Em 7 de abril, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Projeto de Lei de Conversão (PL 30/2019) da Medida Provisória 897/2019, que ficou conhecida como MP do Agro.
O texto aprovado, agora Lei 13.986/2020, estabeleceu diversos mecanismos para impulsionar o agronegócio brasileiro, incentivando e facilitando o financiamento do setor, mediante a criação de diversos instrumentos, tais como o Fundo Garantidor Solidário (FGS), o patrimônio rural de afetação e a Cédula Imobiliária Rural (CIR).
Além das medidas acima, o novo diploma legal passa a autorizar expressamente a constituição de alienações fiduciárias de imóveis rurais em favor de credores estrangeiros.
A alteração tende a tornar o mercado de financiamento agrícola mais competitivo, permitindo que investidores estrangeiros, antes limitados às garantias hipotecárias, tenham livre acesso à propriedade fiduciária, até então disponível apenas para credores brasileiros.
Importante destacar que a alienação fiduciária permite que os financiadores trabalhem com taxas de juros mais baixas, na medida em que sua exposição a risco é significativamente reduzida pelas vantagens dessa modalidade de garantia, especialmente seu processo de excussão extrajudicial e sua não submissão a processos falimentares e de recuperação judicial (excetuadas hipóteses em que o imóvel objeto da garantia é considerado essencial para recuperação da empresa).
Vale lembrar que a alienação fiduciária sobre imóveis rurais localizados especificamente na faixa de fronteira do Brasil já havia sido expressamente autorizada em 2015, com a inclusão do antigo §4º ao inciso VI do artigo 2º da Lei 6.634/1979.
No entanto, a autorização anterior se limitava a garantias constituídas em favor de instituições financeiras, as quais são obrigadas a alienar os imóveis eventualmente recebidos em processos de excussão de garantias constituídas no contexto de financiamentos, conforme condições estabelecidas pelo Banco Central.
A nova Lei 13.986/2020, contudo, vai muito além!
Além de prever a possibilidade de constituição de garantia fiduciária sobre quaisquer imóveis rurais, incluindo aqueles localizados na faixa de fronteira, os artigos 51 e 52 do novo texto aprovado permitem ainda que estrangeiros se tornem proprietários de imóveis rurais em processos de liquidação de transações, por meio da excussão de garantias, consolidação de propriedade, adjudicação, dação em pagamento ou qualquer outra forma de liquidação da dívida1.
A nova lei também não impõe obrigações de alienação dos imóveis rurais pelos credores estrangeiros que eventualmente os recebam em processos de liquidação.
A flexibilização das restrições impostas ao ingresso de capital estrangeiro em imóveis rurais no Brasil parece ser uma das diretrizes do atual Governo Federal.
Em razão do agravamento da crise econômica internacional decorrente do atual cenário de pandemia pelo novo coronavírus, o Ministério da Economia emitiu, em 10 de março, o Ofício SEI nº 84/2020/ME, no qual propõe a aceleração de determinadas pautas do Congresso Nacional. Referido ofício elenca as matérias infraconstitucionais já em tramitação que são extremamente relevantes para resguardar a economia brasileira, aumentar a segurança jurídica dos negócios e atrair investimentos.
Entre as matérias prioritárias, às quais o Ministério da Economia recomenda esforço para aprovação ainda neste semestre, está presente o Projeto de Lei 2.963/2019, que visa estabelecer novo marco regulatório para a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.
De forma geral, o PL 2.963 autoriza a aquisição de propriedade e posse de imóveis rurais por estrangeiros, desde que, para tanto, constituam sociedade local, de acordo com a legislação brasileira e se submetam a uma série de obrigações cadastrais. Exceções à regra incluem, entre outras, as aquisições de imóveis localizados na faixa de fronteira e na Amazônia Legal, as quais permaneceriam ainda sujeitas à prévia aprovação pelo Conselho de Defesa Nacional.
O PL 2.936, que já passou recentemente pelas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Agricultura (CRA) do Senado Federal, agora aguarda aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em regime terminativo. Desta forma, caso aprovado pela CCJ, o projeto seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados, sem necessidade de passar pelo plenário do Senado.
Respeitadas de forma razoável e economicamente viável as preocupações com a soberania nacional, tal qual já endereçadas na atual redação PL 2.963, é inegável que eventual aprovação do projeto de lei terá enorme potencial para ajudar o Brasil a atrair novos investimentos e se reerguer da crise econômica que certamente virá como resultado da pandemia e das medidas restritivas adotadas.
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1 “Art. 51. O § 2º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º (...)
§ 2º As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam:
I aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º desta Lei;
II às hipóteses de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira;
III aos casos de recebimento de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de qualquer outra forma”.
“Art. 52. O § 4º do art. 2º da Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2º (...)
§ 4º Excetuam-se do disposto nos incisos V e VI do caput deste artigo a hipótese de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária, em favor de pessoa jurídica nacional ou estrangeira, ou de pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, bem como o recebimento de imóvel rural em liquidação de transação com pessoa jurídica nacional ou estrangeira por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de outra forma”.
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*Gustavo Freitas é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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