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Cessão de direitos creditórios do SUS: perspectiva regulatória de utilização como garantia em contrato de mútuo bancário

A instituição financeira, então, subroga-se nos direitos creditórios da Entidade perante o Fundo Nacional de Saúde, nos termos do artigo 286 e seguintes do Código Civil seguintes do Código Civil Brasileiro.

18/3/2020

1. Funcionamento do SUS

Pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos podem receber recursos do Sistema Único de Saúde - SUS1 como contrapartida à prestação de serviços de saúde aos usuários desse Sistema2, desde que observados alguns requisitos dispostos em lei3.

O recorte estabelecido para este artigo diz respeito à situação específica em que: (i) a Entidade celebre contrato com determinado Município, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, por meio do qual se obrigue a prestar serviços de média e alta complexidade em saúde4; e (ii) os recursos para o pagamento da contraprestação advenham de repasses do Fundo Nacional de Saúde5 ao Fundo Municipal de Saúde. 

2. Cessão de direitos creditórios do SUS como garantia

Nesse contexto, é viável a cessão de créditos realizada por Entidades em favor de instituições financeiras, como forma de prestação de garantia em contrato de mútuo bancário, mesmo porque esse tipo específico de cessão de crédito é objeto de regulamentação específica do Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 2.182, de 24 de dezembro de 20156-7-8.

Em resumo, essa Portaria viabiliza que o Fundo Nacional de Saúde realize descontos mensais no Teto Financeiro de Média e Alta Complexidade (“Teto MAC”)9-10, em valor correspondente ao das parcelas mensais previstas para amortização no contrato de mútuo. Em vez de serem dirigidos ao Fundo Estadual ou Municipal de Saúde, os valores descontados são creditados em conta de depósito, com o CNPJ da Entidade, aberta pela instituição financeira com vinculação à operação de mútuo11.

A instituição financeira, então, subroga-se nos direitos creditórios da Entidade perante o Fundo Nacional de Saúde, nos termos do artigo 286 e seguintes do Código Civil seguintes do Código Civil Brasileiro.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

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1 Constituição Federal: “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

2 Lei 8.080/90: “Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.”

3 Por exemplo, a Entidade deve: (i) celebrar contrato ou convênio com os Municípios, por meio das Secretarias Municipais de Saúde; (ii) estar incluída no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.

4 Portaria de Consolidação nº 6/2017, do Ministério da Saúde – Gabinete do Ministro: “Art. 173. O bloco da Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar será constituído por dois componentes: I - Componente Limite Financeiro da MAC; e II - Componente Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC). Art. 174. O Componente Limite Financeiro da MAC dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios será destinado ao financiamento de ações de média e alta complexidade em saúde e de incentivos transferidos mensalmente. § 1º Os incentivos do Componente Limite Financeiro MAC incluem aqueles atualmente designados: I - Centro de Especialidades Odontológicas (CEO); II - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); III - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; IV - Adesão à Contratualização dos Hospitais de Ensino, dos Hospitais de Pequeno Porte e dos Hospitais Filantrópicos; V - Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa Universitária em Saúde (FIDEPS); VI - Programa de Incentivo de Assistência à População Indígena (IAPI); VII - Incentivo de Integração do SUS (INTEGRASUS); e VIII - outros que venham a ser instituídos por meio de ato normativo. § 2º Os recursos federais de que trata este artigo, serão transferidos do FNS aos Fundos de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme a Programação Pactuada e Integrada, publicada em ato normativo específico.”

5 Lei 8.080/90: “Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde. § 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde”.

6 A Portaria 2.128/2015 “dispõe sobre a realização de descontos nos valores referentes aos recursos do Componente Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade (Teto MAC) em virtude de cessão de créditos realizada por instituições de assistência à saúde prestadoras de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), em favor de instituições financeiras, como prestação de garantia em contratos de mútuo bancário”.

7 Recomenda-se a leitura de outras Portarias emitidas pelo Ministério da Saúde, a saber: Portaria nº 204, de 29 de janeiro de 2007; Portaria nº 1.034, de 05 de maio de 2010; Portaria nº 2.035, de 17 de setembro de 2013; e Portaria nº 2.617, de 1º de novembro de 2013.

