Vírus que começou na Cidade de Wuhan, na China e se espalhou pelo mundo de forma repentina, a COVID-19, também conhecido como “Coronavírus”, vem provocando impactos não só na área de saúde, mas também na economia, tanto brasileira quanto global. Um dos setores mais afetados no Brasil é o imobiliário, sobretudo, diante da redução do faturamento de muitos comércios e indústrias que estão proibidos de funcionar e, consequentemente, redução da renda das famílias brasileiras.
Nos contratos de locação, por exemplo, já se observa a conduta dos locatários em pleitear reduções ou suspensões do pagamento de aluguéis e encargos locatícios, principalmente, nos casos de locação de lojas comerciais em Shoppings Centers. Em São Paulo, por exemplo, no dia 14 de abril, o juízo da 6ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo decidiu, a título de tutela antecipada, em caráter antecedente, para o fim de determinar a suspensão da exigibilidade de 40% (quarenta por cento) dos aluguéis com vencimento para os meses de abril, maio e junho de 20201.
Ainda sobre este tema, a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) recomendou a suspensão temporária da cobrança dos aluguéis, mas não necessariamente a sua isenção pelos locadores. Esclareceu, ainda, que estão negociando a redução da taxa de condomínio em pelo menos 30% (trinta por cento), lembrando, no entanto, que não é possível suspender sua cobrança integral diante da existência de custos fixos que devem ser arcadas pelos locatários, conforme previsão contratual, tais como energia elétrica, segurança, manutenção do imóvel e IPTU.
Já nos compromissos de venda e compra celebrados com as Incorporadoras, o que se nota, neste primeiro momento, é a grande preocupação com o atraso na entrega das obras, por parte das Incorporadoras e, ainda, com o inadimplemento contratual por parte dos compromissários compradores, o que pode ensejar um aumento expressivo no número de distratos nos próximos meses.
Diante dessas incertezas e na tentativa de estabelecer um tratamento diferenciado e temporário a estas e tantas outras questões decorrentes de contratos celebrados no âmbito do Direito Privado, o Senado Federal apresentou Projeto de Lei nº 1.179/20, visando estabelecer um Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET). Referido Projeto de Lei foi aprovado no Senado Federal em 03 de abril de 2020 e encaminhado à Câmara dos Deputados para votação. Após aprovação pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei ainda está sujeito ao veto ou sanção presidencial.
Muito embora o PL 1.179/20 não tenha alterado qualquer legislação vigente em razão de seu caráter transitório, este projeto de lei tem causado divergências, especialmente por conta da amplitude dos temas discutidos e das implicações impostas pelos legisladores às partes em relações jurídicas que costumam ser muito duradouras (como é o caso, por exemplo de locações e compra de imóveis em construção).
Especificamente para as locações de imóveis urbanos, como forma de auxiliar os locatários com os prejuízos causados pela COVID-19 e diminuindo as chances de perda do seu ponto comercial, o art. 9º do PL 1.179/20 determina que não serão concedidas liminares para desocupação de imóvel, até o dia 30 de outubro de 2020, nas ações de despejo fundadas nas hipóteses adiante elencadas: (i) por descumprimento do acordo assinado por escrito e fechado entre o proprietário e o locatário; (ii) por demissão ou extinção do contrato de trabalho quando o aluguel do imóvel é vinculado ao emprego; (iii) quando o sublocatário (aquele que aluga do locatário e não diretamente do proprietário) permanecer no imóvel após a extinção do contrato; (iv) se a partir da saída de algum fiador do negócio, o locatário não apresentar nova garantia dentro de 30 dias; (v) pelo término do prazo de aluguel estabelecido no contrato de imóveis não residenciais; (vi) pelo não pagamento do aluguel, cujo contrato não possua nenhuma das seguintes garantias: caução, fiança, seguro de fiança e uso de fundos de investimento como garantia do pagamento2.
