Migalhas de Peso

IAC: um possível aliado do Poder Judiciário na prevenção e no tratamento da judicialização excessiva que se anuncia

Parece-nos que os esforços devem ser empreendidos no sentido de, tão logo possível, submeter as relevantes questões de direito ao julgamento por meio do IAC, para que, num ambiente processual adequado e perante órgão de quórum qualificado.

20/4/2020

Dentre os institutos que geram “precedentes vinculantes” no CPC/15, certamente, o Incidente de Assunção de Competência – IAC é o que, até o presente momento, recebeu menos atenção doutrinária e também jurisprudencial. O número de obras ou até mesmo artigos que se dedicam a explorá-lo é muitíssimo menor do a que produção doutrinária destinada ao estudo de seus congêneres como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR ou dos Recursos Especial e Extraordinário Repetitivos - RRs. Seu menor prestígio também se comprova a partir dos dados do Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios, disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Possivelmente, a principal justificativa para essa preterição seja o fato de que os institutos que integram a espécie dos repetitivos (IRDR e RRs – art. 928 do CPC/15) foram disciplinados pelo CPC/2015 como peças chaves do combate à litigância massificada, que assola o Poder Judiciário. Capazes de gerar solução única e vinculante para milhares de processos idênticos, esses institutos, fatalmente, conquistaram a atenção e o fascínio da comunidade jurídica.

Em outro extremo, ou seja, dissociado da preocupação com a solução de processos massificados, encontra-se o IAC. Destinado à uniformização de relevantes questões de direito, o IAC tem como pressuposto, justamente, a não repetição em múltiplos processos (art. 947, caput do CPC/15). Para a admissibilidade do IAC, sobreleva o requisito qualitativo e não o quantitativo.  

Pois bem. Se, em circunstâncias normais, a sobrecarga do Judiciário já era uma patologia que preocupava nosso ordenamento, o arrombo da pandemia mundial em função da COVID-19, anuncia que estamos às vésperas de um período de agravamento de nossas mazelas.

As profundas mudanças ocasionadas nas relações sociais, econômicas, jurídicas, somadas às incertezas do que está por vir, bem como à inflação legislativa já vivenciada nesse período inicial da crise, descortina uma iminente corrida em massa ao Judiciário.

E uma avalanche de novas ações, desafiando temas inéditos e de impacto social, a desaguar num Judiciário assoberbado, que ordinariamente já convive com doses imoderadas de divergência jurisprudencial, prenuncia sérios prejuízos à segurança jurídica, à isonomia, à efetividade e à própria confiabilidade do sistema.

Esse cenário nos convida a refletir acerca das técnicas processuais que dispomos para a gestão de processos judiciais, impondo-nos extrair o máximo grau de rendimento de nossos institutos, visando a tratar o fenômeno que estamos prestes a enfrentar. 

Mais do que nunca, voltar os olhos e reavaliar o potencial de utilidade do IAC mostra-se necessário.

O papel exercido pelo IAC dentro do sistema de precedentes vinculantes estabelecido pelo CPC/15. 

 

Tanto os Recursos Especiais e Extraordinário Repetitivos (RRs), o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), como o Incidente de Assunção de Competência (IAC), visam à produção de precedente vinculante que expresse a correta interpretação a respeito de uma determinada questão de direito. Porém, os dois primeiros (RRs e IRDR) o fazem para solucionar processos massificados, ou seja, demandas em que se discute a mesma questão de direito. Já o último (IAC), tendo como pressuposto, justamente, a não repetição em múltiplos processos, volta-se à formação de precedente a respeito de relevantes questões de direito.

A razão de ser desse instituto traz consigo a ideia de que, ao “dizer o direito”, o Judiciário sinaliza para a sociedade aquilo que está e aquilo que não está de acordo com o ordenamento. Ou seja: prescreve pautas de condutas para os jurisdicionados. Quando em face de temas significativos para a sociedade, é conveniente que a resposta do Judiciário seja pronunciada em lócus de quórum qualificado, que propicie a ampliação do debate e a reflexão madura a respeito.

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*Daniela Peretti D'Ávila é mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Advogada do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados.

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