Diante do atual cenário conturbado, o presente artigo tem o intuito de consolidar os principais impactos causados pela covid-19 no Direito Tributário, seja na esfera judicial, extrajudicial ou meramente procedimental.
Em que pese o sacrífico de consolidar inúmeras medidas num minúsculo espaço de tempo, os apontamentos tecidos abaixo se limitam às principais medidas concretas e procedimentais adotadas por todas as esferas governamentais, abarcando, brevemente, propostas em andamento e sugestões de estudiosos para minimizar o impacto econômico.
1. Esfera Federal
A começar pelos atos normativos já consolidados, perceber-se-á abaixo que aqueles estabelecidos em âmbito Federal abarcam quase todo o presente artigo, dada a postura ativa que se exige do chefe do Executivo e a abrangência dos tributos federais.
Nessa seara, a edição da MP 924/20 em 13 de março de 2020 deu o pontapé inicial ao combate da pandemia. A MP abriu crédito extraordinário em favor dos ministérios da Educação e da Saúde no valor de R$5,099 bilhões.
Em seguida, publicou-se o decreto legislativo 6/20 reconhecendo o estado de calamidade pública, conforme requerido pelo presidente da República, com efeitos até o dia 31 de dezembro de 2020.
Sem alterar o foco – que cabe ao Direito Financeiro -, importante citar que com a decretação do estado de calamidade pública se faz possível o descumprimento das metas fiscais, bem como a possibilidade de dispensa de limitação de empenho no caso de frustração das receitas.
Isso significa que, no momento em que se dispensa o atingimento de metas fiscais, afasta-se a responsabilidade do gestor em gastar desconforme o planejado, dando margens à aplicação dos recursos necessários ao combate da covid-19.
Por outro lado, aumentam as chances das pedaladas fiscais pelo descumprimento de ordem formal na abertura do crédito. Por isso, a edição da MP 924/20 e a decretação da calamidade pública estão intimamente relacionadas.
Dando sequência, ainda no âmbito Federal, o ministério da Economia por meio da portaria 103/20 autorizou a PGFN a adotar providências para suspender cobrança de tributos e facilitar renegociação das dívidas.
Nesse sentido, a PGFN editou duas portarias, sendo a primeira 7.820/20 regulando a transação tributária extraordinária e a segunda 7.821/20, suspendendo os atos de cobrança.
Longe de esgotar o assunto, a portaria PGFN 7.820/20 aponta, dentre outras medidas, o pagamento da entrada de 1% do total dos débitos transacionados e o parcelamento do saldo remanescente em até 81 vezes para pessoas jurídicas ou 97 vezes para pessoas físicas, empresários individuais, microempresa ou empresas de pequeno porte.
Ademais, importante enaltecer que a adesão implica em sacrífico por parte do contribuinte nas ações judiciais em curso, inclusive manutenção automática dos gravames em execução fiscal e medida cautelar fiscal, senão vejamos:
Art. 5º A adesão à proposta de transação relativa a débitos objeto de discussão judicial fica sujeita à apresentação, pelo devedor, de cópia do requerimento de desistência da ações, impugnações ou recursos relativos aos créditos transacionados, com pedido de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea "c" do inciso III do caput do art. 487 da lei 13.105/15 - CPC.
Art. 6º A adesão à transação extraordinária proposta pela PGFN implica manutenção automática dos gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas administrativamente ou nas ações de execução fiscal ou em qualquer outra ação judicial.
Por sua vez, a portaria PGFN 7.821/20 suspendeu por 90 dias os atos de cobrança, tais como: os prazos para impugnações e recursos administrativos no âmbito do processo de reconhecimento de responsabilidade (PARR), prazo para apresentação de garantia antecipada e pedido de revisão de dívida inscrita.
Contudo, apesar das medidas adotadas serem recentes, todas elas corriam o risco de perder a validade. Isso porque, as portarias supramencionadas possuem embasamento na conhecida MP 899/19 (MP do Contribuinte Legal) com prazo final para conversão em lei na data de hoje (25/03).
Em tempo, no dia 18/03 a Câmara dos Deputados aprovou a MP com duas emendas, propondo o fim do voto de qualidade no CARF e prevendo o bônus de produtividade e eficiência aos auditores, no limite de até 80% do salário base do cargo do servidor.
Em contrapartida, apesar do Senado Federal aprovar a MP no dia 24/03, acolheu apenas uma das duas emendas aglutinadas pela Câmara, retirando o bônus de produtividade e ratificando o fim do voto de qualidade no CARF. Isto significa que, sucintamente, no caso de empate dos votos, o contribuinte sairá vencedor.
Apesar da emenda favorecer os contribuintes, a referida mudança será alvo de muitas críticas pelos juristas que militam na área, dada a impossibilidade da Fazenda Pública recorrer ao Judiciário no caso de derrota no âmbito administrativo.
Nessa esteira, ainda que o projeto de conversão em lei aguarde a sanção presidencial, importante enaltecer a seriedade e urgência que o Congresso Nacional tratou o tema, pois, além da MP 899/19 envolver a validade de outros atos normativos, é também medida essencial ao enfrentamento da crise econômica vivenciada.
