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Medida provisória 931 de 2020: Prorrogação do prazo de AGO e Assembleias

A edição da MP está em linha com os desdobramentos e medidas que vem sendo tomadas com relação à epidemia de Covid-19 no Brasil e estabeleceu tanto medidas de caráter transitório, quanto medidas de caráter permanente.

7/4/2020

Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 30 de março de 2020 a medida provisória 931 de 2020, que estabelece, dentre outros, a prorrogação do prazo de realização da AGO - Assembleia Geral Ordinária para 07 (sete) meses após o término do exercício social. A MP se aplica (I) às sociedades anônimas (S.A.) abertas e fechadas, (II) sociedades limitadas (LTDAs), (III) empresas públicas e sociedades de economia mista (assim como às subsidiárias das referidas empresas e sociedades) e (IV) sociedades cooperativas e instituições financeiras constituídas sob a forma de cooperativas de crédito cujos exercícios sociais se encerrem entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020.

A medida provisória não trata de outros tipos societários, como a sociedade simples pura, assim como não abrange entes desprovidos de fins econômicos, como Associações Civis, Fundações, Organizações Religiosas, Partidos Políticos e Organizações Desportivas. Também não foram contempladas as figuras jurídicas não-personificadas, como Condomínios Edilícios (fenômeno caracterizado pela justaposição de propriedades distintas com interesses forçosamente comuns) e Fundos de Investimento (comunhão de recursos constituída sob a forma de condomínio especial).

A edição da MP está em linha com os desdobramentos e medidas que vem sendo tomadas com relação à epidemia de Covid-19 no Brasil e estabeleceu tanto medidas de caráter transitório, quanto medidas de caráter permanente.

O legado permanente que pretende deixar a MP estende a possibilidade de participação e votação a distância no âmbito das LTDAs, Cooperativas e companhias fechadas, por exemplo, o que ainda será objeto de regulamentação pelo DREI - Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, considerando que a CVM - Comissão de Valores Mobiliários já regula, através da IN CVM 481/09, com alterações introduzidas pela IN CVM 561/15 [que regulamentou o parágrafo único do art. 121 da lei 6.404/76, introduzido pela lei 12.431/11], o voto à distância no âmbito das companhias abertas registradas na categoria ‘A’ e autorizadas por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores (vide art. 1ª, §1º da referida Instrução).

Entre os 6 (seis) Artigos da MP de caráter urgente e transitório (de um total de 11), destaca-se a prorrogação do prazo para realização das assembleias anuais obrigatórias. De acordo com as regras específicas, sociedades anônimas (art. 132 da LSA), limitadas (art. 1.078 do Código Civil) e cooperativas de crédito (art. 17 da lei complementar 130/09) devem, realizar o ato em até 4 (quatro) meses após o fim do exercício social. Demais cooperativas tem prazo de 3 (três) meses (art. 44 da lei 5.764/71 - Lei Geral do Cooperativismo).

Com a Medida Provisória, esses prazos legais, excepcionalmente no exercício de 2020, não se aplicarão, passando o prazo a ser de 7 (sete) meses. Enfatiza-se que, não obstante ser praxe coincidir os exercícios sociais ao ano civil, a MP notavelmente preocupou-se em incluir exercícios sociais com prazos distintos (findos entre 31.12.19 e 31.03.20).

Dessa forma, os exercícios sociais que tenham se encerrado em 31 de dezembro de 2019 (padrão soberano nas sociedades brasileiras) terão os prazos estendidos para a realização da AGO ou da assembleia anual de sócios até 31 de julho de 2020.

Identificamos, em uma primeira leitura, a possibilidade de inconstitucionalidade do art. 5º da MP em relação as Cooperativas de Crédito. O prazo de AGO dessas sociedades é previsto em Lei Complementar (art. 17 da LC 130/09) e, segundo o art. 62, III, da CRFB, é vedado ter por objeto de medida provisória matéria reservada a lei complementar. Além disso, as medidas provisórias equivalem à lei ordinária, sendo, portanto, de status hierárquico inferior à lei complementar. Demanda uma análise mais profunda a identificação do art. 17 da LC 130/09 como sendo ou não matéria reservada à lei complementar, ou se ali inserido pela oportunidade do tema.

A aparente inconstitucionalidade poderia ser superada pela teoria do diálogo das fontes, idealizada pelo jurista Erik Jayme, trazida ao Brasil pela doutrinadora dra. Claudia Lima Marques e difundida com apoio do professor Bruno Miragem. Segundo a teoria do diálogo das fontes, o Direito deve ser interpretado como um todo, de forma sistemática e coordenada, onde uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra, como acontece com a adoção dos critérios clássicos para solução de antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico), mas se complementariam, o que facultaria se excepcionar a “quebra” de hierarquia.

