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A responsabilidade civil do influencer digital e a vulnerabilidade do consumidor

O advento de novas formas de interações entre as pessoas, refletiu em significantes mudanças comportamentais, focadas no imediatismo, na ansiedade e na velocidade para saber, sentir, resolver as coisas de modo geral.

14/4/2020

Introdução 

Em um cenário em que as novas tecnologias são incorporadas rapidamente ao cotidiano social, ao analisarmos as modificações sofridas na maneira pela qual se faz publicidade, é possível perceber as grandes mudanças sociais provocadas pela internet.

O advento de novas formas de interações entre as pessoas, refletiu em significantes mudanças comportamentais, focadas no imediatismo, na ansiedade e na velocidade para saber, sentir, resolver as coisas de modo geral. A divulgação de informações em variados formatos (vídeos, textos, imagens, áudios,) e a celeridade da propagação em massa, possibilitaram às empresas um novo jeito de disseminar sua marca, captar clientes e maximizar seus lucros.

Ao analisarmos o comércio online/eletrônico, é necessário pontuar que existe uma verdadeira indústria que investe diariamente milhões de reais em publicidades, e nos estudos acerca do comportamento dos consumidores. Um fator importantíssimo ganha destaque nesse contexto, dado o extremo poder de convencimento e influência sobre os consumidores, os chamados influencers digitais.

O presente artigo busca tratar desse agente social, denominado influenciador digital, ressaltando o impacto persuasivo nos padrões comportamentais dos consumidores, e demonstrar a possibilidade de equipara-los a fornecedores, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, quando da indicação de produtos e serviços nas plataformas online.

Nesse sentido, outro aspecto abordado, é em relação a responsabilidade civil dos influenciadores, questionando-se então se seria uma responsabilidade objetiva ou subjetiva e se o atual ordenamento jurídico brasileiro possui base legal para aplicar tal responsabilização.

A relevância do tema mostra-se fundamental, haja vista que os influenciadores digitais possuem forte presença no cenário virtual, em especial as redes sociais, utilizadas por quase todos nós. Além disso, destaca-se a grande mudança do mundo publicitário na maneira de produzir seus materiais publicitários e na forma de publicá-los. Esses e alguns outros reflexos sociais, merecem especial atenção de toda sociedade, principalmente dos poderes legislativo e judiciário.

Aplica-se no presente trabalho, o método dedutivo para analisar a principiologia das normas consumeristas, buscando demonstrar a possibilidade de responsabilização dos influenciadores digitais sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. A pesquisa baseia-se na análise de obras e artigos jurídicos pertinentes ao tema, desenvolvendo-se pela vertente metodológica jurídico-sociológica.

E ao final, o artigo pretende manifestar a consequente imputação da responsabilização civil dos influenciadores digitais pela participação aliada ao mercado publicitário e principalmente quando caracterizar-se a publicidade ilícita, responsabilizando-os de maneira objetiva. 

A sociedade moderna e os influencers digitais

A atual sociedade moderna, em um contexto de era digital que a difusão da internet e das mídias sociais possibilitaram acesso à comunicação e informação praticamente de modo instantâneo, representaram uma significativa mudança no comportamento social.

Analisando em particular o cenário brasileiro, de acordo com a 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, há hoje, 230 milhões de aparelhos celulares ativos no país, e 180 milhões de computadores, notebooks e tablets em uso no Brasil. Esses breves dados revelam a notória hiperconectividade dos brasileiros nos dias atuais.

Considerando esse fenômeno social sob a ótica das relações de consumo, alguns aspectos jurídicos devem ser debatidos no que tange as relações virtuais de consumo, como por exemplo a presença dos chamados influenciadores digitais.

Quem são os influencers digitais? 

De maneira objetiva, podemos definir tais agentes sociais como pessoas com representativa presença digital, seja em blogs, Instagram, YouTube, Facebook entre outros, que se destacam na internet pela sua capacidade de empatia e persuasão social.

