O mundo está em pânico. Com voos diários ligando vários países do mundo, reflexo da globalização, a pandemia de coronavírus (covid-19) se alastrou pelo globo terrestre de forma rápida e certeira. O covid-19 é uma doença considerada assintomática pelos especialistas, com características de um simples resfriado. Sua mortalidade é percentualmente pequena, porém como a taxa disseminação é alta, o número total de mortes tende a ser elevado. O grupo de risco é formado por idosos, doentes crônicos e pessoas com baixa imunidade. Atingindo o estágio de contaminação comunitária, não é mais possível sequer identificar a origem da contaminação, o que acaba por dificultar o seu combate, gerando um pico de disseminação.
Diante do quadro, as autoridades públicas estão, de todas as formas, buscando medidas para o enfrentamento desta emergência de saúde pública de importância internacional. Até porque, se todas as pessoas infectadas precisarem ocupar leitos das unidades de saúde, onde há um número restrito para atendimento, o sistema entrará em colapso e pessoas vão morrer sem o tratamento adequado. Por esta razão, medidas extremas de contingenciamento social estão sendo tomadas, no intuito de evitar, ao máximo, a disseminação do covid-19.
O Ministério da Saúde editou a portaria 1881, de 03 de fevereiro de 2020, que Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (2019-nCov). Sobreveio, ainda, a lei federal 13.9792, de 06 de fevereiro de 2020 que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Após, a referida lei foi regulamentada pela portaria 3563, de 11 de março de 2020.
Mais adiante, os Governos Estaduais passaram a tratar do assunto. Em Santa Catarina forma editados os decretos 507, de 16 de março de 2020 e 515 de 17 de março de 2020, que declara situação de emergência e dispõe sobre medidas de prevenção e combate ao contágio pelo coronavírus. Dentre as medias, houve a suspensão das atividades nas escolas públicas e privadas por 30 (trinta) dias, bem como, fechamento de igrejas, shopping centers, restaurantes, lanchonetes, empresas e comércio em geral. Permaneceu em funcionamento, basicamente, supermercados, farmácias e postos de combustível.
Na sequência, os Poderes Executivos municipais passaram a declarar situação de emergência, também restringindo o funcionamento de atividades não essenciais, inclusive, em alguns casos, com barreiras sanitária em seus acessos e “toque de recolher” em praias e pontos turísticos.
E a pergunta que não quer calar é: De alguma forma a pandemia poderá afetar às eleições municipais previstas para 4 de outubro deste ano?
A resposta é mais imprecisa que a pergunta: Depende de diversos fatores!
Primeiramente, precisamos esclarecer que embora a Justiça Eleitoral exerça o papel institucional da realização do pleito eleitoral, não é ela, per si, quem define as regras eleitorais. Não poderia a Justiça Eleitoral simplesmente modificar o calendário eleitoral, pois a data da eleição e demais prazos a ela relacionados estão previstos em lei e na Constituição.
O Código Eleitoral4 prevê em seu art. 2º que "todo poder emana do povo e será exercido em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais". Da mesma forma, o art. 14 da Constituição Federal5 dispõe que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos".
A Carta Constitucional também dispõe:
Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente. (grifamos)
[...]
Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77. (grifamos)
[...]
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;
II - eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores;
III - posse do Prefeito e do Vice-Prefeito no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição; (grifamos)
Na mesma toada, a Lei Geral das Eleições6 determina em seu art. 1º que “as eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Vereador dar-se-ão, em todo o País, no primeiro domingo de outubro do ano respectivo”. (grifo nosso)
Diante da regra constitucional e legal definindo a data das eleições para o primeiro domingo de outubro, é que o Tribunal Superior Eleitoral editou a resolução 23.606/197, dispondo sobre o Calendário Eleitoral para as Eleições Municipais de 2020, o qual fixa em 4 de outubro de 2020 a data do pleito.
Assim, para que o TSE possa modificar o calendário eleitoral, mesmo diante da pandemia do coronavírus, somente mediante prévia aprovação de emenda constitucional e projeto de lei modificativa à lei 9.504/97, que altere a data do pleito.
Nesse sentido, aliás, foi a recentíssima decisão do Pleno do TSE8 emitida em 19.03.20, ao responder questionamento enviado à Presidência da Corte via ofício pelo deputado federal Glaustin Fokus (PSC-GO). No documento, o deputado solicitava que a Corte Superior analisasse a possibilidade de prorrogação do prazo de filiação partidária, que se dará este ano em 4 de abril, tendo em vista o quadro de pandemia relacionado ao Covid-19, e também considerando as restrições de atendimento adotadas por diversos órgãos em virtude da situação excepcional em que o país se encontra.
No entanto, o prazo foi mantido em 4 de abril. A presidente do TSE, ministra Rosa Weber, afirmou que o prazo de seis meses antes das eleições é previsto na Lei das Eleições (lei 9.504/97 – artigo 9, caput) e que tal prazo “é insuscetível de ser afastado pelo Colegiado”, uma vez que necessitaria de alteração da norma legal.
