Nos últimos dias, assistimos de dentro de nossas casas o crescimento exponencial do coronavírus ao redor do globo, com o consequente impacto na economia dos países, inclusive no Brasil, onde diversos estabelecimentos de todo tipo de segmento estão fechados, por recomendação e determinação do governo, outros com suas operações reduzidas, gerando grandes prejuízos.
Não menos certo ainda, é que muitas empresas, de grande, médio ou pequeno porte, já começaram a sentir dificuldades em honrar em seus compromissos, a exemplo das obrigações trabalhistas, contratuais, fornecedores, aluguéis, tributos, entre diversas outras.
A questão crucial é que, para enfrentar a propagação do vírus o isolamento social - quarentena - é o principal procedimento a ser feito, e os reflexos são inevitáveis e prejudiciais a qualquer negócio, com o fechamento temporário e a diminuição da clientela, ausência de funcionários, alguns em teletrabalho, outros em férias coletivas, em acordos individuais, e até mesmo alguns sendo demitidos.
Em um momento crítico como este então, o que nos ensina o Direito?
Não é só o Coronavírus! Muitos outros fatores podem originar condições onde o comércio em geral, a indústria e o produtor rural não possa honrar seus compromissos, a exemplo de catástrofes naturais, entre diversas outras, onde tal situação imponha a interrupção do cumprimento daquilo que se obrigou.
Tanto no Código Civil Brasileiro como na Legislação Trabalhista, o que se chama de “força maior” é aquilo que foge totalmente à vontade das partes envolvidas no contrato, e que impede a sua execução ou cumprimento.
Quando a força maior torna impossível o cumprimento contratual, desobriga-se as partes de prestar o serviço contratado, pagar os serviço que contratou ou manter contratos de trabalho, por exemplo.
Ao meu sentir, o Covid-19 poderá criar exatamente isto: um motivo de força maior para o descumprimento de contratos, desobrigando a parte prejudicada a honrá-lo, ou não: a necessidade de comprovar que a pandemia inviabilizou por completo a manutenção da avença e não apenas uma situação pontual e transponível.
Sabemos que, para a Lei e vários precedentes dos Tribunais, algumas situações NÃO SÃO aceitas como argumento de “força maior”, por exemplo a falência, atos administrativos do poder público, condições climáticas, incêndio na inexistência de apólice de seguro, entre outras.
Antes de mais nada, o que deve ser analisado é se REALMENTE EXISTE o motivo de “força maior”, quando o cumprimento de sua obrigação é literalmente impossível.
Certo é que a pandemia do Coronavírus/Covid-19 é um fato imprevisível e fora do controle de qualquer um de nós. Pensar o contrário, seria dizer que o empresário ou o produtor rural não poderá alegar tal fato a seu favor quando deixar de honrar com alguma obrigação.
Digo isto, porque, o Código Civil em seu artigo 393 ensina que não se pode responsabilizar a pessoa que descumpriu ou não executou sua obrigação por conta de caso fortuito ou força maior, quando “expressamente não se houver por eles responsabilizado".
Seguindo este raciocínio, entendemos que os descumprimentos por conta da atual pandemia que experimentamos podem ter sua responsabilização excluída.
Atenção, não vale o mesmo para os descumprimentos ocorrido antes da ocorrência da força maior, ou seja, a alegação de força maior não serve para “perdoar” dívidas ou não cumprimentos de contratos cujo vencimento da obrigação se deu antes do fato.
A orientação é, independente de qual seja o caso, o comerciante, indústria, produtor rural ou até mesmo profissionais liberais verifiquem a dificuldade ou impossibilidade de cumprir suas obrigações, é o momento de abrir uma conversação imediata e franca com a outra parte, buscando soluções que minimizem o impacto aos envolvidos.
Todos os diálogos, e que podem nestes tempos serem realizados pelos meios digitais, devem observar se existe previsão no contrato, se há como rescindi-lo ou ajustá-lo, entre outros aspectos.
Qualquer ajuste a ser realizado ou outra alternativa qualquer para que se honre as obrigações, devem ser dialogadas com todas as partes envolvidas, sendo recomendado o auxílio do departamento jurídico e contábil, avaliando com precaução as implicações negativas - tantas as negociais como as jurídicas, que a decisão em não cumprir pode acarretar.
Caso ocorra estas negociatas, alterando qualquer contrato antes firmado, principalmente em relação a preços, prazos de entrega, vencimentos, sugere-se que as partes elaborem um aditivo contratual onde conste todos os novos ajustes.
Todos nós sabemos, que o isolamento total ou parcial crescente dia após dia, é importante e imprescindível medida de combate ao coronavírus, e de outro lado, uma ameaça à sobrevivência de inúmeros negócios, sendo inevitável que tenhamos que descumprir ou não honrar obrigações contratuais, configurando o motivo de força maior isentando a parte infratora de demais ônus.
Ocorre que, temos de ter responsabilidade na análise de cada caso, pois nem todas as situações podem ou devam ser tratadas como “força maior”. Por um lado temos o fator objetivo, o isolamento a impossibilidade de realizar as atividades comerciais, industriais, etc e de outro lado o fator subjetivo, onde o devedor - que não cumpriu a obrigação -, quem deverá provar que a situação atual inviabilizou sua capacidade de trabalho, tanto na prestação de serviços como no comércio e industria.
Motivo de força maior ou não, a hora agora é de compreensão, união e sensibilidade, sendo o diálogo antecipado, claro e equilibrado entre as partes envolvidas a saída para se alcançar a melhor solução para minimizar os impactos desta pandemia, evitando a judicialização de muitos contratos.
Tenho certeza de que, assim como em todas as áreas de nossas vidas e não apenas nos negócios, alguns irão aprender e outros irão confirmar que o diálogo sempre foi, é, e será, a melhor e mais eficiente solução para qualquer conflito.
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*Igor Giraldi Faria é advogado, professor, ex-conselheiro estadual da OAB/MT (gestão 2016/2018).