1. Introdução
Atualmente, o Brasil atravessa um momento de grave instabilidade econômica decorrente da eclosão da pandemia do coronavírus (Sars-Cov-2). O vírus trouxe consigo não apenas uma crise de saúde pública, mas, também, um grave impacto sobre o orçamento fiscal do Estado, em razão da perda de arrecadação oriunda dos dias de paralisação das atividades econômicas do país.
Diante do atual cenário econômico do país, o empresariado tem buscado alternativas para a minimização dos impactos financeiros provocados pela pandemia do coronavírus (Sars-Cov-2), notadamente, por meio da adoção de medidas cuja finalidade seja proporcionar um alívio imediato no fluxo de caixa das empresas, já que, praticamente, há um consenso em toda a sociedade de que a prioridade, neste momento de crise, deve ser a manutenção dos postos de trabalho.
Dentre essas medidas, há várias ações judiciais1 promovidas por alguns contribuintes, em todo o país, com o objetivo de obter a prorrogação do recolhimento dos tributos federais. Isso porque, até a presente data, não houve por parte da União Federal, exceto para os contribuintes optantes do Simples Nacional2 e em relação às contribuições previdenciárias e ao PIS/PASEP3, a adoção de medidas que permitam aos contribuintes se beneficiarem de um amplo regime de diferimento fiscal.
Logo, como não houve, até a presente data, políticas governamentais para a prorrogação do recolhimento, em âmbito federal, do IRPJ, IPI e da CSLL, aliado ao fato de que, nas esferas Estaduais e Municipais, dada a autonomia dos respectivos entes federativos, não há uma disciplina homogênea em relação ao ICMS e ISS, os contribuintes têm buscado o judiciário com o objetivo de obterem o reconhecimento de uma espécie de “moratória tributária judicial”.
Busca-se, portanto, neste breve texto, analisar quais são as principais teses utilizadas pelos contribuintes para obter, na esfera judicial, a prorrogação do recolhimento dos tributos federais, estaduais e municipais, e, ainda, responder à indagação sobre a possibilidade ou não de concessão de uma “moratória tributária judicial” em virtude da pandemia do Coronavírus (Sars-Cov-2).
2. Principais teses utilizadas pelos contribuintes para a obtenção da prorrogação do recolhimento dos tributos Federais, estaduais e municipais
Destaque-se, inicialmente, a existência de duas principais teses jurídicas utilizadas pelos contribuintes que pretendem obter a prorrogação do recolhimento dos tributos federais, estaduais e municipais, em razão da situação de calamidade pública trazida pelo Coronavírus (Sars-Cov-2).
Pode-se dizer que a 1ª (primeira) tese, a qual denominaremos, aqui, simplesmente, de “tese fraca”, ostenta um viés principiológico, pois busca a obtenção de uma espécie de “moratória tributária judicial", com base, exclusivamente, na aplicação de princípios constitucionais, sejam eles de natureza tributária ou não. Nesse contexto, os princípios que mais são invocados pelos contribuintes, na tentativa de assegurarem as suas pretensões, são os seguintes: livre iniciativa e valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, c/c art. 170, CF), isonomia tributária (art. 150, II, CF), preservação da empresa (art. 47, LRF), e, até mesmo, por meio da transposição da teoria do fato do príncipe4 para a seara tributária, dentre outros fundamentos jurídicos.
Argumentam, ainda, os defensores da “tese fraca”, que o STF autorizou a suspensão do pagamento5, por 11 Estados da Federação, das parcelas mensais relativas à amortização de suas dívidas públicas com a União Federal. Tal fato, portanto, resultaria na necessidade de que fosse garantido aos contribuintes um tratamento isonômico em relação aos demais entes da federação.
Note-se que os argumentos levantados pelos defensores da “tese fraca” podem ser elididos com base na mais pura e simples aplicação do princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF), do qual se extrai a interpretação de que moratória tributária (art. 97, CTN), em regra, somente pode ser concedida por meio de lei. Outrossim, a concessão de moratória tributária pelo judiciário resultaria numa flagrante violação do princípio da separação de poderes (art. 2º, CF) e criaria situações não isonômicas (art. 150, II, CF), já que alguns contribuintes poderiam se beneficiar da postergação do pagamento dos seus tributos e outros não.
