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O sistema multiportas: caminho para a solução pacífica dos conflitos

Quanto tempo ainda levará para que se estabeleça uma cultura de não judicialização, não se sabe. Mas os novos profissionais do Direito certamente já chegam ao mercado cientes de que a poderão bater cada vez menos à porta do Poder Judiciário.

30/3/2020

Faço parte de uma geração, formada nos bancos das faculdades de Direito pós-Constituição de 1988, que via na inafastabilidade do Poder Judiciário o remédio para todos os males.

Apregoava-se, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Cidadã, que seria o Judiciário o garantidor supremo de todos os direitos espalhados pela Carta Maior – que não eram poucos!

Foi preciso que se ultrapassasse o impressionante número de 100 milhões de ações judiciais (praticamente uma para cada dois habitantes) para que o próprio Poder Judiciário começasse a debater alternativas.

Curioso que por ocasião da edição da Constituição há muito outros países debatiam a existência de outras formas mais adequadas para solução de conflitos.

No final da década de 1970, nos Estados Unidos, desenvolveu-se o Sistema Multiportas, a partir da premissa básica de que não se pode resolver todo os tipos de conflito com o mesmo mecanismo (GOLDBERG, SANDER, ROGERS, COLE. Dispute Resolution: Negotiation Mediation & Other Processes).

Seria necessária, por essa visão, a disponibilização de várias outras “portas” (ou possibilidades) às partes e aos seus advogados, respeitando inclusive a autonomia de vontade dos interessados, no sentido de que possam eles mesmos escolher o melhor caminho para a solução dos seus conflitos.

A situação se assemelha à do paciente que procura um médico para resolver um problema de saúde. O bom médico não prescreverá o mesmo remédio para todos, devendo levar em consideração a condição especial do paciente e o diagnóstico do estágio de evolução da doença.

No campo jurídico, mesmo passados quase trinta anos da entrada em vigor da Constituição, o remédio amargo que continuamos prescrevendo é o mesmo: ações judiciais longas, onerosas e com resultado incerto.

Ainda são poucas as pessoas que conhecem o mecanismo da arbitragem, criado pela lei 9.307/96, e da mediação, regulada pela recente lei 13.140/15. Menos ainda têm ciência de mecanismos como o dispute board, a negociação, a adjudicação, entre outros, que oferecem maior economicidade, sigilo e rapidez, imprescindíveis no ambiente negocial.

A própria Constituição dá respaldo a esses instrumentos, quando determina a busca pela solução consensual de conflitos no seu preâmbulo e no artigo 4º, inciso VII, sabedora de que esse é o melhor caminho para o desenvolvimento de nossa sociedade.

Felizmente a mediação, a conciliação e a arbitragem passaram a constar agora do quadro de disciplinas obrigatórias a serem lecionadas nos cursos de direito, permitindo que os estudantes de direito tomem conhecimento desses mecanismos desde o banco da faculdade.

Quanto tempo ainda levará para que se estabeleça uma cultura de não judicialização, não se sabe. Mas os novos profissionais do Direito certamente já chegam ao mercado cientes de que a poderão bater cada vez menos à porta do Poder Judiciário.

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*Marco F. V. Di Iulio é procurador federal, sócio-fundador da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada – CAMES.

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