Os influenciadores digitais possuem como principal característica a propagação e formação de opinião em virtude da divulgação diária de conteúdos pessoais, publicitários, informacionais para sua audiência online, ou seja, seus seguidores.

Na perspectiva do viés econômico e empresarial, segundo Almeida, et al., "influenciadores digitais são formadores de opinião virtuais que representam uma alternativa para empresas que confiam na comunidade reunida em torno desses perfis como público-alvo de divulgação". (ALMEIDA, 2018, p. 16)

Essa nova e relevante forma de interação social, entre os usuários de internet (consumidores) as empresas (fornecedores), por intermédio das figuras dos influenciadores digitais, mostra-se muito efetiva, pois ao ver um influenciador digital a quem o consumidor possui confiança, empatia, "intimidade", endossar um produto ou serviço, a probabilidade de conversão em vendas e contratações é alta.

Os influenciadores, detém habilidades de criar e moldar opiniões, exercendo influência no comportamento social através de uma comunicação direta e acessível com seu público, gerando conexão com os seguidores nos mais diversos nichos, como games, esportes, tecnologia, alimentação, música, entretenimento, moda, saúde, dentre outros.

Aspectos práticos na relação dos influenciadores digitais e o consumidor 

Os influenciadores digitais, em larga maioria, utilizam-se de sua audiência e influência para firmar parcerias, isto é, receber benefícios como descontos, produtos, remunerações pecuniárias, pelos fornecedores, e promovem seus produtos e serviços das mais diversas formas. Mas é claro, sempre com uma aparência natural, porém com caráter persuasivo, e não uma publicidade explícita, forçada.

Pois bem, cabe então esclarecer, brevemente, como se dá esse sistema de publicidades entre os anunciantes e os influenciadores digitais. Primeiramente, a empresa após verificar o nicho de atuação, o possível número de pessoas que serão alcançadas dentre outros fatores, procura determinado influenciador, e oferece alguns benefícios em troca da divulgação de algum item de seu portifólio, ou da divulgação da marca, ou para indicar algum serviço.

De acordo com pesquisas do Instituto QualiBest, as redes sociais preferidas pelos usuários, e consequentemente as que mais ocorrem tal prática, são o Facebook, o Youtube e o Instagram. Cada rede social como suas características próprias, permite ao influenciador transmitir a "mensagem" de diferentes maneiras.

Por exemplo, no Youtube é possível realizar um vídeo expositivo, mostrando em detalhes determinado produto, prática conhecida como review / unboxing. Já no Instagram, através de uma ferramenta chamada stories (vídeos fracionados em 15s que desaparecem em 24h), é possível que o influencer mostre o dia a dia em tempo real, compartilhando suas experiências com o produto e/ou serviço.

Destaca-se também, uma pesquisa realizada pelo Google, que de acordo com  O’Neil-Hart e Blumenstein,  4 em cada dez usuários do YouTube confiam mais no seu youtuber favorito do que nos seus amigos, e que seis em cada dez optam por seguir uma indicação de produto/serviço realizada por seu youtuber favorito do que por outras celebridades (O’NEIL-HART; BLUMENSTEIN, 2016).

Outros dados importantes, referem-se ao percentual de pessoas que compram alguma coisa porque confiaram em um influenciador digital. Segundo a pesquisa do Instituto QualiBest, 52% dos usuários entrevistados responderam que sim. Outra pesquisa apresentada no Congresso Internacional de Administração, em setembro de 2017, constatou-se que em um universo de 414 internautas, que 74,9% aceitam as recomendações dos influenciadores e 48,6% já adquiram algum produto que fora indicado por influenciadores digitais.

