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Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 – medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus no âmbito das licitações e contratações com o Poder Público

A nova legislação cria hipótese de dispensa temporária de realização de procedimento licitatório, bem como traz a figura do chamado pregão simplificado, determinando a redução de alguns prazos.

4/5/2020

A lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, com as alterações introduzidas pela MP 926/2020, dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas pelas autoridades públicas, com vistas ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia do coronavírus, e, como não poderia ser diferente, traz algumas inovações importantes quanto à sistemática das licitações e contratações no âmbito da Administração Pública. 

A título de ilustração, a nova legislação cria hipótese de dispensa temporária de realização de procedimento licitatório, bem como traz a figura do chamado pregão simplificado, determinando a redução de alguns prazos. Essas e outras medidas tem como objetivo conferir maior eficiência e celeridade para os procedimentos de contratação de bens, serviços e insumos destinados direta ou indiretamente ao enfrentamento da covid-19 e serão objeto de análise no presente artigo.

A lei 13.979/2020 autoriza a dispensa temporária de realização de licitação para aquisição de bens, serviços (inclusive de engenharia), e insumos destinados ao enfrentamento da crise do coronavírus, inclusive, expandindo essa possibilidade para a aquisição de equipamentos seminovos, contanto, é claro, que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido.

É necessário frisar que a dispensa temporária de licitação a que se refere a lei diz respeito à uma atuação estatal emergencial e extraordinária, que guarde relação com o combate à pandemia enfrentada.

Isto é, nem toda contratação com o Poder Público realizada durante este período terá como objetivo o combate à covid-19. Nesses casos, as medidas trazidas pela lei 13.979/2020 não se aplicam, devendo ser observadas as normas gerais de licitações e contratos contidas na lei 8.666, de 21 de junho de 1993, bem como demais legislações aplicáveis à matéria, sob pena de incidirem, tanto o gestor público, quanto o particular contratado, nas responsabilidades e penalidades previstas em lei.

Veja-se, a exemplo disso, que o artigo 89, da Lei de Licitações (lei 8.666/1993), caracteriza como crime a dispensa da licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou a inobservância de formalidades relativas a ela, e inclui neste tipo aquele que tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Devem ser adotadas providências prévias à dispensa de licitação que evidenciem e bem documentem as circunstâncias concretas da contratação, bem como a compatibilidade do procedimento adotado às hipóteses excepcionais trazidas pelas lei 13.979/2020, sempre com a indicação dos fundamentos que ensejaram a escolha do gestor público.

Para as contratações de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência da covid-19, a lei dispensa a necessidade de elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns.

Nos termos da Lei de Licitações (lei 8.666, de 21 de junho de 1993), o termo de referência ou o projeto básico é o documento, elaborado a partir dos estudos técnicos preliminares, que deve conter os elementos necessários e suficientes, com adequada precisão, para caracterizar o objeto da licitação.

Em condições normais, o termo de referência ou projeto básico simplificado deve ser elaborado após a realização e a aprovação de estudos técnicos preliminares que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilitem a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, atendidos uma série de requisitos previstos na Lei de Licitações.

Tendo em vista a gravidade da crise enfrentada e da necessidade de celeridade e simplificação de procedimentos, a lei 13.979/2020 admite a apresentação de termo de referência ou projeto básico simplificado, que deverá conter:

a) declaração do objeto;

b) fundamentação simplificada da contratação;

c) descrição resumida da solução apresentada;

d) requisitos da contratação;

e) critérios de medição e pagamento;

f) adequação orçamentária.

g) estimativas dos preços obtidos com base em parâmetros mínimos definidos em lei, como por exemplo, pesquisa no Portal de Compras do Governo Federal; pesquisa publicada em mídia especializada; sites especializados ou de domínio amplo, etc.

O Poder Público pode contratar por valores superiores àqueles obtidos a partir da estimativa de preço, desde que isto decorra de oscilações ocasionadas pela variação de preços, devendo, no entanto, haver justificativa expressa a esse respeito pela autoridade competente.

Da mesma forma, em caráter excepcional, essa estimativa de preços poderá ser dispensada, desde que haja fundamentação adequada pela autoridade competente.

Todas as contratações ou aquisições realizadas com base na lei de enfrentamento à Covid-19 deverão ser disponibilizadas em site oficial contendo as informações necessárias à identificação do contrato, o processo licitatório, seu objeto, prazo de duração e valores específicos.

Nos termos da lei vigente, no período de enfrentamento à crise do covid-19, presumem-se atendidas as condições de I) ocorrência de situação de emergência; II) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; III) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e IV) limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.

Em caráter excepcional, a lei autoriza a contratação de empresas fornecedoras de bens, serviços e insumos declaradas inidôneas ou que estejam com o seu direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspensos, quando se demonstrar ser ela a única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido em questão.

Retomamos aqui as considerações expostas no tópico da hipótese de dispensa temporária de licitação: em que pese nos termos lei13.979/2020 haja uma presunção de situação emergencial a ser enfrentada, e, como consequência, a necessidade de flexibilização de alguns procedimentos, o mesmo não implica em uma autorização irrestrita para que o gestor público contrate com particulares declarados inidôneos ou que estejam com seu direito de licitar ou contratar com o Poder Público suspenso sem maiores cuidados ou consequências.

Conforme anteriormente dito, a escolha pela contratação dessas empresas deve ser bem fundamentada. Cabe ao gestor reunir elementos mínimos que evidenciem a restrição no fornecimento do bem ou serviço em questão a ser adquirido àquela empresa em específico, sempre tendo em mente que estes (bens, serviços e insumos) devem guardar relação de pertinência ao enfrentamento da pandemia.