Superado o assunto, o foco se altera para as obrigações acessórias e regimes de tributação. Em 18/03, o CGSN - Comitê Gestor do Simples Nacional editou a resolução 152/20 prorrogando o prazo de pagamento dos impostos federais das competências de abril, maio e junho, no âmbito do Simples Nacional, para outubro, novembro de dezembro.
A referida medida engloba os empresários individuais, mas não abarca os impostos estaduais e municipais. Porém, cabe aqui consignar que, ao menos em âmbito municipal, o prefeito do município de Pouso Alegre, Rafael Simões, encaminhou projeto de lei à Câmara para: suspender por três meses as taxas municipais; prorrogar o imposto municipal cobrado no Simples Nacional e; afastar a incidência da atualização monetária no IPTU de 2020.
Não obstante, no momento em que o presente artigo é tecido, o CGSN aprovou a resolução 153/20 que prorroga para o dia 30/06/2020 o prazo para apresentação da DEFIS e DASN-Simei do ano-calendário de 2019.
Para aqueles que militam na área trabalhista, sabem o impacto e a polêmica que a MP 927/20 causou. Entretanto, ainda que a maior parte do conteúdo normativo diga respeito ao Direito do Trabalho, possui verdadeiro impacto tributário.
Com efeito, notam-se três artigos que possuem influência na rotina dos empresários e da própria administração fazendária, conforme regras normativas colacionadas abaixo:
Art. 19. Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.
Art. 23. Fica suspensa a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de 120 dias, contado da data de entrada em vigor desta MP.
Art. 25. Os prazos dos certificados de regularidade emitidos anteriormente à data de entrada em vigor desta MP serão prorrogados por 90 dias.
Como se percebe, o art. 19 prevê a suspensão da exigibilidade do FGTS das competências de março, abril e maio, o art. 23 suspende a contagem do prazo prescricional dos débitos do FGTS por 120 dias, contados da vigência do diploma legal e o art. 25 prorroga a validade dos certificados de regularidade por 90 dias, para aqueles emitidos anteriormente à entrada em vigor da MP.
Nesse sentido, nota-se que a MP prioriza tanto a redução dos impactos econômicos empresariais, quanto a rotina administrativa da administração fazendária na cobrança das dívidas tributárias e não tributárias.
Por outro viés, concretizando o pacote de medidas publicado, o ministério da Economia editou alguns atos para preservar a economia brasileira. O primeiro deles se encontra na resolução CODEFAT 851/20 que libera R$5 bilhões de crédito para ME e EPP pelo PROGER/FAT.
O segundo se trata da concretização da redução da alíquota do Imposto de Importação (II) a zero para produtos médico-hospitalares a serem utilizados no combate a covid-19, nos termos da resolução CAMEX 17/20. A referida redução engloba cerca de 50 itens.
Em sentido complementar, a RFB - Receita Federal do Brasil editou a IN 1.927/20 para facilitar o desembaraço aduaneiro dos itens abrangidos pela redução do II. A medida se justifica na urgência para despachar as mercadorias, evitando, assim, gargalos nos recintos portuários.
Esgotando a série de medidas tomadas em âmbito federal, a PGFN e a RFB editaram a portaria conjunta 555/20 prorrogando a validade das certidões de regularidade fiscal das dívidas tributárias federais e as inscritas em dívida ativa da União, englobando as certidões positivas com efeito de negativa.
Por fim, após insistência de órgãos de classe como a OAB, a RFB editou a portaria 543/20 suspendendo temporariamente os atos processuais e administrativos, tais como a emissão eletrônica automática de aviso de cobrança, intimação para pagamentos, notificação de lançamento e exclusão de parcelamentos.
2. Esfera Estadual
Esgotadas as decisões concretas federais, no âmbito Estadual a situação é exatamente oposta. Até o presente momento, não há ato normativo no âmbito do CONFAZ que reduza os impactos tributários relacionados ao ICMS.
Singularmente, a justiça federal do Distrito Federal chegou a deferir liminar permitindo que o referido Estado isente o ICMS ou reduza sua base de cálculo nas compras ou importações de álcool gel e outros produtos necessários ao combate da covid-19.
De acordo com o juiz federal Rafael Soares, da 25ª vara Federal do DF, a medida não corrobora para a guerra fiscal, pois perdurará até o fim de 2020 e reduz apenas a alíquota interna.
Apesar da Câmara Legislativa aprovar com unanimidade a benesse, no âmbito do CONFAZ a iniciativa foi barrada. Na votação realizada, de 17 Estados, 8 foram a favor e 9 contra, posição esta inclusive adotada por Minas Gerais.
Além dessa tentativa isolada, outra é visualizada no pedido realizado pelo COMSEFAZ - Conselho Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do DF encaminhado ao ministro da Fazenda para liberação da quantia de R$14 bilhões mensais para enfrentar a crise.
A justificativa é de que o valor servirá para cobrir os prejuízos com a arrecadação do ICMS que gira em torno de 20%, além dos gastos extras com a saúde. Outrossim, o valor acobertará perdas com fundo de participação, royalties e participações especiais. Não obstante, são endossados com pedidos de suspensão do IPVA, ICMS e Simples Nacional.
