Migalhas de Peso

No passado, a contração do mercado de crédito, no presente, a explosão. Como a lei 13.172/15 pode auxiliar parte da população antes, durante e depois da pandemia, sem causar o superendividamento?

Como a dívida não se torna uma ‘bola de neve’ se estamos acostumados a ver, nos exemplos decorrentes de faturas de cartão de crédito que não são pagas na integralidade, ela se tornar impagável?

21/4/2020

Estamos em um momento econômico difícil, mas o mercado de crédito apresenta alternativas factíveis para evitar o superendividamento de parte da população – ressaltando o fato do Banco Central ter anunciado uma série de medidas destinadas à proteger a estabilidade do sistema financeiro brasileiro durante a covid-19 - e isso desde instantes anteriores de nossa história. Uma delas é o cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

O ano era 2015 e os ministros da Economia e do Planejamento, juntamente com o Secretário Executivo da Previdência Social, apresentaram Exposição de Motivos para embasar projeto de MP (681/15), no sentido de alterar/ampliar a margem total de comprometimento de renda, para fins de acrescentar 5% exclusivamente para a realização de despesas (compras e saques) efetuadas com cartão de crédito consignado - margem essa que, até então, era de 30% aplicável para os empréstimos consignados - criando-se, então, um novo produto.

Tal produto – destinado à empregados regidos pela CLT, aposentados, pensionistas do INSS e servidores públicos – adveio da lei 13.172/15 - cumprindo, portanto, o princípio da legalidade (artigo 5, II da CF/88) – e teve como foco o aquecimento da economia, haja vista a contração do mercado de crédito à época.

Os seus criadores vislumbraram que dentre as opções existentes no mercado, o crédito consignado apresentava algumas das menores taxas de juros, haja vista a baixa probabilidade de inadimplência, razão pela qual a citada criação de 5% para uso exclusivo nos cartões de crédito consignados (compras e saques), resolveria a contração existente, sendo que de um lado sem risco para as instituições financeiras e, do outro, sem onerar os consumidores. Esperava-se, ainda, que o produto fosse usado como opção para a substituição de dívidas de custo mais elevado.

O raciocínio foi e é muito simples.

Antes havia apenas o empréstimo, ou seja, o interessado comparecia ao banco escolhido, indicava quanto precisava e recebia a quantia, devendo pagá-la na quantidade de parcelas pré-estipulada. Os juros, contudo, eram e são os comuns do mercado, ante a possibilidade real de inadimplência, haja vista a ausência de garantia - típica nesse tipo de negócio - para a quitação das parcelas.  

Após surgiu o empréstimo consignado, onde o procedimento é o mesmo acima indicado, só que a forma de pagamento difere, eis que ele estará atrelado aos contracheques dos consumidores, com dedução na folha (reduzindo, portanto, os juros), ou seja, à cada vencimento de parcela, a quantia referente é abatida diretamente pela fonte pagadora, mês à mês, até a quitação.

Em paralelo, o cartão de crédito – um dos produtos mais utilizados no mundo e sendo de conhecimento geral o seu modo de funcionamento – sempre operou com compras e saques, em sistema rotativo, mas, pela ausência de garantia do pagamento das faturas, as taxas de juros acabam por ser também as comuns de mercado, seguindo a mesma trilha do empréstimo.

Eis que o cartão de crédito consignado veio para emprestar a mesma garantia do empréstimo consignado, reduzindo, drasticamente, as taxas de juros (ante a reduzida possibilidade de inadimplência) e possibilitando que boa parte da sociedade que não tinha acesso ao crédito passasse à tê-lo (usualmente não se observa cadastros negativos, o prazo para pagamento das faturas é maior, não há cobrança de anuidade etc).

O funcionamento, embasado na lei e normativos, é prático. Após aprovação, é feito o cálculo do limite de crédito para compra e saque. Nesse momento e sem estar, ainda, de posse do cartão de plástico, o consumidor pode - sem a burocracia que nos perseguiu nas últimas décadas – solicitar, inclusive por telefone, um saque da quantia que deseja até o limite pré-estabelecido. No mais, pode usar o cartão normalmente, como um cartão de crédito comum. Ou seja, usou, deve pagar integralmente na fatura posterior.

