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Sites e aplicativos não podem bloquear usuários sem justificativa

O usuário que sofrer uma suspensão ou bloqueio de acesso aos perfis de redes sociais e não receber uma justificativa razoável e proporcional por parte do provedor tem o direito de reivindicar o restabelecimento do acesso.

23/3/2020

O roteiro é conhecido: o usuário abre seu celular ou computador para verificar as últimas novidades nas redes sociais, ou para verificar algum arquivo salvo na nuvem, e descobre que seu acesso está bloqueado. Imaginando se tratar de um problema temporário, o usuário tentar entrar em contato com a plataforma, mas recebe apenas respostas automáticas no sentido de que houve alguma violação dos seus termos de uso, mas não esclarece o que teria ocorrido. Muitas vezes, as respostas são apenas em inglês, e não há qualquer número de telefone disponível. O usuário fica impossibilitado até mesmo de ter acesso a dados e a arquivos armazenados.

Esse cenário se repete em redes sociais, servidores de e-mail e servidores de armazenamento em nuvem, apenas para citar alguns exemplos. Em muitos casos, a falta de transparência dessas empresas acaba não deixando alternativa aos usuários que não seja o ajuizamento de um processo judicial.

Essa postura reflete uma ideia ultrapassada de que as empresas são livres para fazer o que quiserem com os perfis, os dados e os arquivos das pessoas. Hoje em dia, porém, esses elementos formam a identidade digital e a imagem das pessoas no meio social. Não se mostra razoável a suspensão dos perfis sem que haja uma justificativa razoável e transparente, assim como não é juridicamente cabível a apropriação dos dados e arquivos das pessoas, sem que seja disponibilizada a ela a possibilidade de obter uma cópia deles.

O usuário de plataformas como as mencionadas acima é consumidor, nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), uma vez que se trata de pessoa física ou jurídica que utiliza o serviço prestado pelo réu como destinatário final. Já as empresas que administram essas plataformas são fornecedoras, nos termos do artigo 3º da mesma lei, uma vez que prestam serviços no mercado de consumo. Ainda que o uso de alguns desses serviços seja “gratuito”, existe remuneração indireta por meio de publicidade e pelo uso dos dados pessoais do autor.

Ao suspender o acesso às contas e aos perfis sem aviso prévio e sem a apresentação de justificativa razoável e proporcional, os provedores violam uma série de normas consumeristas, por exemplo as do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor: a) ao não informar qual teria sido a violação dos termos de uso, descumprem o direito básico do consumidor à “educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações” (inciso II); b) ao adotarem uma prática abusiva, descumprem o direito do consumidor à proteção “contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (inciso IV).

Tratando de cláusulas abusivas, o artigo 50 do Código de Defesa do Consumidor estabelece serem nulas de pleno direito as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (inciso IV), que “autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor” (inciso XI). Além disso, o parágrafo 1º do mesmo artigo prevê que é presumida exagerada a vantagem que “ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence” (inciso I), “restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual” (inciso II) ou “se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso” (inciso III).

Os termos de uso das plataformas não estão acima das leis. Ainda que prevejam a possibilidade de suspensão de contas sem aviso prévio e a critério do provedor, qualquer medida desse tipo deve ocorrer apenas se ficar comprovada infração grave. O provedor também deve fornecer informações transparentes sobre os motivos que o levaram a tomar essa atitude, justificando por que uma advertência ou o bloqueio parcial de algumas funcionalidades não seria suficiente, bem como possibilitar ao usuário link para download de seus dados e arquivos armazenados, quando não houver motivo razoável para impedi-lo de fazer isso.

Deve-se ressaltar que foi sancionada em 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/18), ou LGPD, que prevê uma série de parâmetros que devem ser seguidos pelos agentes de tratamento de dados pessoais. A LGPD deixa claro que o indivíduo em relação ao qual os dados se referem é titular destes. Assim, ele tem direito de controlar e de ser informado da forma pela qual seus dados são tratados. Um princípio fundamental da lei é o da autodeterminação informativa, previsto no inciso II do artigo 2º.

Além disso, ao prever os direitos dos titulares de dados, o artigo 18 da LGPD prevê o direito de acesso aos dados (inciso II) e a portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto (inciso V).

Ou seja, os provedores não são dono dos dados e dos arquivos que os usuários armazenam em suas contas ou perfis. A qualquer momento, seja durante a relação contratual ou após o seu término, o autor tem direito de acessar ou de fazer o download de todos esses dados e arquivos. Ainda que tenha ocorrido alguma violação da lei ou dos termos de uso por parte do usuário, em regra essas informações devem ser disponibilizadas. As plataformas devem apresentar justificativas razoáveis e proporcionais para impedir o acesso do usuário a estes.

Portanto, o usuário que sofrer uma suspensão ou bloqueio de acesso aos perfis de redes sociais e não receber uma justificativa razoável e proporcional por parte do provedor tem o direito de reivindicar o restabelecimento do acesso, ou ao menos a disponibilização de link para download dos dados e arquivos armazenados.

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*Marcelo Frullani Lopes é advogado do escritório Frullani Lopes Advogados.

 

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