Já nas relações entre os entes federados, a União concretizou o ato de suspensão das dívidas estaduais pelo prazo de 6 meses, conforme previsto no pacote de medidas do ministério da Economia.
3. Esfera municipal
A respeito das soluções em âmbito municipal, em razão da particularidade lógica, o artigo se limita a citar que no Município de Pouso Alegre o prefeito encaminhou projeto de lei à Câmara para: (i) suspender taxas municipais por 3 meses; (ii) afastar a incidência da correção monetária do IPVA de 2020 e; (iii) conceder moratória do ISS no âmbito do Simples Nacional.
4. Mudanças procedimentais
Traçadas as principais mudanças legislativas para o combate da pandemia, cabe delinear as principais mudanças procedimentais nos órgãos governamentais, a ponto de auxiliar os profissionais da área.
Entre os dias 15 e 20 de março, membros do Judiciário, procuradores, advogados, defensores e promotores se encontravam num limbo jurídico acerca dos prazos processuais.
O principal motivo da insegurança jurídica pairava sobre as inúmeras edições de resoluções, memorandos e provimentos no âmbito dos tribunais superiores e regionais, ora suspendendo prazos processuais, ora suspendendo atendimentos presenciais e audiências etc.
A começar pelo STF, a Corte editou a resolução 663/20 estabelecendo restrições de acesso ao plenário e às turmas, suspendendo atendimentos presenciais e privilegiando trabalho remoto do grupo de risco.
Mas qual a relação da resolução acima com o impacto tributário?
Ao que tudo indicava, o STF ainda continuaria realizando as sessões e cumprindo as pautas de julgamento. Assim, mesmo após a edição da resolução 313/20 do CNJ que suspendeu todos os prazos processuais no âmbito do Judiciário até 30 de abril, o julgamento da modulação dos efeitos da decisão que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS permanecia incólume.
Porém, o julgamento definitivo do tema que perdura há mais de 20 anos na Corte, marcada para o dia 1º de abril, foi excluída da pauta pelo ministro Dias Toffoli, a pedido da ministra Carmem Lúcia relatora do caso, contrariando as expectativas e exigindo da comunidade jurídica o exercício - que beira a perpetuidade - da complacência.
No âmbito do STJ, editou-se a resolução 5/20 suspendendo o atendimento presencial de serviços não essenciais e os prazos processuais entre os dias 19/3 e 17/4.
No TST, houve a suspensão dos prazos processuais e sessões presenciais de julgamento entre o dia 17/3 e 31/3, conforme ato 126/20.
Em razão da insegurança jurídica vivenciada, o CNJ editou a resolução 313/20 suspendendo todos os prazos processuais até o dia 30/4, com exceção de demandas urgentes, questões da justiça eleitoral e o STF - daí o motivo de tamanha expectativa para o julgamento da modulação dos efeitos do ICMS na BC do PIS/COFINS.
No âmbito do CARF, após a publicação de portarias limitando o acesso ao plenário, vedação de visitação e atendimentos presenciais, liminar suspendendo julgamentos nos dias 17, 18 e 19 de março, suspensão das atividades de abril com a manutenção daquelas marcadas para março (portaria 7.519/20), finalmente houve a publicação da portaria 8.112/20 suspendendo os prazos processuais até 30 de abril, alinhando com o CNJ.
Por sua vez, a RFB editou a portaria 543/20 suspendendo os atos administrativos e processuais, mas mantendo alguns serviços como regularização do cadastro de pessoa física, cópia dos documentos da DIRF e DIRPF.
Em que pese todos os atos normativos e procedimentais citados neste artigo, algumas questões ainda estão pendentes de solução, como a prorrogação do prazo para cumprimento das obrigações acessórias, tais como DIRPF, DCTF-mensal, EFD-contribuições, ECD-contábil, GFIP, RAIS, EFD-Reinf e SPED Fiscal, conforme ofício encaminhado pela OAB.
Tributaristas apontam que as medidas mais eficazes para o momento não devem parar na concessão de moratórias, estimulando também a redução das alíquotas e concessão de isenções, a exemplo do II.
Ademais, dada a perda do fluxo de caixa pelas empresas, sugestões como a suspensão temporária da adoção do regime de competência, incidência monofásica e substituição tributária ganham foco, bem como a adesão temporária ao regime de caixa para apuração do PIS e da COFINS até atenuação dos efeitos, possibilitando recolhimento com base no volume de atividade.
Por fim, dentre as medidas apresentadas pelo ministério da Economia, ainda estão: a redução de 50% das contribuições ao sistema S, pelo prazo de 3 meses, assim como o corte temporário do IPI para produtos médico-hospitalares necessários ao combate da covid-19.
O cenário é delicado, mas mantido o ritmo na contenção dos riscos e impactos negativos econômicos, principalmente aqueles relacionados ao ICMS - que carecem de ato normativo até o momento -, o cenário tributário tende a se recuperar de maneira célere e eficaz.
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*Sávio Luiz Santos Delfino é sócio do escritório Delfino, Siega & Fernandes - Sociedade de Advogados.