Dentre as medidas de enfrentamento ao estado de calamidade pública decorrente da epidemia de COVID-19, elencadas pela Medida Provisória 927, de 22/3/2020, a suspensão da relação de emprego em caso de direcionamento do trabalhador para qualificação profissional apresentava-se como a mais viável aos empregadores, já que suspenso o contrato de trabalho inexiste obrigação de pagamento ou de antecipação de salário ou mesmo de adimplemento de quaisquer verbas trabalhista.
A repercussão negativa da MP 927, de 22/3/2020, sobretudo quanto a dita suspensão de salários, não é consequência da natural e massiva inclinação dos empresários pela aplicação da medida, já que a qualificação profissional como causa de suspensão do contrato de trabalho foi instituída há quase duas décadas, pela MP 2.164-41, de 24/8/2001, que acrescentou o art. 476-A da CLT, redação ainda vigente.
A rejeição popular decorre da previsão contida no § 5º, art. 18, da MP 927/2020, o qual isentava o Governo Federal de conceder a bolsa-qualificação prevista no art. 476-A da CLT, abrindo espaço para a possibilidade daqueles empregados direcionados para qualificação profissional permanecerem sem qualquer amparo financeiro.
Pressionado pela opinião pública, a Presidência da República revogou o art. 18, caput e parágrafos, da MP 927/2020, desta feita através da publicação da Medida Provisória nº 928, de 23/3/2020.
Ocorre que a revogação parcial da MP 927/2020 não impede, em princípio, que as empresas adotem, como forma de preservar os postos de trabalho, a suspensão do contrato de trabalho para qualificação profissional, já que a norma de regência é o art. 476-A da CLT, dispositivo não revogado e que está em plena produção de efeitos jurídicos.
Também permanece em vigor o inciso VII do art. 3º da MP 927/2020, que integra o direcionamento do trabalhador para qualificação profissional no rol das medidas de enfrentamento ao estado de calamidade pública decorrente da epidemia de COVID-19.
Com a revogação do art. 18, caput e parágrafos, da MP 927/2020, a regra geral para a suspensão da relação de emprego para qualificação profissional voltou a ser o art. 476-A da CLT, que impõe formalidades para adoção da medida, tais como a negociação coletiva, comunicação com antecedência mínima de 15 dias.
Contudo, o art. 2º da MP 927/2020, expressamente concede autorização a empregados e empregadores para definição de medidas e concessões necessárias, mediante ajuste individual escrito, para evitar a rescisão contratual durante o período de calamidade decorrente da epidemia de COVID-19. A parte final do referido dispositivo deixa claro que as disposições ajustadas nesse pacto excepcional prevalecem sobre as disposições contidas na CLT e nos instrumentos coletivos.
Sob a perspectiva da preservação da relação de emprego, com respaldo no art. 2º da MP 927/2020, as formalidades previstas no art. 476-A da CLT, tais como a negociação coletiva e comunicação com antecedência mínima de 15 dias, podem ser flexibilizadas, desde que de comum acordo entre empregado e empregador, possibilitando, destarte a então “vedada” suspensão da relação de emprego para qualificação profissional.
Não se pode perder de vista que a finalidade e o bem jurídico tutelado pelo art. 476-A da CLT ao impor autorização sindical, qual seja, preservação dos interesses do trabalhador, serão atingidos com o ajuste particular, já que este tem como objetivo único, desde que firmado com boa-fé e probidade, evitar o seu desemprego e consequente desassistência sua e de seus familiares.
Aliás, a boa-fé, em todo esse duro processo epidêmico, possui sobrelevada relevância, afinal sem solidarização de todos os players que orbitam em torno do contrato de emprego, se valendo de razoabilidade e proporcionalidade, os danos ao País serão bem mais profundos.
Eis a exegese que se extrai do disposto na lei 13.874/2019, a qual possui denso conteúdo principiológico que deve ser aplicado a panorama social vivido e que impacta obrigatoriamente no direito do trabalho. Não há como não se interpretar a suspensão momentânea do contrato de emprego, às expensas do Estado, nos moldes propostos, como um grito em favor da ordem econômica, ex-vi art. 170 da Carta Magna, mas que respeita os direitos sociais mínimos estabelecidos no art. 7º da Constituição Federal, motivo pelo qual o que está em jogo é o interesse público com o lay off, e não das partes contratantes (art. 8º da CLT).
Portanto, fechado o parêntese, com a revogação do § 5º, art. 18, da MP 927/2020, prevalece a obrigação ao Governo Federal para concessão de bolsa-qualificação prevista no art. 476-A da CLT, sem prejuízo de outras medidas pecuniárias emergenciais, de natureza indenizatória, que possam vir a ser concedidas pelo Poder Público.
Instituído o lay off, poderá, ainda, o empregado manter ou conceder benefícios como vale-alimentação, cesta-básica e até complementação pecuniária, sem que caracterize salário ou integre de forma definitiva ao contrato de trabalho, conforme §3º do art. 476-A da CLT.
E mais, após a suspensão contratual, o empregado não poderá ser demitido nos três meses subsequentes ao retorno das atividades, sob pena de pagamento de indenização compensatória de no mínimo o valor equivalente a sua remuneração, conforme §5º do art. 476-A da CLT.
Com isso, pelo que se percebe, o Governo Federal não conseguiu vedar a instituição de lay off pelos empregadores que devem utilizar o instituto com parcimônia e atenção, desde que se encaixe na sua atividade empresarial e em seu modelo de negócio.
E não venha o Governo Federal alegar criação de obrigação nova de concessão de benefício assistencial, uma vez que o instituto em defesa vige no ordenamento jurídico há quase 20 anos, sem qualquer eiva de inconstitucionalidade.
Enfim, em um momento de tamanha repercussão social, sem precedentes na história nacional, chegou a hora do Poder Público arregaçar as mangas, sair do misto de letargia e ineficiência que o acomete a fim de assumir a responsabilidade que lhe é inerente, por disposição constitucional, e encontrar soluções urgentes, eficazes que mantenham vivos empresas e empregos.
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*Daniel Sebadelhe Aranha é sócio do Sebadelhe Aranha & Vasconcelos. Presidente da AATRA-PB - Associação dos Advogados Trabalhistas da Paraíba. Diretor do CESA PB - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, Seccional Paraíba.
*Mateus Souto Maior Caldas Ribeiro é sócio do Sebadelhe Aranha & Vasconcelos. Especialista em relações de trabalho. Consultor.