Em vigor há pouco menos de seis meses, o decreto federal 10.024/19 instituiu nova disciplina com relação às licitações promovidas por meio de pregão eletrônico, tendo, a partir das alterações formuladas, positivado a inclusão dos serviços comuns de engenharia, antes expressamente excluídos pelo revogado art. 6º do decreto federal 5.450/20051, regulamentado a possibilidade de dispensa eletrônica, e tornado a modalidade como de uso obrigatório pelos órgãos da administração pública federal direta, autarquias, fundações e fundos especiais.
O curto período de vigência ainda não nos permite maiores conclusões sobre os efeitos práticos do novel normativo no âmbito das contratações públicas, contudo, não há como negar que as inovações trazidas eram esperadas e foram bem recebidas pelos profissionais que atuam na área, especialmente pelo fato de que a modalidade é vista como um meio mais célere às compras e serviços necessitados pela administração de um modo geral, conferindo maior eficiência.
E dentre tantas alterações promovidas, este breve estudo busca se debruçar sobre o novo funcionamento da etapa de lances, previsto a partir do art. 30 do decreto federal 10.024/19, e o qual exigirá uma certa adequação por parte dos pregoeiros com relação aos limites de sua atuação e um melhor planejamento estratégico por parte dos proponentes.
No modelo estabelecido pelo revogado decreto federal 5.450/05, após a classificação das propostas pelo pregoeiro, abria-se a fase competitiva, de modo que caberia aos proponentes o lançamento de suas propostas por meio do sistema eletrônico. Nessa sistemática, (i) os demais proponentes seriam imediatamente informados do recebimento de lances, inclusive, com relação ao valor consignado, (ii) poderiam oferecer lances sucessivos, (iii) observando que o licitante somente poderia oferecer lance inferior ao último por ele ofertado, e (iv) os licitantes seriam informados, em tempo real, do valor do menor lance registrado, sendo vedada a identificação do licitante.
O encerramento dessa etapa se daria por decisão do pregoeiro, de modo que o sistema eletrônico encaminharia um aviso de fechamento iminente dos lances, "após o que transcorrerá período de tempo de até trinta minutos, aleatoriamente determinado, findo o qual será automaticamente encerrada a recepção de lances", isto é, o denominado tempo randômico.
Sendo um tempo aleatório de até trinta minutos, desconhecido dos licitantes e do próprio pregoeiro e que, dado o caráter vazio da disposição, poderia ser estipulado em um ou dois minutos2, venceria o proponente que enviasse o menor lance antes do fechamento do tempo randômico. Por óbvio que a disciplina disposta pelo decreto federal 5.450/05 privilegiava à perspicácia de um proponente e não a eficiência, em seu mais amplo significado, da contratação, além de obstar a competividade que é inerente ao objetivo dessa previsão, evidenciando as fragilidades do modelo até então vigente.
Nesse sentido, pretendendo criar um modelo mais atento às finalidades da contratação pública na modalidade do pregão eletrônico, é que o decreto federal 10.024/19 segregou os modos de disputa, estabelecendo, em seu art. 31, os modos aberto e o aberto e fechado, a serem escolhidos de maneira discricionária pela administração pública, in verbis:
Art. 31. Serão adotados para o envio de lances no pregão eletrônico os seguintes modos de disputa:
I - aberto - os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com prorrogações, conforme o critério de julgamento adotado no edital; ou
II - aberto e fechado - os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com lance final e fechado, conforme o critério de julgamento adotado no edital.
Parágrafo único. No modo de disputa aberto, o edital preverá intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta.
No modo de disputa aberto, o tempo para envio dos lances foi fixado em dez minutos e, após isso, a etapa será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houve lance ofertado nos últimos dois minutos do período de duração da sessão pública (art. 32). Por sua vez, a prorrogação automática também terá um prazo fixado de dois minutos e ocorrerá sucessivamente sempre que houver lances enviados nesse período de prorrogação, inclusive quando se tratar de lances intermediários (art. 32, §1º). Caso não existam novos lances na primeira etapa, bem como na respectiva prorrogação, a sessão pública será automaticamente encerrada (art. 32, §2º).
De maneira mais didática, a partir do oitavo minuto da primeira etapa de dez minutos, todos os licitantes sabem que possuem mais dois minutos para cobrir determinado lance. Então, se há o lançamento de um novo preço nesse ínterim, o sistema prorroga a disputa por mais dois minutos e assim sucessivamente.
