Ante a pandemia do novo coronavírus (covid-19) declarada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, o governo reconheceu estado de calamidade pública (decreto legislativo 6/20) e o Ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública de importância internacional, nos termos da lei 13.979 de 2020.
Em atenção à crise sem precedentes instaurada, que passou a colocar a economia do país em risco, e como corolário as relações de trabalho a ela concatenadas, tornou-se necessária a criação de diversas medidas de urgência para enfrentamento do problema e para adaptação à nova rotina de isolamento e quarentena recomendada pela OMS.
Adveio, assim, uma série de Medidas Provisórias, culminando no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Tais normas, mais do que regularizar situações críticas, têm como escopo flexibilizar regras estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, enquanto perdurar o estado de calamidade pública.
Conforme preceitua o art. 3º da MP 927/20, o seu objetivo é a preservação do emprego e da renda, proporcionando que sejam adotadas para esse período algumas medidas como teletrabalho, antecipação de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, entre outras regras.
Quanto às férias coletivas, foi permitido ao empregador podendo concedê-las, desde que os trabalhadores afetados sejam comunicados com 48 horas de antecedência.
Ainda sobre férias, individuais ou coletivas, há recomendação para priorizar os trabalhadores que se enquadrem no grupo de risco do coronavírus (covid-19).
Outra medida prevista que já vinha sendo aplicada pelos empregadores desde o início das recomendações da OMS, é a alteração do trabalho presencial pelo teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância, conhecido pela grande massa como "home office", medida em harmonia com o isolamento social recomendado que visa a evitar a propagação da doença.
Contudo, na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho à distância, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial.
Ademais, vale destacar que é obrigação da empresa proporcionar um ambiente de trabalho saudável a seus empregados, de modo que, mesmo que não seja possível cumprir as regras para o "home office" , a empresa é obrigada a fornecer todo e qualquer material necessário à proteção de seus empregados, observando as normas sanitárias já existentes.
Tratando sobre as faltas nesse período de recomendação de isolamento, embora haja receio pelo trabalhador quanto a estarem expostos ao contágio, as regras para ausência no trabalho não foram alteradas.
Além das recomendações da OMS, temos que levar em consideração a lei 13.979/20 e a Portaria 356/20 do Ministério da Saúde, que regulam o isolamento e a quarentena, os quais só poderão ser determinados por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica.
Para que a falta ao trabalho seja justificada, é necessário que seja apresentado o atestado médico recomendando uma das medidas, não bastando apenas o trabalhador se ausentar por conta, o que permitirá ao empregador descontar o dia da ausência como falta não justificada.
Quanto ao pagamento ou não de salários no período de trabalho divergente daquele acordado no momento da contratação por conta do estado de calamidade púbica, isto depende exclusivamente do regime de contratação.
Para os prestadores de serviços autônomos ou sem exclusividade, se somente houver previsão de pagamento mediante a prestação efetiva de serviços, o recebimento de qualquer valor dependerá de um acordo a ser celebrado diretamente com a empresa.
Dentre outras medidas e flexibilizações da norma trabalhista, o governo também previu a compensação de jornada, por meio de banco de horas, em caso de interrupção das atividades. A compensação poderá ser feita em até 18 meses, a partir do encerramento da calamidade pública, ao contrário da regra da CLT que prevê a compensação em até 6 meses contados do retorno às atividades.
Para o empregador, a Medida Provisória prevê a suspensão do recolhimento do FGTS referente aos meses de março, abril e maio, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, podendo ser pagos sem juros e multa a partir de julho em 6 parcelas.
O ponto mais polêmico da Medida Provisória foi o art. 18, dispondo sobre a suspensão do contrato de trabalho com direcionamento do trabalhador para qualificação. Contudo, após gerar grandes dúvidas quanto a sua aplicação e possíveis efeitos negativos para o empregado e empregador, visto deixar a critério de ambos, por acordo, algum valor a ser pago neste período, o Governo revogou o referido artigo com a publicação da MP 928/20.
Posteriormente foi publicada a MP 936/20, trazendo de maneira mais detalhada esta questão, e criando o "Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda".
Com efeito, o cerne do Programa visa impedir dispensas neste período, promovendo, porém, reduções salariais possíveis apenas diante da flexibilização da CLT.
Isso porque impera no Direito do Trabalho o Princípio da Irredutibilidade Salarial, o qual garante que o empregado não tenha seu salário reduzido pelo empregador, durante todo o período contratual.
A própria CLT já prevê duas exceções de redução a esse princípio, desde que a redução salarial venha acompanhada da redução da jornada de trabalho, em até 25% respeitando o salário mínimo legal, em casos de força maior ou prejuízos devidamente comprovados.
A Constituição Federal só permite que essa redução seja feita mediante negociação pelo sindicato profissional da categoria, para que seja, com estipulação em convenção ou acordo coletivo. Cessando os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.
