Em meio à crise econômica sem precedentes gerada pelo covid-19 – "coronavírus", ressurge a discussão acerca da tributação sobre dividendos pagos por pessoa jurídica a pessoas físicas.
Tramita no Senado Federal o PL 766, de 20201, apresentado pelo Senador Randolfe Rodrigues, o qual prevê a possibilidade de ato do Poder Executivo revogar a isenção de lucros e dividendos, a fim de que o valor arrecadado seja revertido a favor da população que se encontra desprotegida e mais exposta aos efeitos causados pela crise, por meio do "Sistema Solidário de Proteção à Renda"2.
Dentre as justificativas apresentadas no PL a que mais se destaca é a de que "centenas de bilhões todos os anos que não recolhem imposto de renda, em benefício da elite econômica do País. Como a revogação de isenção não exige anterioridade, essa medida poderá arrecadar bilhões de reais para transferir aos mais pobres já este ano. (...) A Receita poderá cobrar alíquotas progressivas, maiores dos mais ricos, para o fim do que propomos".
Como se depreende da leitura das justificavas do PL em comento, se pretende tributar os dividendos recebidos por pessoas físicas por meio de alíquotas progressivas, inclusive, nos parece que a tributação abarcarias fatos geradores já ocorridos em momento anterior.
Referido projeto se encontra maculado de vícios insanáveis, haja vista que não respeita um dos princípios mais basilares do direito tributário, qual seja, o princípio da anterioridade, previsto no artigo 1503, III, b da Carta Constitucional, segundo o qual é vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que foi publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
O Princípio da Anterioridade tem por objetivo evitar que o contribuinte seja surpreendido com a cobrança de um tributo inesperado, tal como ocorre no caso da tributação dos dividendos pagos a pessoa física.
O Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do agravo regimental em recurso extraordinário 564.225/RS, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, já externou entendimento quanto a necessidade de observância do princípio da anterioridade em caso de revogação de isenção, por configurar aumento indireto do tributo4.
Ainda, o PL em comento acaba por violar o princípio da legalidade ao delegar ao Poder Executivo a possibilidade de criar tributação sobre a renda por meio da revogação da isenção.
É certo que caso o projeto de lei seja aprovado este acabará por gerar ainda mais instabilidade econômica além do fato de que certamente será objeto de medidas judiciais por parte dos contribuintes em razão dos vícios já apontados.
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2 O Sistema de Proteção a Renda garante os beneficiários do Bolsa Família um aumento de R$ 150 pelo período de sete meses, bem como a transferência de R$ 150 pelo período de quatro meses, aos registrados no Cadastro Único.
3 "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III – cobrar tributos: […]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;"
4 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas "b" e "c" do inciso III do artigo 150, da Carta. (...). (RE 564225 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe-226 DIVULG 17-11-2014 PUBLIC 18-11-2014)
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*Tania Laredo Cuentas é advogada do escritório Demes Brito Advogados - DBA.