O assunto global recorrente de 2020 definitivamente (e infelizmente) é a pandemia da COVID-19.
Os impactos ao redor do mundo ainda são imensuráveis, não só em relação ao número de infectados e de vítimas fatais, mas também no que se refere à inevitável recessão que assolará todas as nações, ainda que em diferentes intensidades.
E neste avassalador cenário, volta aos holofotes o Direito do Trabalho, como protagonista das discussões acerca dos mecanismos que podem ser adotados para minimizar os inarredáveis efeitos dessa pandemia. Ou seja, um problema inicialmente adstrito ao campo da saúde, gerará efeitos econômicos devastadores e necessitará, inexoravelmente, se valer do Direito do Trabalho como um dos instrumentos para retomada da “normalidade”.
A posição do Direito do Trabalho como ciência intimamente interligada à Economia fica evidenciada na medida em que todos os países, inelutavelmente, travam debates e estudam alternativas dentro do campo trabalhista para mitigação dos efeitos econômicos e sociais da pandemia.
Diante disso, em março, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou uma nota contendo as diretrizes mundiais para mitigação dos impactos trabalhistas e econômicos decorrentes da COVID-191.
Vale ressaltar que o objetivo deste texto não é detalhar a pertinência, viabilidade ou efetividade das conclusões das análises feitas pela OIT, mas sim compilar as principais diretrizes e projeções do estudo realizado pela referida Agência das Nações Unidas.
As avaliações e prognósticos contidos na nota emitida pela OIT indicam que a pandemia, além dos efeitos na saúde, afetará o mercado de trabalho em três principais pontos:
- quantidade de postos de trabalho;
- qualidade do trabalho e
- maior exposição dos grupos já usualmente vulneráveis (por exemplo: idosos e migrantes/imigrantes).
O gráfico abaixo2 demonstra que a projeção da OIT em meados de março era de um aumento do número absoluto global de desemprego de até 24.7 milhões ao longo de 2020, o que representa cerca de 13% de aumento no número de desempregados, que em 2019 somavam aproximadamente 188 milhões.
Esse número representa o mais drástico cenário previsto pela OIT. No cenário mais brando, o aumento do número absoluto de desemprego seria de aproximadamente 13 milhões.
O gráfico demonstra, também, que as projeções são periclitantes até mesmo para os países de alta renda.
Os números projetados pelo estudo da OIT (consolidado em meados de março e, portanto, já passível de diversas alterações conforme avança o cenário pandêmico) demonstram que o quadro de desemprego ora previsto é 12,2% maior que aquele vivido na crise financeira de 2008, quando o número geral de desemprego aumentou 22 milhões.
O estudo da OIT prevê, ainda, que a perda global de renda de trabalho esperada ao longo de 2020 é de até 3,440 bilhões de dólares, o que, certamente, traduzirá enorme impacto na economia, já que a consequência é o menor consumo de bens e serviços, além de redução do empreendedorismo.
A tabela a seguir3 sugere o aumento de trabalhadores abaixo da linha da pobreza em até 35 milhões a mais do que o estimado antes da pandemia.
O cenário mapeado pela OIT indica que urge um efetivo diálogo tripartite – no plano coletivo e individual – entre Governo, empregadores e trabalhadores, apto a criar engajamento global para minimizar os efeitos da pandemia em curso.
Nesse sentido, a OIT reforça em sua nota a importância de uma abordagem crítica e centrada na força-motriz da produção (trabalhador) e no acionamento de alavancas político-econômicas que possibilitem a manutenção das atividades econômicas e, consequentemente, dos postos de trabalho.
Por isso, os dois pontos elencados pela OIT como mais sensíveis e que merecem a atenção das políticas públicas são: medidas de proteção à saúde e apoio econômico (tanto no viés da continuidade da atividade empresarial, como no sentido da continuidade do consumo por meio da garantia da renda básica).
Os esforços político-econômicos não visam apenas minimizar os números do desemprego de forma imediata, mas também minimizar os choques nas cadeias de suprimentos e demandas, de modo a evitar uma prolongada recessão econômica global.
Assim, as diretrizes da OIT têm por baluarte o seguinte tripé:
- Proteção do trabalhador dentro e fora do ambiente de trabalho
- Estímulo à economia e ao emprego
- Medidas para manutenção de postos de trabalho, de investimentos e renda
Esse tripé inclui a ampliação da proteção social, apoio para manutenção de emprego e concessão de auxílios financeiros, além de reduções fiscais (especialmente para micro, pequenas e médias empresas).