Outra prudente previsão da MP visa evitar o conflito entre sua aplicação e a garantia de livre estipulação no âmbito dos negócios jurídicos empresariais. Com isso, ficam sem efeito transitório as normas contratuais e estatutárias que colidam com o prazo idem transitório de 7 (sete) meses para a realização da AGO; sem essa previsão na MP, prevaleceriam os escritos privados societários, em razão da nova regra hermenêutica introduzida pela lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica). Nesse caso, o novo e temporário prazo de 7 (sete) meses para realização da AGO passa a ter índole de norma de ordem pública, única ressalva à subsidiariedade da lei empresarial ante ao estabelecido contratualmente (art. 3º, VIII, da Lei da Liberdade Econômica).

Estranhamente, a MP estabeleceu a regra do parágrafo anterior apenas para sociedades limitadas e sociedades anônimas (§1º do art. 1º e §1º 4º, da MP), deixando de fazê-lo em relação às cooperativas e cooperativas de crédito.

Parece-nos ter havido falha por omissão, uma vez que não identificamos razão jurídica para esse tratamento desigual. Dessa forma, seria possível estender o disposto no §1º dos art. 1º e 4º da MP também às cooperativas, aplicando a analogia e o Princípio da Isonomia.

Ainda no pacote de normas transitórias da MP, estão também prorrogados: (I) no âmbito das S.A., os prazos de gestão ou de atuação dos administradores, dos membros do conselho fiscal (CF) e de membros de comitês estatutários até a data de realização da AGO (art. 1º, §1º da MP); (II) no âmbito das LTDAs, até a data de realização da assembleia anual obrigatória, os mandatos dos administradores e dos membros do CF previstos para se encerrarem antes da realização da mesma (art. 2º, §1º da MP) e (III) no âmbito das Cooperativas e Cooperativas de Crédito, até a data de realização da AGO, os mandatos dos membros dos órgãos de administração e fiscalização e dos outros órgãos estatutários previstos para se encerrarem antes da realização da mesma (art. 5º, parágrafo único, da MP).

Não obstante o art. 150, §4º, da LSA já prever que a gestão do conselho de administração (CA) ou da diretoria “se estende até a investidura dos novos administradores eleitos”, a MP, excepcionalmente, estende essa possibilidade aos membros de comitês estatutários e membros de conselho fiscal, além de reforçar a possibilidade para diretores e membros do CA, igualmente sujeitos à responsabilização.

No caso específico das S.A. e das limitadas, quando regidas supletivamente pela LSA (art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil), o art. 2º da MP ainda prevê que até que a AGO seja realizada, ou seja, dentro da prorrogação de sete meses após o término do exercício social, o CA ou a diretoria (caso a sociedade não possua CA) “poderá, independentemente de reforma do estatuto social, declarar dividendos, nos termos do disposto no art. 204 da lei 6.404, de 1976”. Registra-se que o ato de declaração de dividendos não é sinônimo de seu pagamento, inclusive porque o segundo gesto depende de liquidez da companhia. Entretanto, a declaração de dividendos deflagra uma relação de crédito/débito entre o acionista e a sociedade, na forma do art. 205 da LSA.

A Medida Provisória ainda amplia transitoriamente os poderes do CA para “deliberar, ad referendum, assuntos urgentes de competência da assembleia geral”, ressalvadas as hipóteses de previsão taxativa em contrário no estatuto ou contrato social. Dessa forma, as previsões estatutárias que remetam a expressões como “compete exclusivamente” ou “compete privativamente” à assembleia e que demandem urgência ficam delegadas, op legis, excepcionalmente ao CA, aplicando-se a possibilidade de responsabilização por eventuais danos causados em decorrência de atos praticados (art. 158 da LSA).

Ademais, a MP ainda prevê que, excepcionalmente, durante o exercício de 2020, a CVM poderá prorrogar os prazos estabelecidos na LSA para as companhias abertas, assim como deverá definir a data de apresentação das demonstrações financeiras (“DFs”) das mesmas.

