A crise do coronavírus (Covid-19) vai afetar enormemente o fluxo de caixa de escritórios de advocacia colocando em risco a própria continuidade do negócio.
Certamente clientes não conseguirão quitar suas faturas nos próximos meses. Alguns pedirão a suspensão imediata dos contratos; outros a redução ou a postergação da mensalidade. Infelizmente alguns clientes deixarão seu escritório por simplesmente terem quebrado.
Além disso, dificilmente alvarás judiciais para levantamento de honorários de sucumbência ou pedidos de levantamento de depósitos judiciais serão liberados neste período de quarentena. Embora o CNJ tenha garantido que estes serviços continuam, é bom você não contar com este dinheiro no curto prazo.
Honorários de arbitragens também serão afetados, já que certamente a parte devedora deve estar no mesmo dilema de tantas outras empresas: priorizar seus gastos. E seguramente os honorários do advogado que a derrotou não deve ser uma delas.
Se prepare porque as receitas irão diminuir. E muito.
Mas as despesas continuarão ativas. Salários, fornecedores, aluguel. Tributos, assinaturas e patrocínios. São de todo tipo, de tudo quanto é valor e não irão parar de chegar durante a crise.
Diante deste cenário em que as receitas tendem a diminuir e as despesas não, o que fazer?
A primeira coisa é saber que decisões difíceis deverão ser adotadas para administrar os problemas financeiros.
Não me refiro a corte de funcionários. Sob o ponto de vista financeiro de curtíssimo prazo até seria uma decisão esperada, já que a folha de pagamento representa a maior parte das despesas de um escritório.
Mas o time é o que mais devemos buscar preservar neste momento. Não apenas porque estamos falando de famílias que dependem do escritório para se manter, mas também porque quando a crise acabar - e vai passar - os serviços jurídicos voltarão com tudo e você precisará contar com a equipe ao seu lado para atender as necessidades dos clientes.
Assim como muitos dos leitores, meu escritório já está sendo financeiramente afetado pela crise do covid-19.
Fui contatado por um importante cliente que pediu para reduzir a mensalidade em 43%. Antes da quarentena, outro já havia comentado em reduzir os valores em 37%. Mas o trabalho continuará o mesmo; e as despesas, também.
Me desesperar não é a solução. Tampouco tomar decisões no calor da emoção.
Como sócio responsável pela área financeira do escritório, tendo passado por crises desde que fundei o escritório, e superado-as todas, gostaria de compartilhar algumas posturas que estamos adotando para minimizar o impacto e garantir a superação deste momento crítico.
Seu caixa e reservas de emergência
A primeira coisa a se fazer é saber por quanto tempo seu caixa atual sustenta a operação como ela funciona hoje. Ou seja, quanto tempo até o dinheiro acabar você conseguirá pagar todas suas despesas e custos atuais sem ter que mexer em nada.
Uma semana? Um mês ou dois? Esteja com o número na mão, pois você precisará simular alguns cenários.
Considere o cenário de seu escritório não ter nenhuma receita nos próximos dois meses. Considere também que no terceiro e quarto mês você terá 50% das receitas atuais. Parece extremo, mas precisamos estar preparados.
Neste exemplo, suas receitas sem a crise são de R$ 80 mil/mês (março/2020) e suas despesas são de R$ 70 mil reais/mês. Você possui R$ 150 mil reais em caixa.
Caso a receita seja zero nos dois primeiros meses (abril e maio), seu escritório precisará usar o saldo em caixa para manter a operação funcionando. Sobrará, ao final de maio, R$ 10 mil reais.
Em junho, considerando uma melhora na economia e recebendo 50% de suas receitas originais, seu escritório já fechará o resultado em R$ 20 mil reais no negativo. Não terá recursos suficientes para pagar todo o gasto do mês.
No mês de julho, o prejuízo aumenta em mais R$ 30 mil reais, fechando o ciclo com R$ 50 mil reais negativos. Sem empréstimos de terceiros ou sem que os sócios tenham que fazer aportes de recursos próprios, o escritório não se sustentará.
Por isso é importante que, em paralelo, você avalie suas reservas financeiras. Geralmente elas ficam aplicadas em bancos e corretoras de valores e servirão para ajudar nestes momentos.
Mas atenção: você precisa conferir a liquidez de cada investimento. Ou seja, o prazo de resgate.
Não basta saber quanto você tem aplicado, porque determinadas modalidades de aplicação - como fundos multimercado, por exemplo - têm liquidez de 30 dias.
Isso significa que se você pedir para resgatar o dinheiro da aplicação hoje, terá o recurso disponível em conta apenas daqui 30 dias (D+30), não sendo suficiente para uma medida emergencial.
Aqui segue um controle simples dos investimentos:
Modalidade |
Valor |
Prazo Resgate |
Fundo XXX |
R$ XXXX |
D+30 |
CDB YYY |
R$ XXXX |
D+1 |
LCA ZZZ |
R$ XXXX |
365 dias |
Poupança |
R$ XXXX |
Diária |
Então liste o valor das reservas por tipo de aplicação e o prazo de resgate para que você consiga se programar em eventual emergência. O covid-19 pode ser o momento para usar.
Avalie todos seus gastos
Outro importante ponto de atenção que temos que analisar cuidadosamente são os gastos do escritório (custos e despesas). Um por um.
Certa vez ouvi de um controller que “gastos são iguais a unhas, devemos cortá-las constantemente. Se você deixar crescer muito, terá de cortar tudo de uma vez e irá machucar o dedo.”
Mais do que nunca é hora de cortar a unha e, sim, irá machucar um pouco. O momento exige sacrifícios.
