Em um país como o Brasil, repleto de desigualdades, enfrentar uma pandemia é muito mais do que sopesar o equilíbrio entre o humanitarismo e a economia. Temos obstáculos preexistentes ao vírus: a pobreza, a fome, a educação, a falta de saneamento básico, o desemprego, os empregos informais, a deficiência do SUS e, sem dúvidas, a violência doméstica.
A violência habitual contra a mulher representa números preocupantes, segundo o mapa de violência de 2018 (elaborado pela Comissão da Câmara dos Deputados de Direitos das Mulheres1): a cada 17 minutos uma mulher é vítima de violência física; a cada 30 minutos há uma nova vítima de violência psicológica/moral; por dia há 8 casos registrados de violência sexual e; toda semana 33 mulheres são assassinadas por parceiros ou ex-parceiros.
Dos autores dos feminicídios no Brasil, 95,2% são cônjuges ou ex-cônjuges (maridos/companheiros) ou namorados/ex-namorados e, 4,8% parentes (pais, avós, irmãos e tios). Quanto à violência doméstica que não é seguida de morte, os maiores agressores também são cônjuges ou ex-cônjuges (maridos/companheiros) ou namorados/ex-namorados – responsáveis por 58% da violência, já os outros 42% são de responsabilidade dos pais, avôs, tios e padrastos. Além disso, praticamente 50% dos crimes de natureza sexual tem também como algozes os familiares da vítima. O ambiente doméstico/familiar é, portanto, cenário da violência contra a mulher. Os números citados foram colhidos em situações habituais, que não a do necessário confinamento recentemente adotado pelas autoridades públicas para conter a disseminação do covid-19.
Posto isto, o alerta realizado pela ONU Mulheres, baseado na experiência de outros países também vitimados pelo covid-19, de que a violência doméstica contra a mulher pode aumentar durante o confinamento e crise econômica decorrentes da pandemia é pertinente e, não pode ser ignorado pelas autoridades públicas nacionais. Consequentemente, é imprescindível que seja atendida a recomendação da ONU de que os serviços de prevenção e resposta à violência contra as mulheres devem estar dentre as prioridades do Estado.
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*Diana Geara é advogada e membro do Escritório Professor René Dotti.