Ademais, a lei 13.979/2020 não implica em um abrandamento das penas de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração, ou da declaração de inidoneidade: tão logo desapareça a situação emergencial que justifique a contratação, retomam-se em sua integralidade os efeitos dessas sanções, pelo prazo que havia sido determinado previamente pela autoridade competente.

Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a lei autoriza, mediante justificativa prévia, a dispensa de apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação.

Essa dispensa, entretanto, não diz respeito à exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social, bem como em relação à proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz (a partir dos quatorze anos).

Tendo em vista a situação emergencial ocasionada pela pandemia da covid-19, a lei estabelece, ainda, a redução pela metade dos prazos referentes às licitações na modalidade pregão, tanto eletrônico, quanto presencial, quando estas visarem a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da crise do coronavírus.

Quando o prazo originalmente estabelecido em lei para a realização de atos no procedimento de pregão for número ímpar, considerar-se-á, para este fim, o primeiro número inteiro antecedente à metade.

Vale lembrar que dado o contexto em que a lei foi elaborada, nem todas as situações que podem ocorrer na prática foram por ela abordadas. É o caso, por exemplo, dos prazos diferenciados para as microempresas e empresas de pequeno porte definidas pela Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006.

A título de ilustração, a LC 123/2006 confere à microempresa ou empresa de pequeno porte vencedora de procedimento licitatório, prazo de cinco dias úteis, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração, para regularizar eventual situação de restrição na comprovação de regularidade fiscal e trabalhista.

Embora não prevista essa hipótese na lei 13.979/2020, uma interpretação sistemática determina que para as licitações realizadas sob o seu âmbito, os prazos para as microempresas e empresas de pequeno porte regularizarem sua situação fiscal e trabalhista também serão reduzidos pela metade, de modo que:

Para as licitações realizadas no âmbito da lei 13.979/2020, os recursos interpostos pelos licitantes não terão efeito suspensivo, isto é, não implicarão na paralisação do procedimento licitatório, que prosseguirá normalmente até a decisão do recurso.

Via de regra, os procedimentos licitatórios cuja estimativa de valor supere R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), deverão ser iniciados com a realização de audiência pública prévia à publicação do edital, respeitados os prazos previstos na Lei de Licitações. Para as licitações emergenciais realizadas no âmbito da lei 13.979/2020 ficará dispensada a realização dessa audiência pública.

Os contratos decorrentes das licitações realizadas à luz da lei 13.979/2020, terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.

Nos contratos regidos pela lei 13.979/2020, o Poder Público poderá prever que os contratados fiquem obrigados a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, em até cinquenta por cento do valor inicial atualizado do contrato.

Vale ressaltar que nesses casos, ainda assim, deverá ser preservado o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, isto é, a delicada relação de encargos e benefícios a que se sujeita o particular no momento em que oferece sua proposta e contrata com o Poder Público.

Considerações finais 

Inicialmente, cumpre ressaltar que a lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, com as alterações introduzidas pela Medida Provisória nº 926/2020 inaugura uma situação de legalidade extraordinária, que deverá ser aplicada somente nos casos a que se propõe, isto é, contratações com a Administração Púbicas destinadas ao enfrentamento da pandemia da covid-19.

Contratações ordinárias que não se enquadrem nessa lei deverão seguir as normas gerais de licitações e contratos contidas na lei 8.666, de 21 de junho de 1993, bem como demais legislações pertinentes à matéria, sob pena de incidirem, tanto o gestor público, quanto o particular beneficiado, nas penas e responsabilidades previstas em lei.

Ainda, não obstante o advento da lei 13.979/2020 tenha como objetivo flexibilizar e facilitar a contratação de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da situação emergencial propiciada pelo coronavírus, isto não implica dizer que o legislador outorgou "carta branca" ao gestor público, autorizando-o a contratar como e com quem bem entender, sob uma justificativa genérica de necessidade de combate à crise.

Conforme bem coloca o professor Marçal Justen Filho1, os procedimentos de contratação com o Poder Público realizados à luz das alterações trazidas pela lei 13.979/2020 devem ser antecedidos e acompanhados de providências destinadas a evidenciar a sua compatibilidade com os princípios norteadores da atividade administrativa, isto é, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

Não obstante, em situações como a que se tem atualmente, inevitavelmente o trabalho do gestor público será dificultado por questões de ordem prática: o fechamento de estabelecimentos, a escassez de recursos, a redução de pessoal, diminuição no abastecimento, dentre outros imprevistos que podem surgir no dia a dia da atividade administrativa.

Nesses casos, e isso não há que se questionar, as circunstâncias do caso concreto influenciam o processo de tomada de decisões acerca de soluções a serem implementadas. Estas, por sua vez deverão ser levadas em consideração em eventual procedimento fiscalizatório futuro, uma vez superado o período de crise.

É o que determina o artigo 22, caput e parágrafo primeiro, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), segundo o qual, em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa "serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo", bem como "as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente".

Diante disso, eis então a necessidade irremediável de que a formalização das contratações emergenciais efetuadas sob a égide da lei 13.979/2020 seja acompanhada de devida fundamentação, contendo a indicação de motivos, circunstâncias, precauções e diligências de que tenha lançado mão, o gestor público, que orientaram a adoção de determinada solução tida como a mais vantajosa possível naquela cenário, sempre com vistas ao melhor atendimento do interesse público.

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1 JUSTEN FILHO, Marçal. Efeitos jurídicos da crise sobre as contratações administrativas [online]. p.4. Acesso em 16/4/2020.

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*Luís Fernando Nadalin Sivers é advogado do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados e atua em Direito Tributário e Direito Administrativo.

 

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