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A nova hipótese de dispensa de licitação para o enfrentamento da covid-19

É sabido que a Administração Pública – direta ou indireta – deve contratar apenas mediante procedimento licitatório. Esta regra comporta exceções: inexigibilidade e dispensa.

8/4/2020

A pandemia do novo coronavírus – covid-19 (SARS-COV-2) que afeta praticamente todos os países no mundo, desencadeia a urgência na atuação de todos os atores, principalmente dos entes públicos na adoção de cuidados, contendo ações que sejam dotadas de imensa flexibilidade e rapidez – o que vem a ser um desafio na realidade brasileira tão conhecida pela baixa resolutividade e propensão ao burocratismo.

É sabido que a Administração Pública – direta ou indireta – deve contratar apenas mediante procedimento licitatório. Esta regra comporta exceções: inexigibilidade e dispensa.

A inexigibilidade se dá naqueles casos em que é inviável ter competição (por exemplo, na reposição de peças originais de produto que esteja em fase de garantia).

Já as hipóteses de dispensa se aplicam a situações pontuadas (na lei Geral de Licitações – 8.666/93 são 35 hipóteses) em que a poder público não é obrigado a fazer procedimento licitatório – embora pudesse.

Desta forma, o regime das licitações no Brasil que prima pela legalidade, impessoalidade, publicidade dentre outros princípios, contém uma sequência de atos solenes que podem trazer menos celeridade do que o recomendado para atuar perante um vírus que se alastra em progressão geométrica. Não seria adequado iniciar um procedimento de licitação para adquirir equipamentos de proteção individual para as equipes de saúde cujo tempo até sua finalização poderia levar quarenta e cinco dias, caso não houvesse nenhum sobressalto.

A lei de Licitações já previa uma hipótese de dispensa de licitações que poderia servir para esta situação peculiar:  “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos (art. 24, IV)”.

Entretanto, a lei 13.979/20 (conhecida como lei do Coronavírus) aprovada em processo legislativo tramitado a toque de caixa, previu inclusive mais uma hipótese de dispensa: para a aquisição de bens, serviços (inclusive de engenharia) e insumos destinados ao enfrentamento do coronavírus.

Não era necessário, mas quis o legislador trazer mais um gatilho específico, para conferir mais segurança à Administração Pública, que costuma ser alvo de muitos questionamentos.

A parte de que trata da dispensa de licitações para o coronavírus (art. 4º) foi substancialmente modificada pela Medida Provisória n. 926 de 20 de março de 2020, em que tivemos inúmeros detalhamentos, dentre os quais, destacamos:

a-) Esta hipótese de dispensa apenas se aplica de forma temporária enquanto perdurar a emergência de saúde pública do coronavírus;

b-) Há obrigatoriedade de publicação do extrato da contratação no sítio oficial específico – o que não exclui, por uma interpretação sistemática, de ser publicado na imprensa oficial.

c-) Admite-se contratar com fornecedores declarados inidôneos ou que estejam com restrições ao direito de contratar com o poder público – desde que fique comprovado ser a única fornecedora do bem ou serviço. Quando a Lei diz única fornecedora, não quer dizer no Brasil, mas a única que pode fornecer o insumo, produto ou executar o serviço em tempo hábil, quando assim exigido. Imagine que um município do Pará precise adquirir um insumo hospitalar e existam dois fornecedores: um sediado em São Paulo, com prazo de entrega de 15 dias e outro fornecedor do Norte capaz de atendê-la em até 3 dias - e este fornecedor foi apenado anteriormente. Logo, em nome da eficiência e da necessidade, o Poder Público estaria autorizado a contratar com quem tenha impedimento se o objeto tiver relacionado ao escopo do enfrentamento do coronavírus.

d-) Não será necessário a elaboração de estudos preliminares para contratação de bens e serviços comuns;

e-) Pode ser considerado um termo de referência simplificado ou projeto básico simplificado para instruir a contratação – a despeito da obrigatoriedade na lei Geral de Licitações de descritivo completo e, nos casos de engenharia, de Projeto Básico minudente.

f-) A fase de estimativa de preços (que é interna) pode ser dispensada ou simplificada, em nome da celeridade, desde que haja justificativa. Aqui cabe um breve comentário, pois não é incomum que o Poder Público tenha grande dificuldade de selecionar três orçamentos-base de forma ágil, o que, na Lei Geral de Licitações, é uma obrigação – e que pode gerar certo atraso na conclusão do processo.

g-) Fornecedores poderão ser contratados com dispensa de apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou de outros documentos de habilitação, desde que seja em caráter excepcional e justificado pela autoridade.

h-) Poderá ser feita licitação na modalidade pregão com redução substancial de prazos: por exemplo, as publicações do Edital que pela Lei n. 10.520/02 exigem o prazo de 8 dias úteis para realização da sessão pública será abreviado para 4 dias úteis; do mesmo modo, o prazo de apresentação de recurso será de apenas um dia útil após a sessão, sendo que eventual recurso não suspende a finalização do processo, ou seja, não terá efeito suspensivo.

i-) Os contratos regidos pela Lei do Coronavírus poderão durar por até seis meses, ou enquanto perdurarem a necessidade de enfrentamento desta pandemia.

j-) As modificações unilaterais que o Poder Público está autorizado a fazer (como acréscimos ou supressões ao objeto contratado) poderão ser de até 50% do valor inicial atualizado do contrato.

Situações excepcionais exigem medidas heterodoxas e muito mais responsivas, o que implica em alterar o modo de pensar dos gestores públicos; com relação às empresas fornecedoras para a Administração Pública, espera-se grande comprometimento e compreensão para esta oportunidade importante de colaborar no enfrentamento do vírus, mitigando os sérios danos que esta pandemia traz mundo afora.

Sem embargo, este novo paradigma não autoriza que a Administração promova contratações antieconômicas, desarrazoadas ou com desvio de finalidade  e, tampouco a torna infensa aos mecanismos de controle, como controladorias, Tribunal de Contas, Ministério Público, Legislativo e por qualquer cidadão.

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*Luiz Eugenio Scarpino Jr. é advogado sócio na área de direito público da Guimarães Advocacia.

 

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