Como muito bem leciona Guimarães acerca do aprimoramento dos estudos referentes ao comportamento do consumidor:

[...] é nesse desbravamento e exploração da mente humana que os publicitários se apoiam e buscam as inspirações para seus anúncios. Criam eles necessidades e após manipulam os consumidores em direção ao produto ou serviço que irá supri-las. Criam efetivamente desejos supérfluos, que, logo em seguida, graças às suas técnicas, são transformadas em produtos imprescindíveis. Assim, estão corretos aqueles que, primeiramente, surge o produto ou serviço; depois é que se inventa a necessidade. (GUIMARÃES, 2001, p.98)

Desse modo, é possível perceber que os influenciadores digitais possuem grande relevância na divulgação e indicação de produtos e serviços, tornando-se verdadeiros parceiros das empresas, haja vista o impacto provocado na realidade dos seus seguidores, criando, moldando e induzindo comportamentos para viabilizar escolhas pré-definidas de consumo.

Diante o exposto, considerando a relevância exercida pela tecnologia nos novos padrões da propagação da publicidade, bem como pelo surgimento de novas maneiras das relações consumeristas e da responsabilização por eventuais danos suportados pelos consumidores. Uma possibilidade advinda desses novos padrões, trata-se da responsabilização dos influenciadores digitais em razão da indicação/ recomendação de produtos e/ou serviços. 

A responsabilidade civil do influencer digital 

Inicialmente, para que melhor sejam compreendidos os argumentos narrados a seguir, é essencial mais uma vez, analisar o tema em questão sob a ótica contemporânea, das novas relações interpessoais, do mercado de consumo agressivo, da predatória visão lucrativa de empresas e indústrias entre outros fatores.

Cabe ressaltar também, que existem outros agentes responsáveis pela veiculação da publicidade, dentre eles: o anunciante, o veículo de comunicação, o agente publicitário, e o influenciador digital. Todavia, o presente artigo buscará se ater apenas a figura célebre do influenciador digital.

Um dos princípios mais importantes não só do direito, mas moral de modo geral, é o da boa-fé, que deve ser observada sempre por todos, para promoção de relações sociais de melhor qualidade. Segundo Larenz, "o princípio da boa-fé significa que cada um deve guardar fidelidade com a palavra dada e não frustrar a confiança ou abusar dela, já que esta forma a base indispensável de todas as relações humanas". (LARENZ, 1958, p. 142)

Dito isto, adentremos ao tema da responsabilidade civil. Nas palavras de Guimarães, "a celebridade, para responder pelos danos causados em decorrência de sua informação, deve ter um benefício, seja ele qual for". (GUIMARÃES, 2001, p. 174)

O que mais comum nos dias atuais, é o patente recebimento de uma remuneração pecuniária, que pode ser percebida em espécie, patrocínios, ou com o fornecimento de produtos/serviços pelos fornecedores de forma gratuita, em troca de publicidades nas mídias sociais.

Em artigo científico acerca do tema, Gasparatto, Freitas e Efing, expõem brilhantemente que "deve-se atribuir aos influenciadores responsabilidade de reparação frente aos consumidores, em razão da indicação de produtos e serviços. Eis que tais pessoas possuem grande poder de influência, além de contarem com a confiança de seus seguidores". (GASPARATTO, FREITAS e EFING, 2019, p. 79)

O mesmo entendimento é chancelado por Guimarães, onde afirma que "devem ser aplicadas às celebridades todas as diretrizes do CDC, inclusive no que concerne a responsabilidade em caso de violação aos direitos dos consumidores, tendo em vista que as celebridades são partes integrantes da cadeia de consumo, figurando ao lado de todos os outros agentes". (GUIMARÃES, 2001, p.98)

Portanto, é possível perceber que os influenciadores digitais, figuram na posição de garantidores, em relação aos produtos e serviços indicados. Ou seja, em casos que as informações, qualidades, vantagens, atribuídas ao produto/serviços não corroborem com a realidade, a agravante da persuasão e posição de autoridade, dos influenciadores figura de modo negativo e prejudicial ao consumidor, violando a boa-fé e a confiança.