A estrutura do tripé de políticas sugerido no estudo da OIT é, de forma resumida, a constante do quadro abaixo4:
O primeiro ponto é garantir a efetivação das medidas de segurança e higiene do trabalho, especialmente voltadas à atual atípica situação sanitária experimentada em razão da COVID-19.
Assim, faz parte desse conjunto de medidas a garantia do afastamento social entre os trabalhadores, inclusive por meio da adoção de trabalho remoto.
Também integra esse conjunto de medidas a prevenção às práticas discriminatórias em relação aos contaminados pelo novo vírus, ou em relação àqueles pertencentes ao chamado “grupo de risco”.
Evidentemente, também faz parte do conjunto de medidas de proteção à saúde dos trabalhadores (assim como de todos os cidadãos) a garantia de acesso ao sistema de saúde público e privado apto aos atendimentos necessários para tratamento da doença.
Ainda, as diretrizes falam em ampliação das licenças remuneradas, atendidas as particularidades da legislação e de seguridade social de cada país e, inclusive, com vistas a possibilitar o afastamento do trabalhador para cuidar de pessoas de seu convívio (pais, filhos, cônjuge etc.) que estejam em convalescência decorrente da COVID-19.
Já na seara do estímulo à economia, envolvendo a manutenção de empregos e renda, a OIT elenca diversas medidas governamentais, especialmente medidas de política fiscal e monetária “acomodativa” e isenção de determinados tributos das pequenas e médias empresas e até mesmo sobre o salário.
Também estimula a concessão de empréstimos e aportes financeiros a setores específicos, inclusive aqueles ligados à saúde, ressaltando que a própria crise sanitária global é uma oportunidade de criação de novos postos de trabalho nessa área, bem como de melhorias dos sistemas de saúde.
As diretrizes da OIT também indicam a possibilidade de adoção de jornadas de trabalho menores, licenças remuneradas, férias coletivas e individuais e subsídio governamental para complementação de renda.
A nota direcional da OIT também elenca alguns exemplos (rol não taxativo) de medidas já adotadas em alguns países durante esta pandemia:
- Adoção de teletrabalho e regime de escalonamento de trabalho presencial no Japão;
- Manutenção dos salários dos empregados em quarentena ou doentes na China;
- Auxílio financeiro concedido aos trabalhadores autônomos na Irlanda, Coreia do Sul e Singapura;
- Envio por parte da Federação de Negócios do Japão (Keidanren) de questionário às empresas sobre as medidas de higiene e segurança do trabalho adotadas;
- Criação de canais de comunicação no Japão, por meio da Confederação Sindical, para instrução dos trabalhadores sobre medidas preventivas;
- Criação de canais de comunicação por parte do Ministério da Justiça do Japão para coibir e receber denúncias de assédio em relação à COVID-19;
- Países como Itália, França, Alemanha e Holanda estão flexibilizando os mecanismos legais para complementação salarial dos funcionários que tiveram jornada de trabalho reduzida ou que não estão trabalhando em decorrência da pandemia;
- Orientação do governo chinês para que contratos de trabalhadores migrantes não sejam rescindidos no caso de contaminação ou de adoção de quaisquer medidas de contenção.
- Aporte de £2.2 bilhões de libras esterlinas do governo britânico para suporte às pequenas empresas.
Observa-se que todas as diretrizes da OIT atinentes a esse tema, de uma forma ou outra, vão ao encontro de um dos principais objetivos da própria Agência, que é o pleno emprego e o incentivo do diálogo (individual e coletivo) e da cooperação entre trabalhadores e empregadores para melhoria da produção e elevação das condições sociais, nos termos previstos na Declaração de Filadelfia (1944)5
Apartando discussões mais aprofundadas sobre políticas neoliberais e mínima intervenção estatal, é certo que não há possibilidade de desjungir a atuação estatal neste momento atípico, no qual uma crise inicialmente sanitária ultrapassou as barreiras das questões de saúde e vem atingindo sobremaneira a economia e o mercado de trabalho. Daí a importância do diálogo tripartido, harmônico e categórico, além da efetivação de políticas públicas nos mais diversos prismas, com vistas a minimizar os efeitos pandêmicos e abreviar a duração da recessão que vem se desenhando globalmente.
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1 O documento (redigido na língua inglesa) pode ser acessado no site da OIT, clique aqui.
2 Extraído da Nota da OIT, clique aqui.
3 Extraída da Nota da OIT, clique aqui.
4 Extraído da Nota da OIT, clique aqui.
5 Íntegra da Declaração, clique aqui.
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*Priscilla Pacifico Paghi, advogada associada ao escritório Zarif e Nonaka Advogados.