Assim, segundo o PL 1.179/20, a suspensão temporária dos pedidos de despejo não se aplicará nas demais situações permitidas na Lei 8.245/91, a saber, locação para temporada para prática de lazer; retomada do imóvel após fim do contrato para uso do proprietário, de seu companheiro ou dependente; e realização de obras aprovadas pelo Poder Público.
Se o PL 1.179/20 for sancionado pelo Presidente, é importante lembrar ainda que o seu art. 9º somente poderá ser utilizado em ações de despejo que tenham sido ajuizadas após 20 de março de 2020, que é o termo inicial dos eventos derivados do COVID-19, conforme previsto no Parágrafo Único do artigo 1º do PL 1.179/20.
O PL 1.179/20 possui também dispositivos que tratam das revisões e resoluções de contratos em geral, impactando diretamente nos compromissos de venda e compra celebrados entre as Incorporadoras e os compromissários compradores.
Sobre este tema, o artigo 6º do PL 1.179/20 estabelece que:
“As consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (COVID-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.”
Deste modo, acredita-se que os compromissos de venda e compra de unidades autônomas que já estavam sendo discutidos anteriormente, não serão analisados pelos nossos Tribunais sob a ótica do Projeto de Lei nº 1.179/20.
A contrario sensu, se este artigo for sancionado, o que se espera do Poder Judiciário é que, nos casos de atrasos na entrega das obras de seus Empreendimentos Imobiliários que tenham sido gerados em razão da pandemia do COVID-19, haja um entendimento favorável às Incorporadoras nos Tribunais.
Assim, além do prazo de 180 (cento e oitenta) dias de atraso na entrega das obras, previsto no art. 43-A da Lei nº 4.591/643, a Incorporadora que demonstrar que estava regular com o andamento das obras até 20 de março de 2020, poderá se valer dos dias em que sua obra ficou paralisada por eventos decorrentes da pandemia COVID19, para aumentar o prazo de entrega do seu Empreendimento Imobiliário, sem que isto lhe acarrete prejuízos. Em outras palavras, se este dispositivo legal for sancionado, é plausível crer que o Poder Judiciário entenda que os compromissários compradores não poderão exigir o pagamento de eventuais penalidades, ou mesmo a rescisão contratual, fundamentando-se no atraso da entrega das obras que for decorrente da pandemia do COVID-19.
Ainda nessa seara, o artigo 7º do PL 1.179/20 prevê expressamente que as alegações de aumento da inflação, variação cambial e desvalorização ou substituição do padrão monetário não poderão fundamentar pedidos de resolução ou revisão contratual por onerosidade excessiva. Observa-se, no entanto, que o projeto de lei previu expressamente que tal dispositivo não será aplicável para as relações consumeristas, nos termos do §1º do seu artigo 7º.
Diante dessas possíveis mudanças temporárias em nossa legislação, caso o projeto de lei seja sancionado pelo Presidente, acreditamos que os embates judiciais decorrentes da pandemia COVID-19 perdurarão nos Tribunais brasileiros por alguns anos. De qualquer maneira, para garantir que haja menor prejuízo entre as partes e que ambas possam ter suas obrigações satisfeitas, ainda que parcialmente, frisa-se a importância da renegociação amigável e da resolução contratual entre as partes. Em tempos de pandemia, todos estão sendo afetados perante a economia e a renegociação dos contratos pelas partes é o melhor cenário para que haja a diminuição dos danos que ainda estão por vir.
1 Processo nº 1030749-76.2020.8.26.0100 em trâmite na 6ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – Decisão Interlocutória assinada digitalmente em 14.04.2020.
2 Referidas disposições estão previstas no art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245/91.
3 “Art. 43-A. “A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador”.
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*Vanessa Lira Dantas é raduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito dos Contratos pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais – Centro de Extensão Universitária (IICS-CEU). Pós-graduada em Direito Imobiliário pela Universidade SECOVI-SP. Advogada do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.
*Julia Cavrell Garcez é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Fundação Getúlio Vargas.Advogada do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.