Na segunda hipótese existente, a redução da jornada e do salário será acordada individualmente com o trabalhador, desde que se caracterize como uma vantagem para ele. Seria o caso, por exemplo, da redução da jornada e do salário para que o trabalhador possa se dedicar aos estudos para conciliá-los com o trabalho.
A Medida Provisória 936 amplia as possibilidades de redução salarial, abrandando a rigidez das normas vigentes.
A norma vai permitir às empresas reduzir jornada e salário de funcionários nas proporções de 25%, 50% ou 70% por até três meses, ou suspender o contrato de trabalho e o pagamento de salário por até dois meses. Em ambos os casos, o trabalhador deverá receber o chamado "benefício emergencial", que terá como base o seguro-desemprego, em parte ou na íntegra, pago pelo governo como compensação.
As providências poderão ser implementadas por meio de acordo individual escrito aos empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135 e aos portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, R$ 12.102,00.
Já no que tange aos empregados que recebem entre R$ 3.135,00 e R$ 12.102,00, há a necessidade de Acordo Coletivo para implementação da medida, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento que poderá ocorrer por acordo individual.
Em contrapartida, a medida assegura ao empregado a manutenção dos benefícios de seu contrato de trabalho e a estabilidade de seu emprego por um período igual ao da redução de jornada ou suspensão de contrato. Isso quer dizer que, se o acordo for de dois meses, o empregado terá estabilidade durante quatro meses.
O benefício emergencial será de prestação mensal e devido a partir do início da redução da jornada ou da suspensão do contrato de trabalho, devendo o empregador informar o Ministério da Economia sobre a celebração do acordo em até 10 dias e, assim, a primeira parcela será paga no prazo de 30 dias da data do acordo.
Não cumprindo este prazo, o empregador deverá arcar com pagamento da remuneração anteriormente devida ao empregado.
Se a empresa e o trabalhador optarem por uma redução da jornada e salário menor que 25%, o empregado não receberá o benefício emergencial pago pelo governo; para reduções iguais ou superiores a 25% e menores que 50%, o pagamento do governo corresponderá a 25% do que o trabalhador teria direito a receber caso fosse demitido; para reduções iguais ou maiores que 50% e menores que 70%, o pagamento complementar será de 50% do seguro-desemprego; já para reduções iguais ou superiores a 70%, o benefício será de 70% do seguro-desemprego.
No caso de suspensão do contrato, há duas possibilidades, dependendo do faturamento da empresa: para empresas cadastradas no Simples Nacional (receita bruta de até R$ 4,8 milhões) o governo vai pagar aos empregados 100% do seguro-desemprego que seria devido; e, para empresas com receita bruta acima de R$ 4,8 milhões, o empregador terá que arcar com 30% do salário do funcionário e o governo pagará 70% da parcela do seguro-desemprego.
Ao aplicar a suspensão ou a redução de jornada e salário, o empregador poderá pagar uma ajuda compensatória ao empregado, de natureza indenizatória, sem incidência de INSS, FGTS e demais tributos sobre a folha e o valor não integrará o salário devido pelo empregador.
Se durante o período de suspensão do contrato de trabalho, o empregado mantiver as atividades de trabalho, ainda que parcialmente e por meio de home office, ficará descaracterizada a suspensão e o empregador estará sujeito ao pagamento imediato dos salários e demais penalidades previstas em lei e em convenção ou acordo coletivo.
O recebimento do benefício emergencial não depende de cumprimento de período aquisitivo, tempo de vínculo empregatício e não impede o recebimento ou altera o valor do seguro-desemprego que o empregado vier a ter direito quando de sua demissão.
As medidas podem ser aplicadas às empregadas domésticas e aos aprendizes, sendo vedada, contudo, a aplicação aos funcionários públicos, aos cargos em comissão ou titulares de mandato eletivo.
É possível ainda a aplicação cumulativa das medidas e do benefício aos trabalhadores que tiverem mais de um emprego com vínculo formal, salvo o empregado com contrato de trabalho intermitente que, fazendo jus ao benefício emergencial mensal no valor de R$ 600 pelo período de três meses, não poderá receber cumulativamente os benefícios.
Conclui-se que as Medidas Provisórias buscam regulamentar grandes questões para esse período de turbulência econômica, política e jurídica no nosso país, na tentativa de impedirem dispensas de empregados, dando maior segurança para empregado e empregador manterem a relação de emprego.
É certo, todavia, que será impossível prever todas as situações concretas que surgirão em meio à pandemia, e muitas exceções terão que ser consideradas, normatizadas ou não. Caberá à jurisprudência, assim, se manifestar sobre elas.
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*Marina Aidar de Barros Fagundes é sócia do escritório Aidar Fagundes Advogados.
**Lilian Lucena Brandão é advogada do escritório Aidar Fagundes Advogados.
**Lucas Gentil de Paula é advogado do escritório Aidar Fagundes Advogados.