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Restrições à autonomia privada (estado liberal e regulamentação estatal), o que pode mudar em tempos de pandemia? Análise do projeto de lei 1.179/20

Por tratar a proposta de lei especial que dispõe à par das normatizações existentes, não revoga ou altera os demais diplomas, consoante radicado no art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro

6/4/2020

Sem qualquer pretensão de esgotar a discussão, e imbuído de toda deferência à iniciativa do parlamentar proponente do projeto que busca normatizar dito “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET)”, adotadas venias aos entendimentos diversos [malgrado pelo intento ser de fomentar o debate e aprimorar o trato jurídico, não o de impor correções], passo às linhas que seguem - que, adianto, seguirão a ordem dos dispositivos; ora buscando afastar pleonasmo normativo [ensejador, é bom se diga, de reducionismos práticos - já que o excesso, por inúmeras vezes, induz ao descumprimento e/ou confusão], em outras com indicações propedêuticas circunstâncias que podem servir à colmatação de lacunas: e, deste modo, prezar pelo consenso à anomia.

À atividade, pois.

Observado o teor do Capítulo I do texto, duas ponderações desbotam; são elas: o dito “período" da pandemia, ao que segue a incidência da lei nas relações jurídicas.

O primeiro a se considerar é que, por tratar a proposta de lei especial que dispõe à par das normatizações existentes - afastando a incidência das regras incompatíveis, por coerência lógica - não revoga ou altera os demais diplomas, consoante radicado no art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. O ponto, contudo, não é esta evidente consideração -  cujo artigo 2º da proposta sufraga em redundância. Vez que o que interessa, é o que deve ser tomado como "caráter transitório e emergencial” (redação vazada no art. 1º); pois bem:

1) O termo a quo está definido no parágrafo único do art. 1º, que estabelece como início o dia 20 de março de 2020;

2) Não há, contudo, indicação de termo final (embora, em certos dispositivos, se tenha indicação de “outubro de 2020”). O porém é que nem bem se sabe se viável estabelecer data certa - como a adrede indicada - ao passo que, ainda que tenha tomado solução a pandemia [situação incerta], haverá período para estabilização das relações - e a regra da experiência (ainda que história), subministrada pelas informações técnicas, permite antever isto consoante instrui o art. 375 do CPC;

3) A inovação legislativa, como se dessume de seu contexto, terá aplicação tanto à contratos de execução imediata, como outros de execução diferida e cativos.

Tenho, pois, que seria necessário melhor definir questões relativas aos itens 2 e 3. Quanto ao “2”, parece que seria adequado ter que a vigência seria a mesma do art. 1º, § 3º, da lei 13.979/20 - período de emergência reconhecido pela "Organização Mundial de Saúde” - seguido, então, de lapso necessário à adaptação das relações à realidade superveniente (quiça 30 dias, ou outro que pareça mais adequado); já em relação ao “3”, parece que é necessário diferenciar que nos contratos de execução imediata a relação, como um todo, será regrada pela legislação então proposta enquanto, nas de trato diferido e/ou continuado, apenas seus efeitos no período de vigência da norma - pois questão atinente ao plano da eficácia, que não pode influir nos demais degraus ponteanos (ex vi art. 2.035 do CC).

Em suma, portanto:

I) Prudente fixar termo final com período transitório, que creio ser bom relacionar a norma infralegal - talvez, por paralelismo, aquele fixado pela OMS - dada a maior plasticidade e facilidade de alteração destes atos, que dispensam todo tramite do processo legislativo;

II) Definir que os contratos de execução imediata, no período de vigência da norma, serão por ela tratados (a hipótese, efetivamente, seria de ultraatividade). Enquanto, para aqueles de trato continuado e/ou diferido, no contexto incidirão as normas no plano da eficácia - sem, contudo, prejudicar validade ou existência dos negócios ou obrigações.

Acrescendo ao item “II”, no que tiver relação com a eficácia - especialmente nos dispositivos que seguem e há restrições à resolução pelo inadimplemento ou aplicação de certas sanções - prudente seria, também, de algum modo trazer regras especiais quanto à mora (criando norma que, ao menos no período, encerre o dualismo entre mora de obrigação extrajudicial e contratual); a razão: o fortuito, nos casos tratados, escapa à vontade do inadimplemento (e, deste modo, mais adequado compensar a corrosão monetária com devida atualização, do que sancionar o devedor com juros compensatórios - pela não entrega de prestação que sequer conseguiu amealhar, demonstrando que de nada apropriou-se para compensar).

Eis, pois, proposta ao Capítulo I; aos demais, para que não se alongue sobremaneira, far-se-ão articulados em separado.

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*Gustavo Ferreira Mainardes é assessor no Tribunal de Justiça do Paraná. Aprovado para juiz substituto do Tribunal de Justiça do Ceará.

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