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O impacto jurídico da pandemia do coronavírus no setor econômico e nas relações empresariais

A esfera privada vem, também, lidando com fortes repercussões, as quais reverberam diretamente em todo os tipos de empresas existentes, desde o pequeno ao grande empresário.

9/4/2020

 

A infecção pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2 - covid-19) vem aumentando, exponencialmente, sua abrangência territorial, acometendo, cada vez mais, um número maior de pessoas. Devido à grande disseminação geográfica da doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou a situação como pandemia, o que acabou por ocasionar consequências em diversos setores, sobretudo no da economia.

No Brasil, não foi diferente. A União, parte dos Estados e dos Municípios já decretaram estado de calamidade pública, fato esse que permite com que o chefe do Poder Executivo, responsável pelo ente federativo em questão, gaste mais do que o previsto e desobedeça às metas fiscais para custear ações de combate à pandemia.

No entanto, não só o cenário público sentiu os reflexos dessa doença. A esfera privada vem, também, lidando com fortes repercussões, as quais reverberam diretamente em todo os tipos de empresas existentes, desde o pequeno ao grande empresário.

Desta forma, cumpre assegurar a necessidade de uma breve explanação dessas repercussões no âmbito empresarial, visando a mitigação dos riscos existentes nesse período e a busca pela preservação dos interesses de nossos agentes econômicos.

I. DOS RISCOS INTERNOS DERIVADOS DA ABRUPTA INTERRUPÇÃO DOS SETORES ECONÔMICOS

Com o aumento dos casos de coronavírus no Brasil, as relações comerciais rotineiras tiveram que ser interrompidas. Nesse primeiro momento, diversas empresas estão impossibilitadas de exercerem sua atividade e de obterem novas receitas para manutenção do seu fluxo de caixa.

Logo, antes de mais nada, com intuito de se preservar, é necessário ao empresário conhecer seu ambiente econômico próximo, isto é, ter ciência da sua saúde financeira. Desta forma, patente se faz elaborar um balanço de todas as despesas e receitas dos últimos meses, com a finalidade de criar um processo de gestão empresarial1 e realizar uma projeção para os meses que virão. Não comprometer o fluxo de caixa já existente, classificar despesas fixas e enxugar o prescindível, são tipos de atividades que devem ser observadas.

De toda forma, vale ressaltar que estar inadimplente não significa que a empresa estará fadada à insolvência. Saldo negativo das contas, despesas elevadas e baixo faturamento não significam necessariamente o fim da linha. Com uma boa assessoria, é possível encontrar diversas maneiras para saldar os débitos existentes, reorganizar a estrutura e continuar com a atividade.

II. DAS REPERCUSSÕES DA COVID-19 AOS CONTRATOS

Sabe-se que toda atividade empresarial envolve, intrinsicamente, riscos. Esse elemento "risco", algo mensurável e que pode ser levado em consideração, compõe a própria operação econômica e se relaciona com a complexidade do negócio que é explorado pela empresa, sendo, inclusive, fato determinante, pela sua previsibilidade, para a tomada de decisões dos agentes.

Ocorre que a covid-19 elevou o patamar de risco para um ambiente de incerteza, fato que prejudicou o desenvolvimento da atividade empresarial. Com efeito, é esperado que muitas relações contratuais sejam inadimplidas, suspensas ou até mesmo encerradas.

Todavia, nem tudo está perdido. O direito brasileiro amparou situações excepcionais como essas quando delimitou no Código Civil, a ocorrência do caso fortuito ou de força maior2.

Esses dois institutos possuem lastro na doutrina estrangeira, sendo popularmente conhecidas como "Acts of God" (atos de Deus) e force majeure (força maior), uma vez que eram usadas quando a ocorrência de um desastre natural refletisse diretamente em um contrato. Nesse sentido, tais conjunções balizam, tanto na doutrina estrangeira quanto na nacional, que, a parte de uma relação contratual, prejudicada com a ocorrência de um fato extraordinário, inesperado e incontrolável, não seja, ainda, onerada excessivamente pela necessidade de cumprimento da obrigação assumida. Evidencia-se, portanto, uma clara hipótese de elisão de responsabilidade civil, em virtude da ausência de nexo de causalidade entre o ato e o dano, uma vez que o ato terá como agente causador, terceiro alheio a relação contratual.

