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O STF e os novos desdobramentos da discussão acerca dos limites territoriais das sentenças em ações civis públicas

Aguarda-se ansiosamente por uma decisão do STF sobre o tema, para que se tenha uniformização e segurança jurídica sobre um assunto sensível e que há décadas tem ocasionado decisões conflitantes.

29/4/2020

Um dos temas processuais mais explorados e discutidos no âmbito das ações civis públicas reside na existência ou não de limite territorial para a produção dos efeitos da decisão judicial. O assunto voltou à tona por meio de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (“STF”). O STF primeiro reconheceu a repercussão geral da matéria e, em decisão publicada em 22.4.2020, determinou a suspensão de todos os processos sobre esse tema, em nível nacional. 

O assunto não é novo. As discussões remontam à época da lei 7.347/85 (“Lei ACP”) e, especialmente, à edição da MP 1.570/971, que veio a ser sequencialmente reeditada até sua conversão na lei 9.494/97.

Ao tratar das tutelas contra a Fazenda Pública, essa nova lei também estabeleceu uma nova redação para o art. 16 da Lei ACP, para dispor o seguinte: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

A partir de então, iniciou-se uma batalha judicial com inúmeras decisões conflitantes. Ora reconhecia-se que a sentença e.m uma ação coletiva teria seus efeitos limitados ao limite territorial do Tribunal que proferiu a decisão em segunda instância; ora, seguindo posicionamento doutrinário majoritário, falava-se em efeitos nacionais.

Em 16/4/97, o Plenário do STF julgou a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1576, tendo apreciado diversos dispositivos da MP 1570, e reconheceu a falta de relevância jurídica para a concessão de cautelar para suspender a eficácia da Medida Provisória a esse respeito. O mérito daquela ADIn não chegou a ser julgado, em razão da edição da lei 9494/97.

Mais adiante, em 7/6/06, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) julgou os embargos de divergência 293.407/SP, para reconhecer a interpretação literal do art. 16 da Lei ACP e, consequentemente, restringir os efeitos da sentença coletiva ao limite territorial do órgão prolator da decisão.2

Ocorre que em 19/10/11, no julgamento do recurso especial 1.243.887/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a 2ª Seção do STJ sinalizou para um novo enquadramento sobre o assunto, atendendo a anseios de parcela da doutrina.3 Nesse recurso, reconheceu-se a possibilidade de o consumidor instaurar a liquidação e respectivo cumprimento individual de sentença coletiva no local de seu domicílio. Na fundamentação de seu voto, o min. Luis Felipe Salomão sinalizou para a necessidade de uma nova interpretação ao art. 16 da LACP.4

Esse julgamento foi o suficiente para que fossem proferidas novas decisões no STJ, agora reconhecendo os efeitos nacionais da sentença proferida em ação coletiva. A existência de discordantes entre as Turmas de diferentes Seções levou a Corte Especial do STJ a reapreciar a matéria.5

Em 24/10/16, a Corte Especial do STJ modificou o seu entendimento para, por maioria de votos no julgamento dos embargos de divergência 1.134.957/SP, reconhecer os efeitos nacionais da sentença proferida em sede de ação civil pública. Nesse julgamento, prevaleceu o entendimento de que os efeitos nacionais assegurariam a consecução dos objetivos da tutela coletiva, evitando a proliferação de inúmeras demandas, tanto individuais quanto coletivas acerca do mesmo objeto.6

Esse acórdão da Corte Especial do STJ foi objeto de Recursos Extraordinários sob os fundamentos de que haveria violação ao art. 97 da Constituição Federal e ao enunciado 10 da súmula vinculante do STF, à medida que o acórdão recorrido teria afastado a aplicação do art. 16 da Lei ACP sem declarar a sua inconstitucionalidade. Além disso, também haveria divergência com o acórdão do RE 612.043.7

