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Os contratos locatícios e seus reflexos ante o coronavírus

Alguns empresários estão atentos não apenas as medidas emanadas pelos governos federal, estaduais e municipais, mas também com um olhar voltado as possibilidades de readequarem suas relações comerciais privadas no intuito de minimizar os efeitos causados pela pandemia

9/4/2020

Os reflexos consequentes da pandemia do coronavírus afetam diretamente a saúde das pessoas físicas e a saúde financeira de várias pessoas jurídicas, fato este que tem provocado uma nova forma de interpretar as relações humanas e empresariais. O novo cenário que vivemos exige muito mais do que um olhar firme, mas também uma maior flexibilidade e sensibilidade ao novo contexto atual.

Ante as orientações de líderes mundiais de saúde que recomendam o isolamento social, muitas empresas tiveram que fechar suas portas e amargar um período de incertezas sem saber como poderão lidar com as obrigações que já em “período de normalidade” são barreiras duras de transpor.

Nessa conjuntura, alguns empresários estão atentos não apenas as medidas emanadas pelos governos federal, estaduais e municipais, mas também com um olhar voltado as possibilidades de readequarem suas relações comerciais privadas no intuito de minimizar os efeitos causados pela pandemia. Dentre essas relações, iremos abordar a possibilidade legal de renegociar os contratos de locação comercial face ao coronavírus.

Preliminarmente, cumpre-nos salientar que a anormalidade causada pelo surto epidêmico nos deve levar ao bom senso nas relações locatícias. Afinal, como se exigir valor igual daquele que teve arrebatado o seu direito de explorar sua própria atividade comercial?

Embora, não raro, nos depararmos com contratos de locação que detenham previsão expressa de renúncia “ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação”, nos termos do art. 54-A, §1º da Lei de Locações, nenhum fato é impeditivo à livre pactuação que difira dos termos iniciais, considerando, pois, que os contratos são acordos de vontades entre as partes.

Não é demais enfatizar, que em momentos de graves infortúnios, exigir bom senso das partes é primordial para garantir a continuidade e viabilidade da relação firmado em momento anterior que difere por completo do atual.

Em uma análise modesta, inequívoco é o fato de estarmos diante de caso fortuito ou força maior, com previsão expressa no art. 3931, parágrafo único, do Código Civil, com o consequente rompimento do nexo causal nas obrigações e responsabilidades advindas das relações locatícias.

Ademais, mesmo que exista uma lei específica que regula às relações locatícias, tal momento é oportuno para suscitar a teoria da imprevisão como forma de embasar a revisão dos contratos locatícios. Nosso Código Civilista explicita em seu art. 317 do Código Civil que:

“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Assim sendo, superada a fase de diálogo entre as partes e não se chegando a um consenso quanto aos novos termos contratuais, o locatário poderá requisitar judicialmente a resolução do contrato, com base no art. 478 do Código Civil (teoria da onerosidade excessiva), que dispõe:

“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Em uma outra vertente, as partes também poderão ainda se utilizar de um ajuste contratual, pactuando um desconto por um prazo específico e determinado ou simplesmente uma prorrogação do pagamento do valor para período posterior.

Em última hipótese, sendo necessário e vontade do locatário permanecer naquele imóvel, o qual já se encontra por três anos ou mais sob sua posse, há possibilidade (com previsão e amparo legal) de propor uma ação revisional de aluguel. Nesse aspecto, o locatário deverá comprovar de forma inequívoca que o valor cobrado está desproporcional e não condizente com o valor de mercado e o atual momento vivido.

Por longe de ainda estarmos do pico desta crise, imprescindível se faz uma nova releitura do mercado imobiliário que, sem sombra de dúvidas, sofrerá os impactos advindos desse vírus.

Priorizar o bom senso de manter uma locação, mesmo sob novos valores e condições, certamente, é bem menos danoso que ter seu imóvel desocupado por um período incerto.

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1 art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

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*Felipe de Albuquerque Bezerra é advogado graduado na Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Especialista em Direito e Processo Tributário e militante nas áreas do Direito Empresarial e Imobiliário.

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