelhante. Só no mês de março, mais de 1.000 pedidos de registros de marca envolvendo seja o coronavírus, bem como os hospitais construídos para tratamento em Wuhan, nomes de médicos ou vítimas fatais da doença, como medicamentos e serviços médicos, todos foram rejeitados de plano pela autoridade. A Administração anunciou[5] que tais pedidos poderiam enganar consumidores bem como trazer uma preocupação pública.
Para muitas empresas, os ativos intelectuais são as propriedades mais valiosas – tanto no âmbito marcário, como patentes –, inclusive quando o intuito de fato é salvar vidas, sobretudo decorrentes de um evento global de grande proporção como o coronavírus.
Há uma corrida desenfreada por um antídoto eficaz. Se tais condutas serão ou não reputadas como oportunistas, só o tempo dirá. De todo modo, o panorama de solidariedade instaurado pelo vírus é prova de como um episódio dessa magnitude altera essencialmente a sociedade e, consequentemente, as relações comerciais e de consumo.
De nossa parte, há um fio de esperança e certeza de que em breve o mundo estará bem e todos juntos novamente, com empresas que abracem cada vez mais a reciprocidade e atuem de forma genuinamente mais solidária para com seus funcionários, comunidade e consumidores.
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1 Fonte: Clique aqui, acessado em 30.3.20.
2 Fonte: Pesquisa on-line Toluna. Análise: Instituto de Pesquisa & Data Analytics. Acessado em 30.3.2020.
3 Fonte: Clique aqui.
4 Fonte: Clique aqui.
5 Fonte: Clique aqui.
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*Talita Sabatini Garcia é coordenadora das áreas Propriedade Intelectual e Legal Marketing & Advertising do Iwrcf e também atua na área de Contratos.
*Thaís Gonçalves Fortes é advogada do Contencioso Cível e de Propriedade Intelectual do Iwrcf.
*Gabriella Caetano Leite é advogada das áreas de Contratos, Legal Marketing & Advertising e Propriedade Intelectual do Iwrcf.