A crise sanitária cresce em números alarmantes no Brasil nos últimos dias. Já passam de 16 mil casos e 800 mortes confirmadas. Frente a uma crise sem precedentes que impacta diretamente na vida do brasileiro faz-se necessário o uso de medidas extremas e até então inéditas na terra tupiniquim, como o orçamento de guerra aprovado pelo Congresso e a flexibilização dos limites de gastos com saúde pública.
Não é de hoje que as medidas tomadas pelos governantes municipais e estaduais são divergentes quanto ao posicionamento do governo federal, preocupado principalmente com a instabilidade econômica sinalizada pelo Coronavírus.
Alguns países da Europa, percebendo a gravidade do problema, tomaram medidas excepcionais que a situação pede. Na Califórnia/EUA os cidadãos americanos só podem sair para ir ao mercado, banco ou farmácia sob pena de multa de até U$$ 1.000 (mil dólares) e/ou prisão de até seis meses de acordo o Código Penal da Califórnia.
Na França que por sua vez já contabiliza mais de 10 mil mortos por COVID-19, os franceses devem assinar previamente um documento sempre que precisarem sair de casa, relatando o justo motivo. Aquele que sair, sem motivar está sujeito a multa de 135 euros, em torno de R$ 748,00 reais.
É neste compasso que surge a intrigante dúvida se o brasileiro possui a consciência voluntaria e coletiva em cumprir isolamento de forma responsável. Não é preciso procurar muito para que se veja aglomerações nos centros urbanos, seja nas agências bancárias ou em reuniões de amigos para curtirem as ‘’lives sertanejas’’.
Já estaria na hora do uso excepcional do Poder de Polícia estatal para punir os brasileiros que saíssem de casa em situações não essenciais? A grande discussão gira em torno da competência para enrijecer as regras de isolamento frente ao aumento de casos no Brasil.
Situação que serve de exemplo é o Decreto n° 21.118/2020 do município de São Bernardo do Campo, onde o prefeito daquela cidade restringiu a locomoção de idosos acima de 60 anos, permitindo uso do poder de polícia a fim de que conduzissem os idosos de volta para suas casas em situações de desobediência.
O decreto prevê multa de R$ 200,00 reais em caso de desobediência, independentemente das sanções penais e administrativas. O município justificou a medida como garantia do direito fundamental à Saúde e que o ente municipal não possui infraestrutura adequada para combater a COVID-19.
O Ministério Público de São Paulo impugnou o decreto alegando que o município não teria competência para restringir a liberdade de ir e vir dos munícipes, que só poderia ocorrer com a decretação do estado de sítio pelo Governo Federal, tese acolhida pelo TJSP em decisão que suspendeu os efeitos do decreto paulista.
O caso chegou até o STF, onde o Presidente Dias Toffoli decidiu que os municípios podem sim, restringir liberdade de locomoção desde que respaldado em recomendação técnica da ANVISA (conforme ADI n° 6.341).
Pois bem, resta claro que o sistema jurídico sofre de grandes mudanças assim como tantos outros nesse período de Pandemia, cabendo lembrar das fortes palavras do Ministro ROGÉRIO SCHIETTI do STJ ao decidir o HC 565.799/RJ: "ante a crise mundial do Coronavírus e, especialmente, a iminente gravidade do quadro nacional, intervenções e atitudes mais ousadas são demandadas das autoridades, inclusive do Poder Judiciário.
O momento pede atitudes mais rígidas, antes que seja tarde demais. Atacar – no bolso - onde mais dói no Brasileiro é uma medida que deve ser estudada frente ao exponencial aumento de casos e mortes. Porém antes disso é preciso alinhar posicionamento entre governos locais e governo federal, o que nos parece que está longe de acontecer, pondo em risco o sacrífico do sistema de repartição dos poderes.
Ainda assim vale a pena sacrificar o direito constitucional, a separação de poderes e competências legislativas em nome de um bem maior? O Estado Democrático de Direito subsiste mesmo com uma considerável perda de seus cidadãos? Afinal o Direito à vida é o bem jurídico mais importante? Respostas que a história cobrará em futuro próximo.
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*Maikon Cavalcante é acadêmico de Direito e Estagiário inscrito na OAB/CE n° 7058-E.