A única diferença é que quando o consumidor recebe sua fatura com o boleto para pagamento, parte do valor já foi liquidado através do desconto consignado autorizado em seus vencimentos (até 5% destes). Assim, do total da fatura naquele período, o chamado valor mínimo já foi recebido pela instituição financeira mediante desconto consignado (RMC) e a diferença deve ser paga através do boleto, como qualquer cartão de crédito comum.

Até então e numa análise rápida, o produto não traria significativas diferenças em favor do consumidor, mas, realizando uma imersão no tema, observa-se que ele possui, no mínimo, três peculiaridades inovadoras, amplamente benéficas para os que o utilizam.

A primeira (que embasa tudo o que já foi dito acima) é que o artigo 1º, § 1º, I, da lei 10.820/03 (que sofreu alteração pela edição da lei 13.172/15) permite a utilização dos até 5% de desconto em folha de pagamento para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado (podendo, contudo, Estados, Municípios e demais órgãos regulamentar percentuais distintos), ou seja, há uma garantia quase que efetiva de recebimento para a instituição financeira.

A segunda é que o artigo 1º, § 1º, II, da mencionada lei 10.820/03 estabeleceu a possibilidade legal que os criadores do produto almejaram: que o produto fosse usado como opção para substituir dívidas mais elevadas.

Em suma, permitiu-se que os até 5% de desconto em folha fossem utilizados com a finalidade de saque pelo cartão de crédito (podendo, contudo e igualmente, Estados, Municípios e demais órgãos regulamentar percentuais distintos), ou seja, o legislador incentivou o saque pelo cartão de crédito consignado (o que quase raramente se fazia, com relação aos cartões de crédito comuns) para fins de realização de despesas corriqueiras dos consumidores, já que os juros desse tipo de produto são bastante reduzidos, possibilitando, então – e até mesmo - quitar outros débitos, de taxas maiores de juros, que eventualmente possuam.

Já a terceira parece ser o grande destaque. É que mesmo que se pague apenas o mínimo da fatura (a parte abatida pela fonte pagadora), a dívida nunca se torna eterna, sendo reduzida mês à mês, o que se configura em uma novidade do mercado.

Uma pergunta há de surgir acerca dessa última peculiaridade exposta: como a dívida não se torna uma ‘bola de neve’ se estamos acostumados a ver, nos exemplos decorrentes de faturas de cartão de crédito que não são pagas na integralidade, ela se tornar impagável?

É que como os juros são bem reduzidos (INSS – 3%. Demais - de acordo com cada convênio) caso o consumidor opte por deixar descontar mensalmente apenas os até 5% de seus vencimentos (sem pagar o restante da fatura), o que acontecerá é que como o valor do desconto do cartão consignado será sempre superior ao da parte que estará sendo paga, mesmo acrescida dos juros (método já previamente projetado quando do limite pré-aprovado), a dívida vai sendo amortizada ao longo do tempo até ser liquidada em cerca de 72 meses (desde que não haja novas utilizações (compras ou saques), posto que a cada compra ou saque realizado, reiniciasse o prazo médio para liquidação somente baseado no desconto via consignação), logo, a dívida nunca cresce, só desce.

Decorre que a parte da população elegível, observando as taxas de juros bem mais baixas que as demais opções do mercado (geralmente os que não mais possuem margem consignável para obter o empréstimo consignado), bem como a redução da burocracia atrelada à garantia de pagamento, passou, com razão, à procurar usar cada vez mais o produto, podendo, então, suprir suas necessidades sem o tão evitado superendividamento, opção essa que parece ser bastante salutar, tanto para combater períodos de contração (alvo da criação), quanto para fomentar os de explosão de crédito, tal qual um período de crise como esse que estamos vivendo, no qual a circulação de riquezas é reduzida e as pessoas necessitam de recursos para as mais variadas situações.

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*Izaias Bezerra Neto é especialista em Direito Empresarial e sócio de Urbano Vitalino Advogados.

 

 

 

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