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Tratamento de dados pessoais em meio à pandemia de covid-19: comentários sobre o adiamento do início da vigência da LGPD

A LGPD não deve ser encarada como um custo para as empresas e para o Estado, mas sim como uma ferramenta essencial.

5/5/2020

No último dia 29.4, o Governo Federal editou a MP 959/20, que, além de dispor sobre o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda em decorrência da pandemia de coronavírus (covid-19), prorrogou a vacatio legis da lei 13.709/18, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), até 3.5.21. A medida do Governo Federal contraria a opinião geral de especialistas, segundo os quais a vigência imediata da lei e a constituição da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) seriam essenciais para a preservação do direito fundamental à proteção dos dados dos cidadãos brasileiros durante a crise. Antes disso, já tramitava na Câmara dos Deputados o PL 1.179/20, aprovado pelo Senado Federal, propondo a prorrogação do início da vigência da lei para 1º.8.2021 quanto aos dispositivos que cominam sanções ao seu descumprimento e para 1º.1.21 dos demais dispositivos.

Com a missão de regulamentar e conferir segurança jurídica ao tratamento de dados pessoais no Brasil, a LGPD é uma demanda antiga da sociedade civil, carregando consigo a expectativa de compatibilidade com o Regulamento Geral de Proteção de Dados europeu (RGPD) – em vigor desde maio de 2018 – e com as legislações mais avançadas do mundo em matéria de proteção de dados, garantindo às empresas brasileiras acesso a diversos mercados consumidores, sobretudo o europeu, de modo a cumprir a sua finalidade econômica na chamada data-driven economy.

Ocorre que a menos de 4 (quatro) meses de sua entrada em vigor, de acordo com o cronograma original, nem sequer havia sido instituída a ANPD. A autoridade, pensada num primeiro momento como uma autarquia especial – estrutura vetada pela Presidência da República1 –, é essencial para a aplicação da LGPD, pois, dentre as suas incumbências primordiais, encontram-se a fiscalização ao cumprimento da lei e a aplicação das sanções previstas, a garantia da certificação de conformidade com outras legislações, bem como a uniformização de padrões técnicos de tratamento dos dados pessoais, além do fomento à Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, via Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade2.

Não obstante tal atraso, o mundo é acometido por uma pandemia, cujos prognósticos mais pessimistas quanto aos seus efeitos econômicos apontam na direção da Grande Depressão de 1929. Tal circunstância deu azo a uma pressão para que primeiramente o Congresso, e agora o Governo Federal via medida provisória, decidissem adiar o início da vigência da LGPD, sob a justificativa de "não onerar as empresas em face das enormes dificuldades técnicas econômicas advindas da pandemia"3. No entanto, aquilo que parece uma economia de recursos no curto prazo ou uma nova chance àqueles que não aproveitaram o período de 2 (dois) anos de vacatio legis para se adequar pode, na realidade, custar caro ao sistema de proteção de dados do país.

Isso porque, muito além das mencionadas dificuldades técnico-econômicas e dos custos de compliance, encontram-se em jogo (I) a segurança jurídica para o tratamento de dados no país, na medida em que a LGPD propõe, por meio de seus princípios e normas, a uniformização da interpretação acerca do já existente arcabouço regulatório referente à proteção de dados pessoais no nosso ordenamento jurídico4; (II) a proteção de dados dos cidadãos frente aos desafios impostos pela pandemia num contexto de aumento do uso de aplicativos, alguns deles até então desconhecidos da maioria das pessoas, e do crescimento da vigilância do Estado e de empresas privadas em relação aos cidadãos, sob a justificativa de controle do crescimento da curva de contágio da doença; (III) a tentativa de evitar a judicialização em massa de demandas visando à tutela ao direito à proteção de dados pessoais; (IV) o aumento das possibilidades de combate à pandemia mediante a utilização de bases de dados compartilhadas com outros países, cujas populações se encontram em estágios diferentes de contaminação; e (V) a própria recuperação econômica das empresas brasileiras, que poderão sofrer os efeitos, durante e após a pandemia, de não estarem submetidas a uma lei geral de proteção de dados.

__________

*André Silveira é advogado. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Sócio de Sergio Bermudes Advogados Associados.

*André Portella é advogado. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília. Pós-Graduando em Proteção de Dados pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG. Sócio de Sergio Bermudes Advogados Associados.

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