O véu do desconhecido é espesso como as brumas noturnas.
Ninguém, à exceção dos aventureiros, gosto do que é desconhecido.
Nos antigos mapas, as áreas não conhecidas pelos europeus eram marcadas com a frase “Aqui há dragões”.
O desconhecido era assustador como um dragão, a besta cuspidora de fogo.
A pandemia covid-19 é desconhecida em muitos aspectos. Cientistas batem cabeças e, por isso, opiniões diferentes são igualmente válidas e respeitáveis.
Distanciamento social rigoroso ou isolamento vertical? Conduta uniforme para todo o mundo ou diferenciadas para cada região do mundo, segundo suas particularidades.
Penso, em boa-fé, que o distanciamento social e a conduta uniforme são as mais recomendáveis. Por quê? Simples, nada sei sobre pandemias, então abraço a corrente que se guia pelo excesso de prudência.
Isso não quer dizer repúdio aos que defendem outras formas de lidar com o gravíssimo problema, desde que orientadas por cientistas, infectologistas e médicos.
Estamos, todos, aprendendo a lidar com o problema que, acredito, por puro “achismo” será recorrente em nossas vidas daqui em diante.
O que não aceito de forma alguma e confesso certa e justa intolerância é o uso político da situação.
Vejo no Brasil o presidente e os governadores antecipando as disputas eleitorais de 2022 e considero lamentáveis seus comportamentos.
Comprometimento, seriedade, senso de dever, responsabilidade, honra, são deixados de lado e a pandemia se transformou em picadeiro do orgulho, da arrogância, da vaidade, da ignorância, do egoísmo, da insensibilidade.
Lamentável, absolutamente lamentável.
O povo está desorientado e, sim, abandonado.
A vulgaridade passou a ser a medida de todas as coisas e isso é muito ruim.
Em um tempo em que resiliência e solidariedade deveriam imperar, graças aos péssimos políticos, reinam, sombriamente, outros dois sentimentos: indignação e incredulidade.
Para piorar a situação, temos ainda que aturar os “especialistas de redes sociais”, oportunistas de ocasião, que em nome de se sabe lá quais interesses vivem a destilar ódio, intolerância, mentiras e absurdas teorias conspiratórias.
No Brasil, governantes ruins e teóricos conspiratórios de internet são as pontas da língua bipartida da serpente edênica, aquela que rasteja seu ventre pelo chão a espreita dos calcanhares dos incautos para pica-los, inoculando seu veneno.
A pandemia gerou o pandemônio e virou de pernas para o ar um mundo que há muito já claudicava, enfermo.
Por isso, precisamos isolar nossos corações dos ruídos e barulhos do mundo, a fim de ouvirmos apenas o que interessa: as vozes da fé e da razão.
“Fides et Ratio”, palavras que intitulam famosa encíclica Papal e que orientaram as vidas grandes santos (Ambrósio de Milão, Agostinho de Hipona, Bernardo de Claraval, Gregório Magno, Tomás de Aquino, Tomás More, etc.), palavras que se mostram especialmente importantes neste tempo tão estranho, tão hostil, em que a única certeza é a incerteza.
Incerteza que sempre margeou a vida, mas que agora assume outra dimensão. A dimensão da queda do biombo das ilusões e da nítida visão do espectro da insegurança.
Fé e razão, alimentadas por virtudes heroicas como coragem, resiliência, solidariedade e confiança serão nossas armas e nos ajudarão a atravessar o momento com bravura e elegância.
A única coisa boa da pandemia é que ao derrubar o biombo das ilusões, também derrubou muitas máscaras e nos fez enxergar o espúrio interior de muita gente, famosa ou comum, reavivando em nossas consciências as palavras bíblicas: “maldito o homem que confia em outro homem”.
Menos entusiasmo com as pessoas deverá ser a postura do homem sábio, ou ao menos prudente, doravante.
Menos totens ideológicos, radicalismos, ideias fixas, afetos desordenados e mais, muito mais, equilíbrio, sofisticação, compreensão, respeito e dignidade. Portar-se assim não faz de ninguém o infeliz isento que Dante Alighieri alertou ter especial lugar no inferno, mas o homem nobre e virtuoso que os gênios espanhóis, Miguel de Cervantes, José Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno retrataram muitas vezes em seus escritos.
Uma coisa já tenho por certo nesta pandemia, o sincero e suplicante desejo que elevo em prece ao Senhor de me fazer radical opositor de toda forma de radicalismo. Nem o amor pode ser radical, pois num piscar de olhos se transformará em paixão desordenada, antessala do ódio.
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