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O futuro das parcerias público-privadas após a covid-19

Do plano inegável de incertezas que vige hoje no mundo, uma certeza é inequívoca: é preciso levar a sério os impactos que os contratos concessórios encontram-se sofrendo.

27/3/2020

Uma das principais tarefas do Direito é estabelecer preceitos fundamentais que permitam a convivência social e a subsistência da própria sociedade. É estabelecer normas que provejam estabilidade, previsibilidade e segurança para que se possam tomar decisões hoje que terão efeitos no futuro. De tempos em tempos, no entanto, um “cisne negro”, evento altamente imprevisível e de altíssimo impacto, ocorre e causa a total desestabilização da normatividade. Nesse momento, no entanto, é novamente ao Direito que se volta: também nele estão as regras que definem o que deve ocorrer em situações excepcionais, como a atual pandemia enfrentada pelo mundo, que não desfruta de limites fronteiriços.

Dentre os inúmeros impactos que se abatem inexoravelmente sobre a vida cotidiana, aqueles que atingem o exercício das muitas funções públicas têm especial destaque. E, dentre tais funções, uma das que mais sofre é aquela em que empresas e governos atuam em parceria para prestar serviços públicos e de infraestrutura, normalmente, com pesados investimentos de longo prazo: as parcerias público-privadas (aqui considerada, as “concessões comuns” e também os modelos típicos de “concessão administrativa” e “concessão patrocinada”). O que será, então, que deverá ocorrer diante da imensurável ruptura do delicado equilíbrio desses contratos?

Talvez pela primeira vez desde a promulgação da Constituição e da edição de todas as normas que tratam de contratos públicos, está-se diante do que normalmente seria apenas um típico exemplo de manual de direito administrativo: uma situação pandêmica, global, que sequer depende de prova de ocorrência, e que, sem qualquer dúvida, corroerá o equilíbrio dos contratos vigentes. Todos sabem, a essa altura, que a Constituição e as leis procuram preservar tal equilíbrio. O que pouco se põe em evidência é que essa “benesse” está indissociavelmente ligada a um dever: assegurar a continuidade, a regularidade, a adequação, a modicidade das tarifas, a segurança e a atualidade da prestação do serviço. Ou seja, numa situação caótica como a presente, de um lado, os contratos de PPP necessitam preservação e, de outro, como regra, eles não podem sofrer interrupção.

Dessa forma, além de todos os ônus que recaem sobre o governo em tempos de crise para preservar a vida, a segurança e a incolumidade das pessoas, medidas imediatas de contingência podem e devem ser por ele consideradas, tais como, por exemplo, a revisão de metas, a aprovação mais eficiente de processos de revisão que encontram-se em tramitação, a renegociação de prazos ou obrigações de investimento e, porque não, a postergação ou até renúncia a recursos de outorga onerosa. Medidas como essa criariam, no contexto de cada contrato, um ambiente propício a que os parceiros privados tomem fôlego para, justamente, garantir que não haja solução de continuidade da prestação dos serviços.

E mais: se, de um lado, é natural e necessário que medidas excepcionais de restrição ao exercício das liberdades individuais sejam editadas e executadas pelos governos, de outro, é preciso sopesar bem a utilização de tais mecanismos em contratos de parceria público-privada. É fato: na crise, obrigações serão descumpridas e o serão, certamente, contra a vontade e o melhor esforço dos parceiros privados. Porém, de que adiantaria, numa situação como essa, por exemplo, utilizar a “mão pesada” do estado para punir? Esse é um momento que exige, de fato, que o rótulo “Parceria” seja interpretado e aplicado com o significado que, não raro, é deixado de lado: cooperação entre partes que, embora desejem realizar interesses próprios, estão ligadas a um interesse maior, que é a prestação adequada de serviços públicos. A expressão denota aquilo que é fundamental nesse tipo de ajuste e que deve ser um primado recíproco: convergência!

E, quando a crise acabar ou, ao menos, estiver sob controle, será preciso cumprir as leis como elas foram enunciadas para ser cumpridas: mediante prova do prejuízo, cada contrato precisará ser revisto para restabelecer seu equilíbrio, com base na boa-fé, na lealdade, na confiança legítima e na certeza de que todas a medidas que se concretizarem haverão sido adequadamente ponderadas pelo gestor público com base no conhecimento possível do hoje, e não no que se saberá quando as prestações de contas forem julgadas pelos órgãos competentes.

Do plano inegável de incertezas que vige hoje no mundo, uma certeza é inequívoca: é preciso levar a sério os impactos que os contratos concessórios encontram-se sofrendo, para que as decisões decorrentes de sua imprescindível continuidade sejam tomadas de maneira segura, individual, equilibrada, proporcional, de forma a garantir a cada um aquilo que sempre foi objeto da maior aspiração nessa valiosa relação: a proteção do interesse público e a salvaguarda dos interesses patrimoniais dos investidores. Não há outro caminho, a orientação segura em momentos pandêmicos é a necessária cautela para tomar decisões racionais, que encontrem supedâneo fático e jurídico, de forma a manter os contratos em sadia performance, evitando que a pandemia se converta em pandemônio!!!!

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*Augusto Neves Dal Pozzo é sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados. Presidente do IBEJI - Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura. Professor da PUC/SP.

*Renan Marcondes Facchinatto é sócio do Dal Pozzo Advogados. APMG International – K-INFRA CP3P-F Accredited Trainer. embro do IBEJI - Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura. 

 

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