8 É justamente em razão da permissão infralegal constante da Portaria 2.128/15, que entendemos ser baixo o risco incidência do disposto no art. 36, § 2º; e art. 32, ambos da lei 8.080/90: “Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. § 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. § 2º É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde. [...] Art. 52. Sem prejuízo de outras sanções cabíveis, constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (Código Penal, art. 315) a utilização de recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta lei.”

A propósito, vale transcrever o mencionado dispositivo do Código Penal: “Emprego irregular de verbas ou rendas públicas. Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.”

9 De acordo com  informações do site do Ministério da Saúde: “Os recursos federais destinados às ações e serviços de saúde de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar estão atualmente organizados em dois componentes: (i) Limite Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (MAC) que inclui os incentivos de custeio e é transferido de forma regular e automática aos fundos de saúde dos estados, DF e municípios; (ii) Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), cuja finalidade é financiar procedimentos e políticas consideradas estratégicas, bem como novos procedimentos incorporados à Tabela do SUS. Os recursos financeiros são transferidos após a apuração da produção dos estabelecimentos de saúde registrada pelos respectivos gestores nos Sistemas de Informação Ambulatorial e Hospitalar SIA/SIH.” Disponível em: https://www.saude.gov.br/gestao-do-sus/programacao-regulacao-controle-e-financiamento-da-mac/financiamento-da-media-e-alta-complexidades-mac. Acesso em 24.09.2019.

10 De acordo com  Nota Técnica do Conselho Nacional de Secretarias de Saúde, o Teto MAC é composto pelo: (i) valor do MAC, que é o Limite financeiro (valor máximo) disponível para custeio de ações e serviços de saúde do Bloco de Financiamento da Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, transferidos aos estados/municípios, de forma automática fundo a fundo, observando os atos normativos específicos referentes ao bloco e as referências constantes da Programação Pactuada e Integrada da Assistência à Saúde. Inclui os seguintes incentivos: INTEGRASUS, IAPI, CEO, SAMU,CEREST e HPP e eventuais recursos excepcionais; (ii) Recursos Excepcionais, que são os recursos adicionais eventualmente acrescidos ao valor do limite em um determinado período, para atendimento de necessidades não previstas ou situações emergenciais. Estão embutidos no limite financeiro – MAC; (iii) Valor per-capita do MAC, que é a razão entre o valor do MAC e a população da Unidade Federada.

11 De acordo com o Anexo I da portaria 2.182/2015, correspondente à Minuta do Termo de Cessão de Direitos Creditórios: “[...] as parcelas mensais serão repassadas pelo Fundo Nacional e Saúde, até o dia 15 (quinze) de cada mês, e assim sucessivamente, pelo prazo contratado, à instituição financeira acima identificada, no exato valor de cada parcela a ser informado pela mencionada instituição financeira ao Fundo Nacional de Saúde, até que ocorra a quitação do empréstimo, a ser objeto de firmatura entre as partes acima arroladas, a fim de ver cumprido na forma e modo pactuado. [...] Fica autorizado do Fundo de Saúde ____ (indicar), inscrito no CNPJ/MF nº _____, quando do pagamento ao Cedente dos haveres relativos à prestação de serviços de saúde ao Sistema Único de Saúde – SUS, descontar o montante relativo à parcela retida pelo Fundo Nacional de Saúde. A cessão de crédito aqui firmada é efetuada na forma da Portaria GM/MS ____/2013, e consubstanciada nas disposições do artigo 286 e seguintes do Código Civil Brasileiro, ficando a instituição financeira ____ sub-rogada nos direitos do credor perante o Fundo Nacional de Saúde , para receber os créditos que lhes foram cedidos, a serem depositados na agência ____ (nome), conta-corrente _____, aberta com vinculação para recebimento dos valores da contratação do empréstimo”.

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*Sofia Rodrigues Silvestre é advogada de direito administrativo no Cascione Pulino Boulos Advogados.

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