Quando um influenciador digital indica um produto ou serviço, a sua confiabilidade agrega segurança acerca da garantia de que o produto ou serviço indicado é de qualidade. Citando Franco, "os influenciadores ao realizarem publicidade como se fosse uma ‘dica de amigo’ induzem o seguidor a uma compra que não é realizada de forma consciente". (FRANCO, 2016, p.10)

Nesse sentido, cumpre salientar que, pelos ensinamentos de Fernandes Neto, "o ilícito comunicativo também é fonte de obrigação, que desencadeará diversas consequências jurídicas". (FERNANDES NETO, 2004, p. 222)

O contexto revela a importância da aplicação do CDC, que prevê a solidariedade de toda a cadeia de fornecimento, conforme disposto nos artigos 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, da legislação consumerista.

Art. 7° (...)

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Art. 25. (...)

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

Assim, conforme ensina Nunes "todos que tenham intervindo no ato publicitário serão responsabilizados caso haja enganosidade e abusividade". (NUNES, 2005, p. 334)

Note-se, em que pese a lei brasileira não prever especificamente a hipótese em debate, ainda sim protege através de uma técnica de interpretação, todos aqueles que participarem, de forma direta ou indireta de uma relação de consumo, devendo então responder pelos eventuais danos causados ao consumidor.

O ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, leciona que "Aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou desvantagens dela resultantes". (GONÇALVES, 2012, p. 54).

Ou seja, é evidente que nessa esteira, os influenciadores digitais devem sim ser responsabilizados em caso de danos causados, haja vista que conforme abordado anteriormente, recebem pagamentos e benefícios variados. Dessa forma, cabível é a responsabilidade, considerando sua atuação que visa e obtém lucro com as publicidades veiculadas.

A reparação dos danos por influencers digitais 

Preliminarmente, importante ressaltar que conforme já citando ao longo do presente artigo, os princípios da boa-fé objetiva, da confiança, da transparência e da informação, devem ser observados sempre, seja qual for a hipótese em que o influenciador digital esteja vinculado a uma publicidade.

Consequentemente o influenciador também deverá no mínimo, tomar conhecimento das informações sobre o produto/serviço negociado, principalmente atentando-se aos riscos e cuidados devidos, não omitindo informações essenciais aos potenciais consumidores, que poderão ser prejudicados e lesados por conta da influência empenhada na publicidade.

Nesse contexto, Franco preceitua que: 

[...] o influenciador, ao transmitir sua mensagem, deve estar ciente dos deveres a que está sujeito, como dever de informação, nele compreendido o dever de informar corretamente; o dever de lealdade, considerando que o seguidor confia nele; e o dever de solidariedade. (FRANCO, 2016, p. 15)

Fazendo referência ainda sobre esse ponto, Rais e Barbosa apontam que: 

Apesar de serem "sujeitos comuns", os influenciadores digitais são verdadeiros profissionais da web e têm, portanto, a obrigação de respeitar os princípios de boa-fé e transparência em prol dos consumidores, devendo deixar explícita a sua relação comercial com a empresa do produto divulgado. (RAIS, Diogo; BARBOSA, Nathalia Sartarello, 2018, p. 85)

Pois bem, dado momento, avançado a questão da responsabilidade dos influenciadores digitais, pretende-se analisar se a responsabilidade seria então subjetiva ou ainda objetiva. O debate acerca da responsabilidade de famosos e celebridades em geral, já existe há alguns anos, sendo apenas remodelado aqui no presente trabalho, incluindo neste rol a figura dos influenciadores digitais.

Com base nas pesquisas realizadas, foi possível perceber que existem posições acerca do enquadramento das duas espécies. Determinada corrente, dentre eles: Speranza, Oliveira e Dias,  afirmam que tal responsabilidade seria subjetiva, tendo em vista que contribuem apenas com sua imagem: “pouco razoável responsabilizar a celebridade objetivamente quando apenas anuncia determinado produto sobre o qual não possui conhecimento técnico para avaliá-lo”(SPERANZA, 2012) além disso “caso demandado, deverá, portanto, provar que não agiu com culpa ao participar da publicidade viciada”(OLIVEIRA, 2010, p.502)

