Com a pandemia da covid-19, o setor da saúde é um dos mais afetados no país. Atualmente, são mais de 40 mil infectados no Brasil, sendo que entre eles estão mais de 2 mil mortes. Já faltam leitos para aqueles que precisam de internação e as filas para atendimento emergencial estão enormes.
O novo coronavírus tem como principais sintomas: febre, tosse e dificuldade respiratória. A doença é especialmente preocupante entre idosos e portadores de doenças crônicas, como doenças renais, câncer, cardíacas, asma e diabetes. Por esse motivo, essas pessoas são consideradas integrantes do grupo de risco e, se infectadas, de acordo com os especialistas, estão mais suscetíveis a desencadear complicações graves da doença, podendo até mesmo virem a óbito.
Diante da determinação de isolamento social, a recomendação é que se deve sair de casa apenas em caso de extrema necessidade, ante a facilidade de proliferação do vírus. Essa recomendação atinge principalmente as pessoas que integram o chamado “grupo de risco”, que são mais vulneráveis à covid-19.
Contudo, as pessoas que estão no grupo de risco são exatamente aquelas que, por possuírem doenças crônicas, estão com tratamento médico em curso como, por exemplo, pacientes que estão em regime de internação domiciliar (home care) ou que necessitam de hemodiálise contínua. Nesses casos, considerando a crise que afeta o nosso Sistema de Saúde, como se deve proceder? Este é um dos maiores desafios enfrentados pelo setor da saúde, pois a problemática aqui aventada nos leva a um questionamento importante: prosseguir com o tratamento essencial das pessoas integrantes do grupo de risco ou interromper enquanto durar a atual pandemia, ante o risco de serem expostos ao vírus?
Em primeiro lugar, consigne-se que operadoras de planos de saúde não podem negar o direito do paciente portador de doença crônica ou idoso de dar continuidade ao tratamento médico. É importante deixar claro que o momento de definir a necessidade de uma consulta, exame, cirurgia e tratamento é uma prerrogativa do médico assistente em acordo com o paciente, com análise de cada caso e cada situação de saúde.
Para que o consumidor não fique sem a assistência contratada, a fiscalização por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deverá ser mais atuante nesse momento de crise. Aliás, a própria ANS se manifestou e definiu novas medidas para o setor de planos de saúde, notadamente para possibilitar que as operadoras respondam de maneira mais efetiva às prioridades assistenciais deflagradas pela covid-19, como por exemplo a flexibilizar da utilização de ativos garantidores para permitir a solvência o setor.
Em segundo lugar, em que pese a flexibilização de alguns prazos de atendimento da Resolução 259/2011, as operadoras ainda possuem a responsabilidade de promover o atendimento dos procedimentos de cobertura obrigatória, como é o caso dos tratamentos que não podem ser interrompidos ou adiados por colocarem em risco a vida do paciente, entre eles: atendimentos relacionados ao pré-natal, parto e puerpério; doentes crônicos; tratamentos contínuos para doentes crônicos; revisões pós-operatórias; diagnóstico e terapias em oncologia e psiquiatria.
Por exemplo, um grave problema que os consumidores têm enfrentado neste período de crise diz respeito àqueles que estão em regime de internação domiciliar (home care). Trata-se, geralmente, de pacientes idosos, cujos cuidados são contínuos e realizados em domicílio, e que devem contar com uma estrutura composta por profissionais de medicina, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, e o que mais for necessário ao tratamento. Nessas situações, o cuidado deve ser redobrado uma vez que, se por um lado o tratamento não pode ser interrompido, por outro lado é dever tanto da operadora, quanto da empresa que presta os serviços de home care tomar todas as medidas de higienização e segurança para evitar que os profissionais transmitam o novo coronavírus para o paciente.
Portanto, sabido que em um ambiente hospitalar deve-se ter extrema higienização quando do contato ao paciente, em ambiente domiciliar não deve ser diferente. Por isso, é plenamente possível que o tratamento do paciente idoso internado em sua residência prossiga nesse período de isolamento social, devendo a operadora de plano de saúde resguardar a saúde do enfermo, conforme preconiza a Resolução do Conselho Federal de Medicina 1668/03.
Outra situação que aflige milhares de brasileiros se destina aos doentes crônicos, por exemplo os portadores de insuficiência renal. Atualmente, no Brasil são mais de 130 mil pacientes que fazem hemodiálise e necessitam, diariamente, se deslocar para os centros de diálises para o início ou continuidade do tratamento. Com isso, ficam mais expostos ao vírus, em razão da impossibilidade de cumprir com a determinação do Governo de ficarem em casa.
No entanto, é necessário ponderar que o risco de pacientes renais crônicos contraírem a covid-19 é o mesmo que a população geral. A diferença está no fato de que se o doente crônico contrair, o risco de a doença evoluir é maior. Mas, um paciente renal crônico não pode ficar sem realizar a hemodiálise prescrita pelo seu médico, sob pena de prejudicar o quadro clínico atual, até mesmo vir a óbito.
Em terceiro lugar, verifica-se que os pacientes portadores de doenças cardíacas e câncer estão deixando de buscar atendimento nos hospitais e clínicas. Há dados que apontam para uma queda de 50% nos atendimentos aos doentes cardíacos, e que há uma certa resistência nos portadores de câncer em continuar o tratamento por receio de sair de casa. Contudo, há estágios da doença em que a interrupção do tratamento tem um risco maior de vida do que pegar o coronavírus. Portanto, esses pacientes não devem deixar de buscar atendimentos nos hospitais e clínicas.
Não se pode admitir, nesse sentido, eventual negativa de atendimento a esse paciente sob a alegação do alto risco de infecção por coronavírus. Na verdade, é responsabilidade das operadoras garantir, dentro dos hospitais e clínicas da sua rede credenciada, que o paciente tenha regular acesso a esse tratamento, e que o faça de forma segura e eficaz. Eventual adiamento do tratamento deve ser definido apenas pelo médico assistente, que é responsável pelo atendimento do paciente.
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*Letícia Fernandes Caboatan é advogada do escritório Vilhena Silva Advogados.