O advento do vigente Código Civil em 2002 culminou por trazer ao ordenamento jurídico pátrio uma nova normativa incidente sobre as questões afetas aos condomínios edilícios.
Essa normativa determina, em diversas passagens do texto de lei, a exigência de quórum especial para a aprovação de determinadas matérias; é assim por exemplo no que se refere à aprovação ou alteração da convenção condominial, hipótese em que a lei exige quórum de dois terços, quando trata da alteração da finalidade do condomínio, instante em que se faz necessária a aprovação da integralidade dos condôminos, vale dizer, cem por cento dos votos dos titulares de direito, a aprovação de obras, posto voluptuárias, demandando a manifestação favorável de ao menos dois terços dos condôminos, e sendo úteis, na necessidade de obtenção da maioria dos condômino, dentre tantas outras afetas ao cotidiano da práxis condominial.
Contudo, alheio à realidade que permeia à gestão de condomínios, o Código Civil se apresentou silente no que se refere à possibilidade da utilização de recursos da tecnologia da informação, sobretudo quando se observa reiteradamente uma dificuldade constante e manifesta em fazer reunir quantitativo mínimo de condôminos às assembleias, especialmente sob o formato presencial.
Contudo, temos para nós, que o silêncio da lei não deve ser interpretado, muito menos compreendido, como um obstáculo insuperável, posto que o direito condominial se descortina como um ramo do direito privado, onde se faz presente o princípio da autonomia da vontade, cujo imanente consectário indica aprioristicamente que devem as regras serem fruto da vontade das partes.
Consubstanciado tal princípio, temos que a vontade dos condôminos, desde que não se encontre em conflito com as leis e normas regentes aplicáveis à espécie, deve ser tida como elemento de legitimidade de novos modelos, standards ou conformações jurídicas, cabendo aqui o reforço, à guisa de conclusão, de que aquilo que não é vedado, logo, é permitido.
A assembleia virtual de condomínio é uma dessas estruturas jurídicas que vem ganhando foro de legitimidade, seja por força do avanço exponencial da tecnologia, seja em decorrência de situações impositivas de força maior, como a epidemia do novo coronavírus que vivenciamos, e que nos obriga a caminhar sem tropeços no árido caminho da gestão condominial, nesses tempos tão difíceis e desafiadores.
Mas há ainda outras situações que se somam para justificar a opção pelas assembleias virtuais; nessa seara podem ser citadas a dificuldade de reunir condôminos em meio a uma sociedade complexa que tanto exige de seus atores, a demora na apreciação de temas relevantes que impõe serem debatidos e deliberados em colegiados condominiais, a existência de condomínios de alta complexidade e de perfil de peculiar especificidade, como ocorre, a título de exemplo, com os condomínios multimodais ou empresariais, a reiterada ocorrência de reuniões assembleares que, com participação diminuta e reduzida de condôminos, dificilmente se efetivam com quórum apto a fazer representar a comunidade condominial em sua inteireza, o uso desenfreado, por vezes até mesmo irregular, de procurações outorgadas, o estabelecimento de condomínios representativos de verdadeiras cidades, cuja população beira aos milhares de pessoas, além da contemporânea forma de arranjo social cada vez mais distanciada da ágora, a praça pública da Grécia Antiga, local demarcado pela prática de reuniões onde os gregos, como os de origem ateniense, debatiam os assuntos vinculados à gestão da polis, ou cidade.
Segundo as diretrizes insertas vigente Código Civil, há necessidade de serem aprovados em assembleia condominial inúmeros temas, tornando a reunião assemblear procedimento formal, em que a ata representa o registro temático, dos debates e das decisões emanadas pela massa presente ao encontro.
Nos dias atuais, em que procedimentos administrativos de essencial formalidade são realizados por meio virtual ou à distância, como é o caso do pregão eletrônico, em sua qualidade jurídica de “modalidade de licitação”, soa estranho, para não dizer arcaico e obsoleto, o fato dos condomínios conduzirem suas reuniões de maior relevo, única e exclusivamente por meio de assembleias presenciais.
Torna-se assim indispensável flexibilizar a forma de obtenção do voto dos condôminos, de maneira a possibilitar ao condomínio fazer uso de outros meios, tais como uma homepage que permita a dispensa presencial dos condôminos, especialmente diante da constatação de que as reuniões presenciais, não raro, se mostram ineptas para angariar a presença física dos legítimos representantes do condomínio.
De outro norte, não se deve olvidar o fato de que, atualmente, a concepção desse modelo virtual de assembleia não encontra expressa guarida no ordenamento jurídico pátrio, daí porque se recomenda, à guisa de reforço, de segurança e de blindagem jurídica, que se faça previsão expressa na convenção condominial, no sentido de sua adoção e da imanente disciplina quanto ao seu modo de proceder.
Este novel procedimento deve atentar para aspectos basilares e essenciais, dos quais se pode citar, como exemplos, o modelo e formato da lista de presença, a dinâmica própria do voto virtual, a validação das deliberações, o emprego de procurações, a apresentação de expedientes documentais da representação, o emprego de certificação digital, o uso de senhas de acesso, a adoção de sistemas antifraude, entre outros assuntos correlatos.
Relevante consignar que tramita no Congresso Nacional algumas iniciativas legislativas, tais como a da lavra da Senadora Soraya Thronicke, cujo Projeto de Lei 548/2019 aponta para uma alteração do Código Civil, de forma a conceber a possibilidade do emprego de assembleias virtuais no âmbito da gestão condominial.
Queiramos ou não, gostemos ou não, as assembleias virtuais chegam na velocidade da luz e encontram ambiência prática e alto grau de receptividade, demandando dos gestores condominiais, para início de implementação, a necessidade, apriori, de prover uma estrutura jurídica segura, no corpo da convenção de condomínio, seguida de um procedimento hígido, tudo e para o fim de garantir a adequação da gestão condominial ao tempo presente e futuro, onde a tecnologia da informação deixou de ser um anseio do porvir, para se tornar uma realidade instalada, a despeito de sua revolucionária forma de condução de temáticas, debates e decisões.
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*Vander Ferreira de Andrade é advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Titular de MBA em Direito Imobiliário das Faculdades Legale (São Paulo). Professor Titular de Direito Imobiliário da Escola Superior de Direito (Goiânia). Coordenador de Cursos de Formação de Síndicos Profissionais, de Gestores Prediais e de Administradores de Condomínio, já tendo capacitado mais de 3.000 profissionais no segmento condominial em todo o Brasil. Palestrante e Parecerista. Articulista do “Jornal do Síndico” de São Paulo e de diversas revistas especializadas na área de direito e gestão condominial. Autor da obra “Manual do Síndico Profissional” pela Editora Nelpa (2018). Atualmente é Presidente da Associação Paulista de Síndicos Profissionais e Pró-Reitor de Administração e Planejamento do Centro Universitário Fundação Santo André.