Há também que se preconizar quanto a responsabilidade imputada, que, segundo leciona Dias "não faria mesmo sentido imputar às celebridades, quando prestam informações ou recomendações de conteúdo publicitário, responsabilidade objetiva, fundada na teoria do ‘risco da atividade’, esta sim, aplicável aos fornecedores". (DIAS, 2010, p. 306)

Sustenta ainda a autora, conforme seu entendimento, que não seria razoável conferir responsabilidade igual a de um fornecedor caso o influenciador figure com a intenção meramente representativa:

"[...] não podem assumir responsabilidade idêntica à do fornecedor, notadamente porque em muitas situações atuam como mero ‘porta-voz’ do anunciante, sem qualquer declaração com base em suas experiências pessoais de uso dos produtos ou serviços". (DIAS, 2010, p. 305)

Todavia, há ainda relevantes doutrinadores que entendem tratar-se de questão inerente a responsabilidade objetiva, em razão da teoria do risco, conforme adota o CDC juntamente com o princípio da solidariedade bem como o importante fator de obter vantagens econômicas com os trabalhos desenvolvidos de publicidade.

Nesse sentido, destaca-se trecho da doutrina de Tartuce e Neves, com o seguinte entendimento:

[...] cumpre trazer a lume questão de debate relativa à responsabilidade civil das celebridades, artistas, atletas e outras pessoas com notoriedade que atrelam o seu nome a de produtos e serviços no meio de oferta ou publicidade, os chamados garotos propaganda, ou melhor, garotos publicidade. A tese de responsabilização de tais pessoas é defendida pelo magistrado e professor Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, contando com o apoio de outros doutrinadores, caso de Herman Benjamin e Fábio Henrique Podestá, especialmente quando tais celebridades recebem porcentagem pelas vendas realizadas. A premissa teórica igualmente conta com o apoio deste autor, pois a tese representa outra importante aplicação da teoria da aparência, valorizando-se mais uma vez a boa-fé objetiva nas relações de consumo, em prol dos consumidores. Não se olvide que, muitas vezes, os vulneráveis adquirem produtos e serviços diante da confiança depositada em tais artistas ou celebridades. (TARTUCE; NEVES, 2017, p. 222)

Nessa esteira, Guimarães, novamente ao tratar da tema da responsabilidade das celebridades, tem o entendimento que tais agentes não podem ser comparados a profissionais liberais, conforme se colaciona no trecho abaixo:

As celebridades não poderiam ser conceituadas como profissionais liberais, pois, além de, em regra, não serem contratadas para participar das publicidades por causa de suas qualidades intelectuais ou técnicas – mas sim por qualidades externas, como a beleza, o prestígio, a fama- não são contratadas pelos consumidores intuitu personae, isto é, para cuja escolha foram relevantes os elementos confiança e competência, mas sim impostas a esses pelos anunciantes.

Entretanto, entende-se que é possível em algumas situações, que o influenciador se exima de sua responsabilidade. É o que sustenta Barbosa, Silva e Brito, em artigo publicado pela Revista do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC, ao exemplificar o produto ou serviço que são acometidos em momento futuro por vícios e/ou defeitos.

[...] entende-se que o influenciador que o promoveu digitalmente se exime de sua responsabilidade, vez que na hipótese de responsabilidade pelo fato do produto/serviço ou responsabilidade pelo vício do produto/serviço não possuirá relação direta com a publicidade ilícita vinculada, devendo o lesado acionar, exclusivamente, o fornecedor pelos prejuízos causados a sua incolumidade física/psicológica ou econômica. (BARBOSA; SILVA; BRITO, 2019, p. 16)

Diante desse cenário, me parece em humilde opinião, que devido ao alto poder de persuasão que os influenciadores digitais exercem, em um contexto em que se dispensa a confiança, pois são visto como amigos, e considerando as diversas vantagens recebidas, entendo que a responsabilidade dos influenciadores digitais é objetiva, principalmente ao sopesar os princípios basilares do CDC como a boa-fé e solidariedade, e especialmente aplicando o princípio da vulnerabilidade do consumidor. 

