A CLT, em seus artigos 501 até 503, prevê em seu bojo questão relevante para o atual cenário mundial. Estamos passando hoje por uma pandemia, causada pelo Coronavírus, a qual assola a sociedade ante seus diversos impactos sob a saúde da população, os lucros das empresas e, consequentemente, sobre a economia dos países.
Primeiramente, vale dizer que a seção em que se encontram tais dispositivos é denominada como “da força maior”. Tal expressão, comum no mundo jurídico, nos leva a ideia de caso fortuito, como se sinônimos fossem. Assim, diversos doutrinadores expõem que tais termos se traduzem num conceito técnico-jurídico.
É certo que a temática encontra grande divergência. Porém, o próprio Código Civil, em seu artigo 393, não diferenciou os institutos:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Desta forma, temos que a ocorrência de força maior está diretamente interligada a um fato crucial e de consequência inevitáveis.
Os juristas que alegam diferenças, porém, as estabelecem enunciando que caso fortuito ocorre quando o evento não pode ser previsto, sendo inevitável; ao passo que a força maior se relaciona com fatos naturais ou humanos, os quais não são imprevisíveis e não compreendem a possibilidade de impedimento.
A jurisprudência do Tribunal Regional da 24ª região, por exemplo, já considerou que a ocorrência de fortes chuvas não se enquadra como força maior, uma vez que não é fato imprevisível1.
Consoante o entendimento supra, os artigos da seção em referência levam a cabo questões envolvendo eventos de força maior. De proêmio, o questionamento que deve nortear a pesquisa sobre o atual cenário é se a ocorrência atual representa evento de força maior. Ora, de maneira geral, o evento é passível de previsibilidade? Seria a pandemia, o alastramento geral da doença, inevitável?
Acredita-se ser elevada a possibilidade de que a jurisprudência futuramente inclua o COVID-19 como situação de força maior, porém, poderão ser expostos entendimentos contrários. Ainda que coloquemos a diferença entre os conceitos, temos que as qualificadoras previstas estão presentes, pois, trata-se de fato não determinado pelas partes e totalmente fora do alcance humano.
A Consolidação das Leis Trabalhistas traz em si, no artigo 501, sua definição de força maior como todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador e para a realização do qual este não cooperou, direta ou indiretamente. O seu parágrafo primeiro prevê a imprevidência do empregador como excludente de força maior.
A imprevidência corresponde ao descuido, ausência de providências por parte do patrão, concorrendo para a ocorrência do evento. A falência, por exemplo, muitas vezes alegada pelos reclamados em ações trabalhistas como evento de força maior, não tem ganho força no Judiciário, haja vista ser considerada que a imprevidência do empregador concorreu para tanto.
A jurisprudência entende que a empresa não pode desviar-se dos riscos de sua atividade econômica, transferindo-a a seus empregados, porquanto cabe a ela a ingerência do negócio inerente à atribuição empresarial.
Outro ponto, é que deverá restar cristalinamente provado, para utilização das medidas previstas na seção, que o fato ocorrido tenha afetado ou foi suscetível de afetar substancialmente a economia e a situação financeira da empresa.
Assim, temos que a grande discussão jurídica se dará em torno dessa questão ser considerada ou não caso de força maior. Neste sentido, caso assim entenda o judiciário, cabível e válida será a medida do artigo 503 da CLT.
Entre as medidas previstas nos artigos subsequentes ao 501 da CLT, temos a problemática em discussão relacionada à possibilidade da redução de salários em até 25%. Pensamos que, conforme previsto em artigo, tal redução deve ser geral, sob pena de ato discriminatório em relação àquele que não tiver sua remuneração reduzida.
Além disso, tal contração deve observar que o salário não seja abaixo do mínimo da região do empregado. Tal artigo encontra obstáculo também em relação a irredutibilidade salarial, prevista no art. 7º, inciso VI, da CRFB/88, salvo se uma convenção ou acordo coletivo dispuser em contrário, sendo esta normativa posterior a previsão de força maior do artigo 503 da CLT.
Vejamos decisão:
“[...]a jurisprudência pacífica desta Corte caminha no sentido de que a redução salarial prevista no art. 503, da CLT, e no art. 7º, VI, da Constituição Federal, só é lícita se corresponder a uma compensação em benefício do empregado, sob pena de caracterizar-se renúncia de direito indisponível”[...]2
Assim, temos também que o TST já decidiu que o art. 503 da CLT foi revogado pela lei 4.923/1965, isto porque esta lei é propositiva à CLT e prevê a mesma redução salarial, porém, mediante negociação com o sindicato.
Ainda assim, existe na doutrina que sustente que o artigo 503 da CLT não se refere a situações idênticas da lei 4.923/1965, na medida em que nessa última se descreve taxativamente a aplicação da redução para empresas que necessitem de redução de jornada e dias de trabalho, de forma transitória, em razão de situação econômica.
De toda forma, ante as questões envolvidas, temos que, eventualmente, caso seja considerada ilegal a redução, a empresa terá de pagar a diferença entre o valor pago e o salário base do empregado. Logo, para assegurar a medida, prudente a realização de acordo coletivo prevendo tais condições, de modo a fornecer maior segurança jurídica, salientando-se que, ainda assim, o Judiciário poderá considerá-la inválida.
Lembrando que ante a situação atípica, dificilmente qualquer atitude encontrará 100% de respaldo. Porém, além da questão do acordo coletivo, pensamos que em eventual redução deve guardar relação com o também artigo 611-A, parágrafo terceiro, da CLT, que prevê a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo, caso este pactue atenuação de salário.
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1 TRT-24 00745004920015240021, Relator: NICANOR DE ARAÚJO LIMA, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 21/06/2002)
2 [4] RR-1001658-51.2013.5.02.0472 Data de Julgamento: 16/12/2015, Relator Desembargador Convocado: Cláudio Armando Couce de Menezes, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/12/2015
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