A bem da verdade, além da viabilidade de adiamento da data do pleito, fixando-se extraordinariamente uma nova data por emenda constitucional, outra possibilidade seria dilatar a duração dos atuais mandatos em curso por mais um ou dois anos, fazendo com que a eleição permanecesse no primeiro domingo de outubro, porém em 2021 ou 2022. Ressurgirá, sem sombra de dúvidas, o debate acerca da possibilidade de unificação das eleições, o que não é bem visto entre a comunidade acadêmica.
A ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, aliás, fez acurada análise sobre o tema já nos idos de 2015. Em estudo intitulado “UNIFICAÇÃO DAS ELEIÇÕES: QUEM MAIS PERDE É O ELEITOR”9, elaborado com proficiência por Joelson Dias10, Marilda Silveira11 e Daniel Falcão12, concluiu-se que “a unificação das eleições, embora pareça resolver uma miríade de problemas com uma única alteração, é motivadora de uma série ainda maior de desvantagens não somente à administração pública, aos mandatários, partidos políticos, candidatos e à sociedade brasileira, mas, principalmente, aos próprios eleitores”, elencando-se, para tanto, as seguintes razões:
1. A unificação das eleições comprometerá o direito de participação política e escolha dos eleitores e enfraquecerá as instituições democráticas.
2. As eleições unificadas comprometerão a administração do pleito pela Justiça Eleitoral e a sua atuação jurisdicional.
3. As eleições unificadas dificultarão e encarecerão a veiculação da propaganda eleitoral.
4. As eleições unificadas não simplificarão o sistema eleitoral, nem facilitarão a sua compreensão pelo eleitor.
5. As eleições unificadas resultarão em menosprezo, pela sociedade, da importância do sistema político e das práticas democráticas.
6. As eleições unificadas não condicionam nem o fim da reeleição, nem o aventado aumento para 5 (cinco) anos do período de mandato, nem a necessária garantia da governabilidade.
7. As eleições unificadas ao invés de baratear poderão é encarecer as campanhas eleitorais.
Nada obstante a discussão jurídica, política e acadêmica acerca do tema “unificação ou adiamento das eleições 2020”, fato é que se a projeção de Luiz Henrique Mandetta13, Ministro da Saúde, de que a situação do país comece a se normalizar em agosto ou setembro deste ano, a manutenção do calendário normal das eleições14 poderia ser um atentado à democracia, com índice de abstinência altíssimo, sem contar o prejuízo aos eventos e reuniões partidárias que, por ora, estão proibidos por força de normas emergenciais de confinamento social.
De qualquer sorte, o adiamento das eleições municipais deste ano é algo possível e provável. Tanto que diversas consultas sobre o tema aportaram ao Tribunal Superior Eleitoral nos últimos dias, como exemplo, a formulada pelo deputado federal João Henrique Holanda Caldas (PSB-AL)15. O Tribunal Superior Eleitoral, por ora, mantém hígido o calendário, até porque, como já dito, a alteração da data das eleições dependerá do Congresso e não da Justiça Eleitoral.
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1 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 188, de 3 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV). Disponível em Clique aqui.
2 Brasil. Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em Clique aqui.
3 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 356, de 11 de março de 2020. Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). Disponível em Clique aqui.
4 Brasil. Lei 4.737, de 15 de julho de 1965. Disponível em: Clique aqui.
5 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em Clique aqui.
6 Brasil. Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em Clique aqui.
7 Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 23.606/19. Disponível em: Clique aqui.
8 Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: Clique aqui.
9 Teses sobre a reforma política: memória da participação da ABRADEP nas reformas de 2015/organização de Rodolfo Viana Pereira, Gabriela Rollemberg de Alencar - Brasília: ABRADEP, 2016.
10 Advogado e sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF), ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. É sócio fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
11 Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003), mestrado em Direito Administrativo de Federal de Minas Gerais (2008) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2014). Coordenadora em cursos de pós-graduação e capacitação online. Desenvolve conteúdo, tutoria e atividades docentes em educação a distância desde 2009. Atualmente é Coordenadora do NEAD, na EDB/IDP, Coordenadora do curso de Pós-graduação em Direito Eleitoral da SLM em parceria com a EDB/IDP. Secretária Instituto de Direito Administrativo do DF, Professora de Direito Administrativo e Eleitoral da EDB/IDP, membro do IBRADE e membro fundador da ABRADEP, Vice-presidente do Instituto Brasiliense de Direito Eleitoral e sócia da Silveira e Unes Advogados Associados.
12 Doutor, Mestre e Graduado pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela ECA-USP. Graduado em Ciências Sociais pela FFLCH-USP. Professor dos cursos de Graduação e Pós-graduação da Escola de Direito de Brasília do IDP. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Eleitoral da EDB/IDP.
13 Resumo da entrevista disponível em: Clique aqui.
14 Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 23.606/19. Disponível em: Clique aqui.
15 Disponível em: Clique aqui.
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