Eu sugiro então começar verificando quais são os gastos imprescindíveis para seu escritório continuar funcionando. Salários? Software de gestão? Aluguel de impressora?
Quais são os gastos que são importantes, mas não essenciais para seu escritório sobreviver durante a crise? Contabilidade? Tributos? Marketing?
Quais são os gastos desnecessários neste momento e que podem ser suspensos ou cancelados? Distribuição de lucros? Assinaturas e patrocínios?
Sugiro fazer uma tabela listando cada item individualmente e classificando-o numa ordem de prioridade (do tipo ABC) para que você possa adotar as posturas necessárias, como prorrogar, reduzir, suspender ou cancelar. Insira também o valor mensal e o andamento atual da providência que resolveu seguir.
Abaixo segue um exemplo:
Itens |
Valor Mensal |
Ato |
Prioridade |
Status |
Aluguel |
R$ XXX |
Reduzir |
A |
Reunião com proprietário agendada |
Condomínio |
R$ XXX |
Prorrogar |
B |
Síndico avisado |
Tributos |
R$ XXX |
Suspender |
C |
Falar com contador |
Ter o controle detalhado dos gastos servirá para decidir o que precisará ser priorizado em cada momento durante a crise.
Leve em consideração que sua decisão, embora possa soar impopular para alguns, pode significar a sobrevivência do escritório neste período.
E lembre-se que nada disso é definitivo. São medidas emergenciais e que, superada a crise, você poderá - e deverá - revê-las.
Avalie suas receitas
É fato que todas as empresas serão afetadas pela crise. Umas mais, outras menos. Umas muito mais...
Mas é consenso que a economia será prejudicada como um todo, no curto e médio prazos.
Com a quarentena decretada alguns segmentos já estão sendo impactados, como é o caso do setor de turismo, companhias aéreas, varejo não alimentar e vestuário.
Outros setores, como indústrias, bebidas, serviços de óleo e gás, por exemplo, tem exposição ao risco que eu classifico, no momento, como média (não quer dizer que eu esteja certo).
Aluguéis, equipamentos, transporte de cargas, materiais de construção: o impacto na minha visão é ainda mais moderado.
Sabendo disso, como o escritório de advocacia depende da capacidade de pagamento de seus clientes, sugiro classificar a exposição de cada cliente à realidade da crise.
Qual é a chance do seu cliente ser afetado e, com isso, comprometer o pagamento dos seus honorários já no próximo mês? alta, média, baixa.
Qual é o valor da receita recorrente destes clientes?
Poderíamos ilustrar a classificação da seguinte forma:
Cliente |
abr./2020 |
Exposição |
Motivo |
XPTO Ltda. |
R$ XXXX |
Média |
Serviços para Terceiros |
ACBD EIRELI |
R$ XXXX |
Alta |
Turismo |
XYZ S/A |
R$ XXXX |
Alta |
Companhia Aérea |
RSTU Ltda. |
R$ XXXX |
Baixa |
Serviços para Construção Civil |
PF |
R$ XXXX |
Média |
Pessoa física, pode ter renda comprometida |
Se possível, converse com seus clientes pois esta análise permitirá prever o impacto no caixa de seu escritório de modo mais real.
Antecipação de Recebíveis e Linhas de Crédito
Sabe aqueles honorários de sucumbência que estão parados há tempos no Judiciário? Ou aqueles honorários contratuais que você está cobrando em uma ação de execução? Ou ainda, as parcelas futuras de um contrato mensal recorrente?
Então, você pode vender esses créditos para uma factoring, um banco ou até para um fundo de investimento como forma alternativa de curto prazo para resolver o problema de capital de giro e fluxo de caixa de seu escritório.
A antecipação de recebíveis é um modo de financiamento em que o escritório transfere a terceiro um determinado estoque de créditos (recebíveis). Por sua vez, o terceiro disponibiliza o crédito de forma imediata – aplicando um desconto sobre o seu valor.
Haverá um deságio (ex: o crédito é de R$ 10 mil reais e o banco pagará R$ 6 mil reais), mas em momentos difíceis deve ser uma opção a ser considerada.
Outra saída é buscar uma linha de crédito com uma instituição financeira. Basicamente, é empréstimo de dinheiro para determinadas finalidades, como capital de giro, conta garantida, etc.
Cada banco possui suas próprias linhas de crédito, destinadas a públicos específicos e com valores que variam de instituição para instituição. O governo Federal, no pacote de ajuda do covid-19, já anunciou que irá viabilizar condições especiais para o financiamento de capital de giro para os afetados.
Formar um comitê de crise
Junte os sócios e demais profissionais que estão envolvidos na gestão do escritório e implemente uma gestão periódica dos resultados.
Dependendo da sua realidade duas pessoas são suficientes. Para estruturas maiores, o comitê envolverá mais integrantes.
Cada escritório tem a sua realidade e o importante é dedicar algumas horas todo dia para, em conjunto, se avaliar as movimentações de resultado.
- Quanto entrou e quanto saiu de dinheiro do caixa?
-
Quais ações foram implementadas?
-
O que ainda precisa ser feito?
As notícias do covid-19 mudam muito rapidamente. Pode ser que a quarentena se estenda por mais tempo - alguns já falam em junho/2020 -, ou pode ser que a cura da doença apareça de uma semana para outra.
Pode ser que o Governo divulgue alguma medida econômica para estabilizar a sociedade e minimizar o impacto nas finanças das empresas; pode ser que seja cada um por si.
Diante de contextos instáveis os cenários mudam com muita frequência, por isso a importância de ter um time - ou alguém - dedicado para avaliar o impacto dentro do seu escritório diariamente.
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*Marcos Martins é advogado sócio do escritório Pallotta, Martins e Advogados e co-fundador da legaltech STLaw.