Com relação ao argumento de que o STF teria autorizado a suspensão do pagamento, por alguns Estados da Federação, das parcelas mensais relativas à amortização de suas dívidas públicas com a União Federal, o que resultaria na necessidade de estender ou aplicar por analogia esse entendimento, no sentido de beneficiar os contribuintes, tal conclusão parte de algumas premissas equivocadas a respeito da natureza de ambos os créditos e da posição que ostentam os seus respectivos devedores.
Como é sabido os créditos relativos à dívida pública existente entre os diversos entes da federação, embora estejam submetidos ao regime de direito público, não têm natureza tributária, pois estão lastreados em contratos administrativos. De outra banda, a pretensão dos seus devedores, por ostentarem a condição de entes públicos, traduz em si um interesse de toda a coletividade.
Trata-se, portanto, em última análise, de tutelar os interesses de toda a coletividade, pois o comprometimento do orçamento dos entes da federação, neste momento, com o pagamento da dívida pública, implicaria na redução de recursos que poderiam ser empregados diretamente no combate à pandemia do Coronavírus (Sars-Cov-2). Logo, não se apresenta como razoável pretender uma imediata equiparação de situações que envolvem créditos e devedores de natureza extremamente distinta.
Por outro lado, a 2ª (segunda) tese, a qual denominaremos, aqui, de “tese forte”, tem um viés mais voltado para a aplicação de regras jurídicas, pois busca o reconhecimento pelo judiciário do direito do contribuinte a uma moratória que, teoricamente, já foi prevista pela legislação por meio da portaria 12/12 do Ministério da Fazenda.
Basicamente, a portaria 12/12, editada à época pelo Ministério da Fazenda, hoje, Ministério da Economia, previu em seu art. 1º que, nas hipóteses de reconhecimento pelos Estados da Federação, de situação de calamidade pública em determinado(s) município(s), haveria a possibilidade de prorrogação do recolhimento dos tributos federais para o último dia útil do 3º mês subsequente.
Os contribuintes, então, amparados nos diversos decretos estaduais de calamidade pública exarados pelos governadores do Estados, os quais, em regra, têm abrangido todos os Municípios a eles vinculados, começaram a ajuizar ações no sentido de obter a prorrogação de recolhimento dos tributos federais com base na aplicação da portaria 12/12.
Nesse contexto, o principal argumento utilizado pelos contribuintes é o de que o art. 3º da portaria 12/12, impôs à RFB e à PGFN o dever de editarem os atos regulamentares necessários à fruição do direito à moratória. Dessa forma, como os referidos atos, até hoje, não foram editados, haveria uma omissão por parte das referidas autoridades, fato este que impediria os contribuintes de exercerem plenamente os seus direitos.
Observa-se, então, que há na legislação tributária vigente uma previsão expressa de moratória tributária, que autoriza os contribuintes a se beneficiarem da prorrogação do recolhimento dos tributos federais, desde que se verifique uma situação de calamidade pública devidamente reconhecida por meio de um Decreto Estadual.
Interessante notar que tal ato normativo, embora pendente de regulamentação, deve ser considerado como auto-aplicável, pois estabeleceu todas as condições que são necessárias para a fruição do benefício pelos contribuintes. Logo, ainda que o próprio ato legal estabeleça um dever direcionado à RFB e à PGFN no sentido de editar uma regulamentação, a sua ausência não poderá implicar em prejuízos ao contribuinte, sob pena de violação do princípio da proteção à confiança do contribuinte, que é corolário da segurança jurídica.
Por fim, devem ser afastados os argumentos sustentados pela Fazenda Nacional, para impedir a aplicação da portaria 12/12, sob a alegação de que, à época da sua edição, o ato normativo teve por escopo resguardar os contribuintes situados em Municípios que foram atingidos pelas fortes chuvas ocorridas à época. Não se pode admitir que a Fazenda Pública tenha a pretensão restringir, ao seu exclusivo alvedrio, o sentido da expressão “calamidade pública”, para abranger somente as situações que lhe parecerem mais convenientes.