No STF, os recursos extraordinários foram distribuídos ao min. Alexandre de Moraes sob o nº 1.101.937. Inicialmente, em decisão monocrática, o min. Alexandre de Moraes deu provimento aos recursos para, em decisão monocrática, anular o acórdão da Corte Especial do STJ para que fosse realizado um novo julgamento, apreciando-se a constitucionalidade ou não do art. 16 da LACP.8

Essa decisão monocrática foi modificada quando do julgamento de agravo interno. Nessa oportunidade, o min. Alexandre de Moraes, também em sede de decisão monocrática, reformou a decisão anterior e também o acórdão da Corte Especial do STJ para, ao dar provimento aos recursos extraordinários, reconhecer o limite territorial da sentença proferida em ação civil pública.9

Em sendo decisão monocrática, essa nova decisão foi alvo de novo agravo interno, agora pelo autor da ação civil pública. O min. Alexandre de Moraes reconsiderou aquela última decisão e determinou a apreciação pelo Plenário Virtual acerca da repercussão geral da matéria.

Em 14/2/20, foi publicada a decisão que reconheceu a existência de repercussão da “constitucionalidade do art. 16 da lei 7.347/85, segundo o qual a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator” (DJe de 27/2/2020, Tema 1075).

Após manifestações de inúmeros interessados a figurar como amicus curiae, o min. Alexandre de Moraes determinou a suspensão de todos os processos, em todo o território nacional, que discutam os efeitos territoriais da sentença proferida em ação civil pública, em decisão publicada em 22/4/20. Essa decisão foi objeto de pedido de reconsideração, que ainda não apreciado.

Ainda não se tem o número exato de ações que serão suspensas, mas é certo que essa decisão deverá afetar o trâmite de inúmeras ações coletivas em todo território, uma vez que esse assunto é discutido em um grande número de ações. Muitas vezes, essa discussão não é posta logo na fase postulatória (petição inicial e contestação), mas vem à tona quando da prolação da sentença e no âmbito recursal.

Aguarda-se ansiosamente por uma decisão do STF sobre o tema, para que se tenha uniformização e segurança jurídica sobre um assunto sensível e que há décadas tem ocasionado decisões conflitantes.

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1 Quando da edição da Medida Provisória nº 1.570/1997, não havia a restrição ao Poder Executivo dispor sobre matérias processuais em sede medidas provisórias, pois a atual do art. 62, § 1º, I, b, da Constituição Federal, foi dada por meio da Emenda Constitucional nº 32, de 11.9.2001.

2 STJ - EREsp 293.407/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 7.6.2006, DJ 1.8.2006, p. 327.

3 Nesse sentido: (i) Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (In. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 12ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 203); (ii) Ada Pellegrini Grinover (In. GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JUNIOR, Nelson; WATANABE Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, volume II. 10ª ed.  rev. atual. e ref. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 189-190); e (iii) Rodolfo de Camargo Mancuso (In. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores - Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 12ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 343). Em sentido contrário: WALD, Arnoldo; ARMELIN, Donaldo. Os limites territoriais da sentença prolatada em ação civil pública: prevalência da regra inscrita no art. 16 da Lei 7.347/85, com a alteração introduzida pela Lei 9.494/97. In. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 33. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 315.

4 STJ - REsp 1.243.887/PR, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Corte Especial, julgado em 19.10.2011, DJe 12.12.2011.

5 Vide: (i) STJ - REsp1.243.386/RS, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 12.6.2012, DJe 26.6.2012; (ii) STJ - AgRg no REsp 1.545.352/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, julgado em 15.12.2015, DJe 5.2.2016.

6 STJ - EREsp 1.134.957/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Corte Especial, julgado em 24.10.2016, DJe 30.11.2016.

7 STF – RE 612.043, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 10.5.2017, DJe 5.10.2017.

8 Decisão publicada em 6.9.2018.

9 Decisão publicada em 4.12.2018.

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*Vicente Coelho Araújo é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Gianvito Ardito é advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

 

 

 

 

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.  

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