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Um novo modelo de licitações e contratações administrativas?

A MP 926 pode funcionar como experimento para a reforma das licitações.

25/3/2020

A dinâmica da evolução da pandemia vai evidenciando a obsolescência das normas do direito administrativo “tradicional”. 

Essa  constatação  se  aplica  inclusive  às  previsões da lei 13.979, de 6/2/20, destinada precisamente a veicular normas específicas para o combate à pandemia.  

Bastaram alguns dias para ser constatada a insuficiência das regras da lei 13.979. Isso conduziu à edição da MP 926, em 20/3/20, que introduziu diversas modificações na dita lei 13.979. As inovações versam sobre temas variados, inclusive sobre licitações e contratações administrativas.1 Este estudo examina apenas as inovações da MP 926 relativamente a esse tema.2

1) A eventual não conversão da MP em lei

Apenas por cautela, cabe ressaltar que existe a possibilidade teórica de que a MP não venha a ser convertida em lei. Se tal se passar, todos os atos concretos praticados em fundamento nela sujeitar-se-ão à disciplina dos §§ 3º e 11 do art. 62 da CF/88. Isso significa que, não ocorrendo a conversão da MP em lei, compete ao Congresso Nacional editar decreto legislativo para disciplinar os atos jurídicos nela fundados, praticados durante a sua vigência. Se não for editado referido decreto legislativo, haverá a consolidação dos referidos atos e relações jurídicas.

Essa advertência inicial é relevante porque se pode estimar que os diversos entes federados promoverão muitas contratações com fundamento na lei 13.979 (com a redação adotada pela MP 926). 

2) Ainda a preocupação com a responsabilização pessoal

A edição da MP 926 refletiu a preocupação dos agentes estatais com os riscos de responsabilização pessoal por contratações diretas sem o atendimento preciso e exato das determinações normativas.     

Somente será viável combater a pandemia e obter os melhores resultados possíveis se for superada a orientação da legislação tradicional atinente às licitações  e  contratações  administrativas.  Esse  é  o  enfoque  adotado  nas inovações introduzidas pela MP 926. 

2.1) A adoção das providências adequadas e necessárias

A pandemia exigirá dos administradores públicos a adoção das providências para enfrentar as dimensões dramáticas de uma crise  sem precedentes.  Nesse contexto, deve prevalecer o entendimento de que a atuação dos agentes será norteada especificamente pela dimensão da proporcionalidade. Isso significa legitimar a adoção de medidas concretas que se configurem, em vista das circunstâncias da realidade, como adequadas para enfrentar as exigências necessárias para evitar danos irreparáveis à saúde individual e coletiva. 

2.2) Ainda as regras do art. 22, caput e § 1º, da LINDB

Mais precisamente, caberá aplicar o disposto no caput e no § 1º da LINDB, adiante reproduzidos:

“Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das  políticas  públicas  a  seu  cargo,  sem  prejuízo  dos  direitos  dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente”.

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1 Evidentemente, trata-se de normas gerais sobre licitação e contratação administrativa. Portanto, são vinculantes para todas as esferas da Federação.  2  Em  20.3.20,  divulguei  estudo  sobre  os  impactos  da  pandemia  sobre  as  contratações administrativas (https://jbox.justen.com.br/s/Ynd6jfdCnWFwX32). Uma parcela relevante das considerações  ali  expostas  permanece  válida.  Mas  as  inovações  trazidas  pela  MP  926 acarretaram a obsolescência de diversas passagens. O presente estudo deve ser entendido como uma forma de atualização (e ampliação) do texto anterior. É recomendável a leitura conjugada dos dois artigos, eis que a essência do pensamento exposto no texto anterior não foi afetada. 

2  Em  20.3.20,  divulguei  estudo  sobre  os  impactos  da  pandemia  sobre  as  contratações administrativas (https://jbox.justen.com.br/s/Ynd6jfdCnWFwX32). Uma parcela relevante das considerações  ali  expostas  permanece  válida.  Mas  as  inovações  trazidas  pela  MP  926 acarretaram a obsolescência de diversas passagens. O presente estudo deve ser entendido como uma forma de atualização (e ampliação) do texto anterior. É recomendável a leitura conjugada dos dois artigos, eis que a essência do pensamento exposto no texto anterior não foi afetada.  

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*Marçal Justen Filho é mestre e doutor em Direitodo Estado pela PUC/SP. Sócio da Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados.

 

 

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