Destarte, analisando o panorama atual, resta congruente dizer que tanto a pandemia do vírus (evento fortuito), como os atos que dela emanam (derivados de força maior, como por exemplo, o fechamento de estabelecimentos comerciais e a necessidade de isolamento social), caso venham a afetar um contrato existente, culminando na impossibilidade de reciprocidade obrigacional entre as partes, poderão, observadas as peculiaridades inerentes a cada caso, ser considerados como hipóteses de caso fortuito ou força maior.

Nesse toar, uma vez verificada a influência desses acontecimentos na relação contratual, a nossa legislação, de modo geral, mas não limitado – excluindo, nesse momento, as possíveis hipóteses previstas em legislações especiais, as quais serão aplicadas a depender do tipo de contrato e matéria -, prevê as seguintes alternativas:

(a)      Caso haja interesse na extinção. A capacidade da parte inadimplente de resolver o contrato, sem que tenha que responder pelos prejuízos derivados da impossibilidade de cumprimento ou pela mora e juros resultantes;

(b)      Caso haja interesse na manutenção. A faculdade das partes modificarem, de comum acordo, as disposições contratuais, com fim de trazer condições equitativas; e

c)       Caso haja interesse na manutenção, mas impossibilidade de acordo entre as partes. A alternativa da parte inadimplente de pleitear, judicialmente, que a sua prestação seja reduzida ou que seja alterado o modo de executá-la.

Contudo, tal preceito de aplicação não é absoluto. Como já apontado, resta indispensável, para efeitos de enquadramento do caso fortuito ou de força maior, a análise do contrato e de seus termos, bem como do próprio inadimplemento, com fim de evidenciar: (i) o momento que esse aconteceu; (ii) o contexto da obrigação; e (iii) o vínculo entre o evento e o descumprimento contratual da parte.

Além disso, cabe ao intérprete do contrato visualizar, também, se o caso fortuito ou força maior a ser alegado para escusa do adimplemento da obrigação, afeta somente uma das partes ou todas as partes do contrato. Tal análise é importantíssima, haja vista que alegações recíprocas de excludente de responsabilidade por caso fortuito ou força maior, na mesma relação contratual, poderão se anular. É o caso, por exemplo, da situação atual dos shoppings centers. O lojista buscará alegar a ocorrência de caso fortuito ou de força maior para se esquivar de pagar os alugueis ao condomínio enquanto o shopping estiver fechado. Por outro lado, o condomínio, alegará que, ao ser obrigado a fechar o centro comercial, estava agindo de acordo com as determinações emanadas pelo Poder Público, o que também o torna como parte atingida pelo caso fortuito/força maior. Diante de tal cenário, caberá a boa-fé das partes para que negociem um ponto de equilíbrio aos seus interesses.

Por fim, ressalta-se que o tema do caso fortuito e de força maior não é questão pacífica na doutrina e na jurisprudência, razão pela qual é fundamental a análise do contexto fático e dos pormenores do caso concreto, a fim de demonstrar, cabalmente, a forma que o covid-19 impossibilitou o cumprimento da obrigação ou tornou o contrato excessivamente oneroso.

III. COVID-19 E OS CONTRATOS SOCIETÁRIOS

Ademais, ao focar nos instrumentos contratuais societários, como de aquisição de participação societária, investimentos e de constituição de joint venture, destaca-se a necessidade para os seguintes pontos.

