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Como ficam os contratos escolares com a suspensão das aulas em virtude da pandemia?

Em tempos de pandemia, dar as mãos, pelo menos contratualmente, parece ser o melhor caminho!

20/4/2020

A pandemia pegou a todos de surpresa. Consumidores firmaram contratos imaginando usufruir de serviços e as empresas/fornecedores, por sua vez, providenciaram estruturas e investimentos com base nos contratos firmados.

Nessa seara, tema polêmico e objeto de muitas discussões é aquele inerente aos contratos escolares. Para o consumidor (pais e alunos), parece evidente que, com a suspensão das atividades presenciais nas escolas deve haver reajuste do valor inicialmente contratado.

Se não houve prestação de serviços na forma contratada, parece consectário lógico que haja um desconto proporcional à diminuição da prestação dos serviços. Vale mencionar aqui que, antes da implantação das vídeo-aulas, várias escolas estiveram fechadas — sem que tenha havido qualquer prestação de serviços ao consumidor/contratante.

Os fornecedores, por sua vez, trazem, a princípio, fundadas razões para a manutenção dos valores contratados. O principal argumento é o de que (i) estão sendo realizados investimentos em tecnologias digitais; e que (ii) os custos de infraestrutura são fixos. Alguns fornecedores de serviços educacionais argumentam, ainda, que não houve redução na equipe pedagógica e/ou redução de horas dedicadas às suas atividades.

A despeito de tais razões, parece-nos que a revisão contratual durante o período da pandemia é inevitável.

Parece evidente que, também, os pais e alunos precisaram fazer investimentos em tecnologias digitais: aquisição de computadores e equipamentos para suportar as aulas online, aumento de pacote de internet, etc. Há, ainda, uma contrapartida dos pais que pode ser, talvez, a mais cara: a necessidade de acompanhamento às aulas ministradas remotamente aos seus filhos — serviço esse que antes era prestado exclusivamente pelo fornecedor [escola].

Por outro lado, ainda que não haja redução na equipe pedagógica e/ou redução de carga horária dos profissionais dedicados àquelas atividades, os custos de um curso ofertado a distância são menores do que os custos das aulas ofertadas presencialmente. É inequívoca a redução de despesas, por exemplo, com manutenção predial, limpeza, energia, água e ainda com vários funcionários que podem ter o contrato de trabalho suspenso, como porteiros, faxineiras, etc.

Sem entrar no mérito do conteúdo pedagógico, precisa-se analisar se o serviço ofertado ao consumidor foi diminuído: a quantidade de aulas online ofertadas é a mesma quantidade de aulas que seriam fornecidas presencialmente? E notem: tarefas atribuídas aos alunos não é contraprestação de serviço fornecido.

Destaca-se: não se está aqui a dizer que não deve haver pagamento, mas sim que haja uma revisão para adequá-lo aos serviços prestados — proporcionalmente. É essa a redação dada pelo art. 6º do Código de Defesa do Consumidor:

 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

É preciso lembrar, ainda, que o investimento em tecnologia é uma liberalidade do fornecedor sob o risco de ter seu contrato rescindido — o que seria infinitamente mais prejudicial do que uma revisão contratual — nos termos do art. 607 do Código Civil. Confira-se:

Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.

A rescisão contratual em virtude de impossibilidade de fornecimento de aulas por conta da pandemia, também, não pode acarretar as tradicionais multas contratuais em caso de rescisão, uma vez que não foi o consumidor que deu causa à impossibilidade de prestação dos serviços, nos termos do art. 248 do Código Civil:

Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.

Vale lembrar que o consumidor/aluno não é obrigado a aceitar o fornecimento diferente daquele inicialmente contratado, nos termos do art. 46 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Sugere-se, então, que o fornecedor apresente planilha de cálculo do início do ano, com as despesas diárias previstas e apresente os novos cálculos com os novos custos —  contemplando os acréscimos ocasionados para a adaptação às tele aulas, bem como a redução de despesas e dedução do período em que não houve prestação dos serviços. Nesse caso, a comprovação das despesas pode ser essencial para o sucesso das negociações.

Existem algumas exceções quanto ao exposto acima: as antecipações das férias escolares (medida adotada por muitas empresas do ramo) é uma situação diferente: não houve redução nem modificação do serviço prestado, apenas um remanejamento das aulas. Assim, parece não ser o caso de qualquer abatimento ou repactuação.

Na mesma esteira, estão os contratos de cursos como os de pós-graduação stricto e lato sensu: se o contrato firmado se refere ao curso específico, parece plausível que o aluno possa realizar suas aulas e concluir seu curso quando tudo for normalizado — preservando, assim, os valores contratados. Caso, no entanto, opte por cursar as matérias da forma virtual, entende-se que a repactuação seria plenamente aplicável.

Já para a educação infantil a situação é ainda mais complicada: não é possível prestar os serviços na forma não presencial e essa situação deve, mais ainda, ser levada em consideração pelo fornecedor para evitar uma [cabível] rescisão contratual sem multas.

O fornecedor poderia, como forma de preservar os recebimentos e os contratos, ofertar a reposição integral de aulas presenciais, restabelecendo o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Se o consumidor não concordar com a proposta de revisão contratual e escolher rescindir o contrato, transferindo-se para uma outra escola, essa opção não pode ser considerada como inadimplemento contratual.

Bem a propósito, a orientação do Procon é que seja dada a preferência à reposição das atividades escolares presenciais, velando, sempre, pela qualidade do ensino.

De toda sorte, estão em tramitação diversos projetos de lei com o fim de regular a matéria — que será, inevitavelmente, regulada. Os empresários poderiam, assim, adiantar-se utilizando as negociações e preservando o relacionamento com os clientes.

Em tempos de pandemia, dar as mãos, pelo menos contratualmente, parece ser o melhor caminho!

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*Lenda Tariana Dib Faria Neves é sócia do escritório Amaury Nunes & Advogados Associados.

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