Além disso, a eventual revogação da referida portaria, após a verificação dos requisitos necessários à sua aplicação em favor dos contribuintes, isto é, depois do reconhecimento mediante decreto, pelos Estados da Federação, de uma situação de calamidade pública, representaria uma grave violação a um direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF) dos contribuintes, considerando-se, ainda, que a medida foi outorgada em caráter geral (art. 155, CTN).
3. Considerações finais
Buscou-se por meio deste trabalho analisar, ainda que de forma sucinta, a aplicabilidade das principais teses jurídicas utilizadas pelos contribuintes para a obtenção da prorrogação do prazo de recolhimento dos tributos, em razão da situação trazida pela pandemia do coronavírus (Sars-Cov-2).
Para tanto, examinou-se, num primeiro momento, a tese que, aqui, denominou-se de “tese fraca”, já que se ampara numa aplicação pura e simples dos princípios constitucionais, para justificar a concessão de uma moratória tributária pelo Poder Judiciário, de forma excepcional, em virtude das circunstâncias trazida pela pandemia do Coronavírus (Sars-Cov-2).
Analisou-se, num segundo momento, a tese que, aqui, denominou-se de “tese forte”, a qual se ampara, simplesmente, na aplicação da portaria 12/20, que foi expedida pelo Ministério da Fazenda, a qual autoriza os contribuintes a se beneficiarem da prorrogação do recolhimento dos tributos federais, desde que se verifique uma situação de calamidade pública devidamente reconhecida por meio de um Decreto Estadual.
Observou-se, ao final deste trabalho, que a adoção pelos tribunais da “tese fraca”, para conceder, de forma irrestrita, uma espécie de moratória tributária judicial, não encontra sustentação no ordenamento jurídico vigente, pois resultará numa grave violação ao princípio da separação dos poderes e, no mais das vezes, dará ensejo à situações não isonômicas entre os contribuintes.
Rechaçou-se, ainda, o argumento de que a suspensão do pagamento, por alguns Estados da Federação, das parcelas mensais relativas à amortização de suas dívidas públicas com a União Federal, resultaria na necessidade de estender ou aplicar por analogia esse entendimento, no sentido de beneficiar os contribuintes em relação às suas dívidas tributárias.
Verificou-se, ainda, que a adoção pelo Poder Judiciário da “tese forte” não resultaria na concessão de uma moratório tributária judicial, mas, tão somente, reconheceria aos contribuintes um direito à moratória já previsto na legislação tributária. Reforçou-se, também, a auto-aplicabilidade da moratória prevista na portaria 12/20.
Pontuou-se, por fim, que não se pode admitir que a Fazenda Pública tenha a pretensão restringir, ao seu exclusivo alvedrio, o sentido da expressão “calamidade pública”, para abranger somente as situações que lhe parecerem mais convenientes, e que a revogação da portaria 12/20 representaria uma grave violação a um direito adquirido dos contribuintes, considerando-se, ainda, que a medida foi outorgada em caráter geral.
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1 Até o dia 30/30/2020, um número de 156 (cento e cinquenta e seis) ações sobre o tema foram ajuizadas no país, conforme levantamento realizado por William Freire Advogados Associados, cujo resultado foram 13 (treze) liminares deferidas, 19 (dezenove) liminares indeferidas e 114 (cento e quatorze) liminares pendentes de apreciação. Disponível: https://williamfreire.com.br
2 A Resolução nº 154/20, do Comitê Gestor do Simples Nacional, prorrogou os prazos para recolhimento dos tributos federais relativos ao Simples Nacional.
3 A Portaria nº 139/2020, do Ministério da Economia, prorrogou os prazos para recolhimento das contribuições previdenciárias, PIS/PASEP e COFINS.
4 Conferir a decisão proferida pelo juízo da 21ª vara Federal da SJDF nos autos do processo judicial eletrônico nº 1016660-71.2020.4.01.3400.
5 Conforme foi noticiado, no dia 29/03/20, pelo portal de notícias G1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/29/stf-suspende-dividas-de-alagoas-com-uniao-e-11-estados-ja-tem-debitos-suspensos-por-coronavirus.ghtml
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*Cleber Augusto de Souza Barbosa é advogado em Cleber Barbosa | Advocacia. Bacharel em Direito pela Unicap, especialista em Direito Tributário, Especialista (LL.M) em Direito Societário e bacharelando em Ciências Contábeis pela FIPECAFI.