Depois de passar pela pior recessão desde a crise financeira de 1929, a economia brasileira registrava no final de 2019 sinais claros de retomada. Os números dessa afirmação podiam ser observados pelo aumento da produção de carros, caminhões e tratores, nas altas da Bolsa de Valores, nas vendas de bens de consumo e na geração de empregos.
Transpor esse desafio não vinha sendo tarefa fácil, especialmente para as pequenas e médias empresas (PME). Ainda hoje, muitos negócios desse porte administram as contingências da recente crise. Dívidas com fornecedores, acordos trabalhistas, renegociações com bancos e fundos (FDICs), um verdadeiro malabarismo financeiro para manter a “roda girando”. Em janeiro de 2020, segundo a Serasa Experian, existiam ainda 6,2 milhões de empreendimentos com contas atrasadas e negativadas.
Diante de um cenário de reequilíbrio da confiança empresarial, subitamente, em proporções jamais vistas em nossa época, esse mesmo empresário é abalroado pela maior crise sanitária mundial causada pelo novo coronavírus, a COVID-19, colocando de joelhos a economia global.
Marco zero da pandemia (dez-2019), na China, as medidas restritivas à circulação de pessoas para tentar conter o vírus paralisaram a produção da segunda maior economia do mundo que despencou drasticamente nos dois primeiros meses do ano, se comparada às últimas três décadas. Apenas no final de março-2020 a produção chinesa sinalizava retomada após o choque da COVID-19.
No Brasil, com pouco ou até mesmo nenhum faturamento, em geral, as médias e pequenas empresas têm menos de um mês de caixa para honrar seus compromissos, além do cenário não favorável para a obtenção de empréstimos com juros razoáveis e compatíveis com sua capacidade de pagamento. Em meio ao caos humanitário de uma cruel pandemia, sem caixa, sem receita, sem previsão de retomada dos negócios e ainda com credores, tributos e empregados, a grande questão é: Como não quebrar?
O empresário precisa se preparar para enfrentar todos os cenários possíveis. É difícil estimar os impactos derivados desse colapso, bem como o tempo que a atividade econômica levará até que volte à normalidade.
Situações extremas exigem medidas extremas. A primeira delas é revisar detalhadamente todos os custos e despesas para que seja possível direcionar os escassos recursos para aquilo que possa garantir a sobrevivência da empresa. Estabelecer um rápido plano de ação, renegociar quando possível, estar atento a soluções emergenciais vindas do Governo e ser conservador quanto aos gastos.
Considerando o nível de exposição da empresa aos impactos decorrentes da COVID-19, a suspensão temporária das atividades (“hibernação” do negócio) pode ser uma solução de menor prejuízo que a manutenção deficitária da operação.
Ultrapassada a fase crítica da crise (e vai passar!), especialmente para empresas já fragilizadas antes da pandemia, o que não parece ser uma dúvida é que dívidas serão acumuladas, seja na esfera trabalhista, seja por acordos descumpridos com bancos, impostos, fornecedores, aluguel etc.
Nesse contexto, a recuperação judicial poderá ser uma grande aliada no projeto de retomada das atividades, proteção da empresa e renegociação global das dívidas de todo período.
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Logo na fase inicial do processo de recuperação judicial, a empresa em dificuldades é protegida com a suspensão de todas as ações e execuções judiciais (inclusive trabalhistas e tributárias) contra ela, garantindo uma “blindagem”, conhecida como stay period. Essa medida permite que haja tempo e fôlego, para que a devedora reorganize suas atividades, sem o risco de penhoras, bloqueios em contas ou outra espécie de constrição que prejudique a atividade empresarial.
Durante os meses de stay period e sua prorrogação, com base em projeções financeiras conservadoras e condizentes com a nova realidade de caixa pós-crise do coronavírus, a empresa apresentará uma proposta de pagamento aos credores. O tempo médio até a deliberação definitiva sobre a proposta de pagamento é de 17 meses, período em que a blindagem da empresa preserva o negócio contra dívidas acumuladas.
A proposta de pagamento aos credores é dividida e tratada em até 4 (quatro) categorias: (i) a classe dos créditos de natureza trabalhista, como verbas não pagas para empregados e ex-empregados, inclusive acordos judiciais descumpridos; (ii) credores com garantia real, habitualmente as dívidas com instituições financeiras não cumpridas, onde foram oferecidas garantias; (iii) credores quirografários, dívidas comuns em aberto, como fornecedores; e, por fim, (iv) credores enquadrados como micro e pequenas empresas.
Com poucas exceções, as propostas de meios de pagamento, comumente, são aprovadas pelos credores planos com carência, deságios representativos (descontos) e alongamento. Para as dívidas tributárias, as empresas em recuperação judicial poderão aderir a um parcelamento especial.
A Recuperação Judicial permitirá, de forma completa, que as empresas renegociem substancialmente o passivo, além de diluir, por longo prazo, o enfrentamento das dívidas acumuladas no período de crise, garantindo ao mesmo tempo a proteção necessária para o soerguimento da atividade. No contexto da crise COVID-19, especialmente entre as médias e pequenas empresas, provavelmente haverá um significativo aumento de novos pedidos de Recuperação Judicial.
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