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Muito além de uma exclusão de cobertura: o covid-19 e o mercado de seguros

Em visão ampla, o covid-19, direta ou indiretamente, afeta todos os ramos de seguros.

7/4/2020

Em ritmo frenético, o covid-19 desestruturou a economia e saúde globais e vem testando os limites de sobrevivência (e paciência) de famílias, negócios e governos. O evento é, para a maioria dos indivíduos e empresas, caso fortuito, imprevisível, cujas perdas materiais são imensuráveis.

Entretanto, no horizonte de possibilidades de uma companhia seguradora, o evento "pandemia" é fato previsível, com risco de materialização satisfatoriamente mapeada em uma série histórica longa. Pandemias irão, de tempos em tempos, impor perdas vultosas à sociedade. Cabe às seguradoras posicionarem-se, com seus gatilhos de aceitação, ou não, de risco; bem como com suas estruturas de distribuição de risco (cosseguro, resseguro e retrocessão), para ganhar (ou não perder) dinheiro com aquelas.

É natural e imediata a procura de alívio da sociedade para eventos dessa magnitude no mercado segurador. É até difícil vislumbrar uma solução para as perdas financeiras decorrentes da pandemia sem a participação das seguradoras. Em visão ampla, o covid-19, direta ou indiretamente, afeta todos os ramos de seguros.

Todavia, paira incerteza quanto à possibilidade de cobertura de prejuízos sofridos e danos causados pelo covid-19. A exclusão de cobertura para pandemias figura em muitos clausulados de seguros e resseguros e foi subitamente alçada à posição de protagonista nas últimas semanas.

Não se ignora a relevância da estrutura fragmentária do seguro, entre riscos cobertos e excluídos, para a manutenção da higidez sistêmica, mas está claro que a referida exclusão deverá ser colocada em xeque em um futuro próximo. Em muitos países, inclusive no Brasil, os governos se movem para pressionar pela cobertura do covid-19 nos contextos mais diversos, e a tendência é uma torrente de questionamentos em juízo, por pessoas físicas, jurídicas, e órgãos da sociedade civil representativos dos mais diversos interesses.

Essa pressão já é sentida em ramos securitários diretamente conectados aos efeitos do coronavírus. No seguro saúde, de vida e de viagem, algumas seguradoras já se posicionam favoravelmente ao pagamento de indenizações, mesmo em contrariedade a seus próprios clausulados, o que pode gerar, pelos agentes reguladores, questionamentos relativamente à regularidade sistêmica de tais atos.

É inevitável que debate análogo alcance, mais cedo ou mais tarde, os seguros garantia e de interrupção de negócios, diante do colapso econômico.

O embate não é trivial. O seguro, como principal instrumento contratual de alocação de riscos, existe precisamente para lidar com – e socializar –prejuízos que, por sua dimensão, não podem ser de outra forma absorvidos. Os eventos de caso fortuito e força maior, mesmo catastróficos, podem e frequentemente são garantidos pelo mercado segurador, que detém os modelos atuariais e de pulverização necessários para padronizar oscilações.

É esperado que a "queda de braços" seja, em alguma medida, resolvida por concessões mútuas: nos ramos de seguros com pessoas físicas, pagando-se as indenizações aos segurados e reajustando o equilíbrio no futuro; e nos de pessoas jurídicas, negociando soluções consensuais, inclusive com intermediação de órgãos públicos, para mobilização das reservas de capital do mercado segurador em prol da reestruturação da normalidade.

Antes de soluções "disruptivas", orientadas por tendências "neo alguma coisa", há de se aplicar à solução dos conflitos que se avizinham os fundamentos essenciais dos seguros. O interesse legítimo e pré-determinado, interpretado pela mais estrita boa-fé (uberrimae fidei) deve emergir, inequivocamente, como fiel da balança dentre o amplo espectro de soluções criativas (ou desesperadas!) dos agentes. 

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*Pedro Guilherme G. de Souza é sócio de SABZ Advogados.

*Rodolfo Mazzini Silveira é advogado de SABZ Advogados.

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