Primeiramente, é importante identificar a fase da operação:

(i)           Negociação. Nessa fase será muito mais fácil para as partes estipularem cláusulas que comportem as necessidades de cada uma durante o período pandêmico do coronavírus. Outro ponto interessante a ser destacado é que, como possivelmente não haverá instrumento particular vinculativo, as partes, caso queiram, poderão optar pela desistência da operação, sem que tal fato acarrete a incidência de ônus;

 (ii)          Assinatura (Signing). A fase da assinatura já exige um pouco mais de cautela. Inicialmente, é necessário saber todos os contratos até então assinados e suas disposições. Além disso, como as tratativas já se encontram em estágio mais avançado, será comum encontrar previsões acerca de assunção de casos fortuitos ou de força maior, bem como de ônus contratuais, haja vista o intuito protetivo às partes até a data de fechamento do negócio e aporte de recursos. No entanto, a análise da documentação é imprescindível, uma vez que, não havendo previsão de ônus e/ou de assunção de riscos, resta possível a extinção e/ou aditamento da operação.

(iii)        Fechamento (Closing). Com o fechamento da operação, as partes, via de regra, já terão satisfeito suas obrigações, razão pela qual não se vislumbra, em um primeiro momento, a possibilidade de extinção da operação. Contudo, a depender, é possível a estipulação, mediante acordo entre as partes, de novas disposições com intuito de tornar a operação o mais equitativa possível.

Para mais, importante observar o panorama também pelos princípios da função social do contrato e a boa-fé objetiva, característicos de toda relação contratual, visto que, se violados, poderão levar a uma suposta invalidade da operação.

Ante o exposto, conclui-se que, para identificar se determinada parte pode ou não, se valer da excludente de responsabilidade, há de ser avaliar, no caso a caso, (i) a fase da operação; (ii) os instrumentos contratuais pactuados; e (iii) as disposições contratuais regedoras, tais como condições gerais do negócio, se a cláusula de exoneração por caso fortuito ou força maior está prevista no contrato e, em caso afirmativo, como é definida, entre outros pontos.

IV. SOLUÇÃO ADEQUADA DE DISPUTAS

Toda relação contratual se desenvolve de forma absolutamente interligada com os métodos de solução de suas disputas. Cada assunto, cada divergência contratual, pode ser resolvida ou superada de forma específica. Uma cláusula contratual que prevê a negociação assistida ou a mediação, é uma útil ferramenta jurídica preventiva, apta a aparelhar adequadamente as operações comerciais e negócios complexos celebrados por agentes empresariais.

Outrossim, mesmo ausente de disposição resolutória específica, havendo a possibilidade, devem as partes optar pela convergência de interesses, uma vez que será sempre a melhor opção.

V. CONCLUSÕES

Por fim, ao fazer uma análise histórica, é possível verificar que, dentre todos os acontecimentos que marcaram a humanidade até hoje, a pandemia do coronavírus pode estar inserida dentre eles.

Outrossim, embora não seja possível prever como os efeitos jurídicos decorrentes da pandemia do covid-19 serão tratados pelos tribunais, a necessidade de salvaguarda do interesse particular, através de uma criteriosa e completa análise do caso concreto, é fator inderrogável e determinante para o êxito e procedência de qualquer pleito que possa vir a surgir, seja na esfera extrajudicial ou judicial, relacionado a pandemia do coronavírus.

A busca por uma boa assessoria, nesse momento, deve ser levada em consideração mais do que nunca.

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1 O processo de gestão é, na realidade, um grande processo de controle gerencial focado na otimização do resultado econômico da organização. Seu objetivo maior é o de assegurar o alcance da eficácia empresarial. Ele está estruturado com base no ciclo: planejamento, execução e controle.

2 Código Civil. Art. 393, 478, 479 e 480.

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*Raphael A. Ruas é advogado OAB/PE. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especializado em Teoria Geral dos Contratos pela Harvard Law School (Summer School), pós-graduando em Direito Societário (LL.M) pela FGV e graduando em Ciências Contábeis pela FIPECAFI/SP.

*Maria Stella Silva Oliveira é graduanda em Direito no Centro Universitário AESO Barros Melo – Uniaeso. Estagiária de escritório de advocacia e da Junta Comercial do Estado de Pernambuco.

 

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