Já no dia seguinte à publicação da MP, a CVM, através da Deliberação CVM nº 849, de 31 de março de 2020 deliberou, dentre outros, (I) que as companhias abertas apresentem as correspondentes DFs em até 05 (cinco) meses a contar do término do respectivo exercício social (inciso I da Deliberação), ou seja, as companhias deverão, até 02 (dois) meses antes da realização das AGOs ter apresentado à CVM as DFs do exercício social findo entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020 e (II) a prorrogação de 45 (quarenta e cinco) para 90 (noventa) dias do prazo para entrega do formulário de informações trimestrais – ITR, via Sistema IPE, referente ao 1º trimestre de 2020 apenas das companhias cujo exercício social findou-se em 31 de dezembro de 2019 (inciso IV da Deliberação).

Outra medida transitória e de urgência foi a interrupção do prazo de 30 (trinta) dias de que trata o art. 36 da lei 8.934/94 para arquivamento dos atos societários firmados a partir de 16 de fevereiro de 2020. O trintídio será contado da data em que a junta comercial competente restabelecer a prestação regular dos seus serviços.

Ainda sobre arquivamento dos atos, cabe aqui destacar que ofício circular 1.014/20 do DREI autorizou que os procuradores (advogados e contadores) autentiquem os atos de registro nas juntas de todo país apenas com a sua assinatura digital, o facilitou a utilização de registro totalmente eletrônico, por não mais depender de assinatura digital de cada signatário do ato. Desta forma, os documentos assinados fisicamente pelos sócios, titulares, administradores e todos os demais signatários poderão ter suas versões digitais autenticadas por advogados e contadores. Os profissionais poderão protocolar seus processos de forma 100% eletrônica, utilizando apenas sua assinatura digital, por meio de certificado ou por meio do aplicativo Biovalid, gerando uma enorme economia e celeridade para os arquivamos societários.

Na esteira da urgência que o momento desafia, a medida provisória também traz normas não transitórias, porém de enorme valia para o momento caótico do confinamento social e que ficarão como grande legado da pandemia: a previsão para realização de assembleias a distância.

A MP cria os arts. 1080-A no Código Civil (para as LTDAs), 43-A da Lei Geral do Cooperativismo e 121, §§ 1 e 2º, da LSA prevendo a possibilidade de participação e votação a distância para reuniões ou assembleias, conforme regulamentação a ser realizada pelo DREI. O departamento já cuidou de lançar consulta pública (Consulta Pública 02/20) sobre a minuta da instrução normativa que regulamentará a matéria.

Até então, apenas companhias abertas tinham autorização expressa para realização de assembleia a distância, por ordem do art. 121, parágrafo único, da LSA, introduzido pela lei 12.431/11. O dispositivo foi revogado pela MP e deu lugar ao parágrafo primeiro do mesmo art. 121, mantido o conteúdo anterior.

Pouco antes da MP, em relação às cooperativas de crédito, o Banco Central do Brasil já havia, através do ofício 5312/2020-BCB/SECRE/DIORF, de 19 de março de 2020, em resposta à consulta realizada pela Organização das Cooperativas Brasileiras, informado inexistir óbice à realização de AGO virtual, assim como informou que a não realização de AGO até 30 de abril de 2020 não implicaria em sanção pela autarquia.

A MP, ainda, deu mais fluidez à redação do §2º do art. 124 da LSA, que dispõe sobre o local de realização de assembleia geral e estabelece à CVM a faculdade de excepcionar tal regra às S.A. de capital aberto, inclusive autorizando assembleia digital.

Conforme enfatizado, a adoção da MP está alinhada com as medidas que vem sendo tomadas com relação à epidemia de Covid-19 no Brasil, tendo estabelecido tanto a postergação dos prazos para realização de AGO ou assembleia anual de sócios (medida transitória), quanto a possibilidade de participação e votação a distância (medida permanente), o que se caracteriza, ainda que no contexto da epidemia, uma possibilidade de avanço para o exercício do sócio, acionista ou associado das funções, direitos e obrigações ante a pessoa jurídica que integra ou compõe. Fica agora a natural expectativa pela conversão em lei.

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*Pablo Gonçalves e Arruda é doutorando e mestre em Direito pela UVA. Sócio do SMGA Advogados. Administrador judicial. Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC-RJ) e Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

*Hitalo Marcello da Silva Viana é especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais pela FGV. Especialista em Compliance e Antissuborno pelo Instituto Brasileiro de Compliance (IBC). Pós-graduando em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Advogado com atuação em Direito Societário, de Energia e Contratual.

*Jéssica Verônica Costa dos Santos é pós-graduanda em Direito e Gestão do Agronegócio. Bacharel em Direito pelo IBMEC-RJ. Advogada do SMGA Advogados, com atuação em Direito Empresarial, Societário e dos Negócios.

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