Migalhas de Peso

Responsabilidade criminal empresarial

Programa institucional de prevenção e de mitigação dos riscos de responsabilização criminal dos representantes legais, administradores, membros do conselho de administração e funcionários de empresas. Proteção da sociedade, do Estado e da própria empresa. Compliance Criminal.

27/4/2020

1. Realidade fática e consequências jurídicas

No exercício das atividades empresariais, as instituições legalmente organizadas, seus administradores e funcionários, diuturnamente, deparam-se com bens jurídicos penalmente tutelados (vida, saúde pública, meio ambiente, sistema econômico, etc.) e, por vezes, mesmo sem querer, provocam lesões a esses bens em decorrência de acidentes do trabalho, anotações irregulares nas Carteiras do Trabalho e Previdência Social, infrações ambientais, violações às leis de proteção às normas tributárias e previdenciárias, de proteção ao sistema financeiro, sendo imponderáveis as situações em que tais acontecimentos, ao serem submetidos à avaliação do juízo criminal, poderão ser considerados como passíveis de um possível enquadramento nas mais diversas figuras do universo penal.

2. Determinação da autoria

Esse resultado produzido no mundo exterior poderá colocar o responsável direto pelo evento, caso ele seja identificado, ou o administrador indicado pelo Contrato Social ou pelo Estatuto Constitutivo na situação de réu perante a Justiça Criminal, posto que, nas situações em que o representante do órgão acusatório não encontra claramente definida a responsabilidade pela eclosão do fato quando recebe a notícia do crime, ele poderá ir diretamente ao estatuto da empresa para pinçar a identidade daquele que detém o maior poder administrativo a fim de indicá-lo como responsável pelo ato danoso.

3. Das obrigações decorrentes dos estatutos e do exercício dos poderes de gerência

É inegável que o diretor presidente de uma Companhia ou que os sócios-gerentes de uma empresa não detêm, prévia e ordinariamente, o conhecimento de todas as situações que ocorrem nas suas diversas plantas e divisões e, mesmo sabendo-se que, na maioria das vezes, não participaram das decisões técnicas e administrativas tomadas e executadas pela administração inferior e pelos funcionários subalternos, usualmente, são esses gestores colocados no polo passivo das imputações criminais, por figurarem como os principais dirigentes nos contratos sociais, estatutos e atas.

4. Da generalização dos suspeitos. Da simplificação dos procedimentos. Da responsabilidade personalíssima. Culpa decorrente da omissão em razão do dever de zelo

Como a lei brasileira não prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica, a não ser no caso de crimes ambientais, essa responsabilidade será imputada ao responsável pela conduta que provocou a lesão jurídica, ou à pessoa ou pessoas físicas que forem consideradas responsáveis pelas decisões tomadas pela empresa ou que forem tidas como responsáveis pela omissão que provocou o resultado considerado delituoso, desde que provada a sua culpa ou que a autoridade pública entenda que essa culpa decorre do dever de vigilância e de zelo que lhes é exigido em razão do cargo que ocupam.

5. Alcance do entendimento a respeito dos atos de gerência e das omissões relevantes

É importante frisar que, em julgamento recente, o STJ (REsp 265.075/SP) autorizou o prosseguimento do julgamento contra um membro do Conselho de Administração de uma empresa, por entender que a prolação de um voto favorável a uma operação financeira temerária configurava um ato de gerência. E mais, o mesmo tribunal autorizou o recebimento de uma denúncia criminal contra 11 (onze) membros do Conselho de Administração de outras empresas (HC 92.822/SP), por decidir que era relevante a conduta omissiva por eles adotada. Esse entendimento foi tomado a partir da avaliação do conteúdo da acusação e, também, em razão das determinações dos estatutos que impõem aos conselheiros o dever de supervisão da gestão, a possibilidade e o dever de aprovar as operações da companhia e o poder de nomear e destituir os diretores responsáveis.

6. Possibilidade de valoração de uma conduta considerada “omissa”. Imprevisibilidade Contínuo risco do aparecimento de novos riscos. Mecanismos de proteção

A preocupação com esse tema decorre da constatação de que a omissão é uma conduta que pode ser valorada e que, considerando-se as situações de imprevisibilidade e do contínuo risco de que apareçam novos riscos, surge a obrigação de que o indivíduo precise agir para diminuir as chances de que venha ocorrer um resultado danoso, criando mecanismos de proteção que sejam resultados de uma arquitetura jurídica.

7. Teoria do domínio do fato. Teoria da cegueira deliberada. Do dever saber. Da prevalência da política da empresa em detrimento da segurança

Algumas vezes, a acusação serve-se da “teoria do domínio do fato”, segundo a qual é autor a pessoa que, mesmo não tendo praticado diretamente o ato (o “homem de trás”), controla o subordinado (executor), que executa a ordem emanada do seu superior (autoria mediata). Outras vezes, quando não consegue provar que a ordem foi emitida pelo superior hierárquico, contenta-se com a tese de que, em razão do cargo, ele “deveria saber” dos fatos. Eventualmente, ainda, socorre-se da alegação de que o agente se colocou em situação de ignorância e criou obstáculos, de forma consciente e voluntária, para provocar o seu desconhecimento acerca do ilícito, de modo que sua ignorância proposital passe a ser considerada como dolo eventual ou culpa consciente pela acusação. Finalmente, em determinadas situações, atribuem a causa do evento a uma rotina adotada em razão de uma política da empresa que prioriza o lucro em detrimento da segurança.

Para ler o artigo na íntegra clique aqui.

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*Eduardo Adolfo Viesi Velocci, bacharel em direito pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em direito penal (1974), ex-delegado de polícia, promotor de justiça aposentado, advogado.

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