A pandemia impôs Gestalt na existência material da população, e, paralelamente, uma reavaliação de posição do establishment econômico e cultural.
A fotografia da ruptura vivenciada pelos indivíduos, pais, filhos, empregados, empregadores, sonhadores e pensadores, não encontra eco na movimentação dos exoesqueletos corporativos dos mercados, que reavaliam, precificam e calculam.
As duas equações não se somam, mas coexistem em suspensão para voltar a interagir quando o elemento de tanta incerteza não fizer mais parte da lógica de vida dos indivíduos e da máquina financeiro-corporativa.
Muito se fala no pós-vírus e nos ganhos que se poderão contar à míngua entre tantas perdas, tais como uma maior consciência e solidariedade resultantes da provação global.
Mas a experiência pessoal não é e nunca foi linear à experiência corporativo-financeira.
Se, de um lado, é verdade que é preciso preservar empregos, de outro fica a sensação de que o que impedia a maior empregabilidade talvez seja exacerbado, na forma de maior mecanização e informatização dos meios de produção e da economia em geral.
A informática como ferramenta de distanciamento pessoal é a solução mais adequada à crise de contágio, mas contagia o emprego em igual medida, já que a taxa de emprego de alto preparo é mínima quando comparada aos que necessitam de emprego no mundo.
O regramento jurídico, que é produto da convulsão e movimento social, está com o fôlego preso diante deste momento de aflição, mas será capaz, como sempre, de refletir a nova moral social do pós-vírus, que, à luz do pensamento de Rudolf von Jhering, não deveria ser apenas o fruto de acomodação de normas, mas de verdadeira acomodação por atrito de novas expectativas, inclusive aquelas advindas do claro tensionamento secular entre a liberdade pessoal e o sistema normativo que rege uma sociedade um mercado cada vez mais distante dos meios de produção e do produto, que fez da finança seu próprio, único e verdadeiro produto.
Assim, talvez seja o tempo de, sempre no capitalismo e na democracia, sob novos contornos, buscar a volta da maior relação entre capital e produto, livre de tantos humores de mercado, o que possibilitaria o melhor dimensionamento do valor real dos contratos pelos pactuantes, descendo às mais simples relações jurídicas.
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*Eduardo Dietrich e Trigueiros é sócio do escritório Dietrich & Trigueiros Advocacia e Consultoria.