Todavia, no tocante à questão envolvendo a publicidade ilícita, e os digitais influencers, é de grande importância que as variáveis funções aplicáveis à responsabilização de agentes causadores de danos, sejam aplicadas na forma do nosso ordenamento jurídico, considerando a doutrina e decisões dos Tribunais.

Considerando toda conjuntura dos dias atuais, é indispensável que o Poder Judiciário, ao apreciar os casos concretos aplicando o direito, sopese as função reparadora, pedagógica e punitiva das indenizações. 

Nesse sentido, ao observar que o influenciador digital, mesmo conhecendo os potenciais riscos do produto/serviço, ou ainda, caso invente dados enganosos ou omita informações deverá ser sancionado, para que haja um desestímulo, prevenindo futuras condutas relacionadas a essa prática ilícita.

Infelizmente, ainda vemos pouca atenção dada a esse tema, haja vista que a internet é não somente uma realidade mundial, mas parte de nossas vidas. Por essa razão, não há dúvidas, que é de suma importância que as profissões perpetuadas nessa plataforma sejam regulamentadas, fiscalizadas e, principalmente aos que utilizam para fins comerciais, que passem a adotar medidas preventivas de riscos para as relações online. 

Conclusão

O presente trabalho debruçou-se a analisar o instituto da responsabilidade civil aplicado aos influenciadores digitais, considerando o espírito protetivo do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como sua principiologia em especial ao tratar sobre a vulnerabilidade do consumidor. A hipótese central de responsabilização analisada, foi a indicação de produtos ou serviços por meio da internet, podendo caracterizar eventual violação aos direitos dos consumidores equiparando os influenciadores digitais aos fornecedores.

Importante ressaltar que, não se pretendeu aqui, abordar maneiras de coibição da atuação de tais agentes sociais, até mesmo porque seria algo injusto com toda cadeia de publicidade digital. Entretanto, destacou-se que devem sempre fazer-se presentes na relação consumerista a observância aos preceitos da boa-fé objetiva, informação, transparência e confiança.

Evidenciou-se que os influenciadores digitais desempenham relevante função nas relações de consumo online, influenciando comportamentos e opiniões de seus seguidores, ora, potenciais seguidores.

O artigo traça um paralelo com a questão central do tema e os princípios da confiança, boa-fé objetiva e informação, presentes no ordenamento jurídico consumerista, que nesse ponto em especial, guarda a necessária tutela aos consumidores que por eventuais violações sofram prejuízos. Portanto, diante da relação de hipossuficiência do consumidor frente aos influenciadores digitais, quando estes figuram como fornecedores equiparados, surge então a possibilidade de responsabilidade objetiva na relação consumerista.

Um ponto que merece atenção, é que, os consumidores devem desempenhar um papel protagonista no combate aos ilícitos publicitários. Nos casos de ocorrências de publicidades ilícitas, e principalmente quando provocarem danos, é necessário que o consumidor busque ajuda junto aos órgãos competentes, sejam eles o CONAR, ou o PROCON, e ainda o Poder Judiciário, através dos juizados especiais. Somente dessa maneira, um padrão de qualidade e justiça poderá ser moldado, favorecendo os preceitos da norma consumerista.

Por fim, após aprofundado estudo do tema em análise, é possível concluir que para que a principiologia consumerista, pautada na confiança, na transparência e na vulnerabilidade, se harmonize com os comportamentos éticos e legais do  mercado publicitário em geral, muito há que se melhorar, tornando-se possível aliar sua influência na plataforma digital com a publicidade lícita, de maneira que todos possam se beneficiar e serem respeitados na relação de consumo virtual.

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STJ, 2019, online, Publicação periódica que apresenta um conjunto de teses sobre determinada matéria, com os julgados mais recentes do Tribunal sobre a questão, selecionados até a data especificada.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 222.

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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor: Direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. 7.ed Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,2018. p. 91.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor: Direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. 7.ed Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,2018. p. 35.

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*Pedro Neiva é sócio do escritório Neiva e Antunes Advogados Associados.

 

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