Tem-se, assim, um período conhecido e suficiente para que os proponentes possam planejar e estimar as estratégias de preço voltadas à contratação. Se omissos, isto é, não lançarem os seus preços, entende-se que não possuem interesse ou quando muito, foram negligentes, sendo que nessa última hipótese, a responsabilidade não mais recairá sobre a sistemática estabelecida pelo normativo de regência. Há, aqui, a efetiva disputa de preços, permitindo que a administração possa buscar a proposta mais vantajosa.
Ainda sobre o modo de disputa aberto, chama a atenção o disposto no art. 32, §3º, pois caso não ocorra a prorrogação automática pelo sistema, o pregoeiro poderá, assessorado pela equipe de apoio, e de maneira justificada, admitir o reinício da etapa de lances, em prol da consecução do melhor preço.
Talvez esse seja um dos pontos mais sensíveis dessa nova sistemática, e para coibir práticas que pretendam burlar eventual negligência de determinado licitante, apenas como exemplo, é essencial que a medida seja acompanhada da devida justificativa pelo pregoeiro, com a indicação dos motivos pelos quais entende-se pelo reinício da etapa e de que forma essa dialoga com os critérios objetivos do art. 7º, parágrafo único do decreto federal 10.024/19.
Necessário pontuar, também, agora ao considerar a posição do pregoeiro na condução do certame, que a disposição do art. 32, §3º, em vista da sistemática trazida e de prévio conhecimento dos proponentes, deve ser adotada em situações excepcionais, sob pena de colocar em risco à higidez intentada pelo novo modelo.
Já no modo de disputa aberto e fechado, a etapa de envio de lances terá um prazo de quinze minutos (art. 33). Encerrado esse prazo, o sistema encaminhará o aviso de fechamento iminente dos lances e, transcorrido o período de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será automaticamente encerrada (art. 33, §1º).
Encerrado esse último prazo, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores àquela, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento do prazo (art. 33, §2º). Na ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições imediatamente anteriores, os autores das melhores propostas subsequentes, na ordem de classificação, também poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o termo desse prazo (art. 33, §3º).
Na ausência de lance final e fechado classificado nos termos dos §2º e §3º, será reiniciada a etapa fechada para que os demais licitantes, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento desse prazo, observado, após essa etapa, a ordem crescente de vantajosidade (art. 33, §4º).
Esse modo de disputa também replicou a previsão do art. 32, §3º, comentado anteriormente e o qual suscita um maior cuidado por parte dos proponentes e do pregoeiro responsável por conduzir o procedimento.
De todo modo, o que se extrai dessas previsões, é que novo modelo proposto pelo decreto federal 5.450/05 rompe, definitivamente, com os óbices relacionados à seleção da proposta mais vantajosa à administração pública contidos no diploma anterior, tornando a disputa muito mais séria, seja do ponto de vista dos proponentes, seja do ponto de vista do pregoeiro e de sua equipe de apoio, personagens que certamente terão que amadurecer a forma de participação e condução dos processos licitatórios.
Há uma inequívoca melhora na performance da administração pública, especialmente com relação à disposição de critérios de disputa que certamente pretendem a vantajosidade das propostas e não os conchavos passíveis de serem criados em um modelo inadequado que vigorava no diploma anterior e que, em nada, atingia as finalidades da lei federal 8.666/93.
É tempo de aguardar os efeitos práticos do decreto federal 10.024/19, na ânsia de que esses colaborem com o fortalecimento de uma Administração Pública voltada à efetividade do objetivo principal de toda e qualquer licitação.
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1 Decreto federal 5.450/2005
Art. 6º A licitação na modalidade de pregão, na forma eletrônica, não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral.
2 Essa inconsistência acabou determinando o controle do Tribunal de Contas da União em um caso específico, no qual o tempo randômico foi estipulado em um tempo inferior a cinco minutos. Nessa oportunidade, o TCU informou ao órgão controlado que "a concessão de tempo reduzido para a fase de lances nos pregões eletrônicos, bem como a execução do comando para encerramento da fase de lances enquanto as reduções de preços dos lances sejam significativas, (...) prejudica a obtenção da proposta mais vantajosa, caracterizando descumprimento do art. 3º da lei 8.666/93". (Acórdão 1.188/2011 – Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, julgado em 11/05/2011).
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*Gabriela Soeltl é advogada associada e integrante da equipe de Direito Administrativo do escritório Giamundo Neto Advogados.