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Perspectivas para o setor de água e saneamento no país

O programa de privatização promovido durante a década passada esteve entre as mais significativas reformas já ocorridas na economia brasileira, beneficiando setores como telecomunicações, petróleo e transportes. Contudo, outras áreas restaram esquecidas. Em se tratando de água e saneamento, por exemplo, há ainda muito a fazer. A cobertura de saneamento no Brasil é insatisfatória, mesmo se comparada à de outros países do Cone Sul.

8/12/2003

Perspectivas para o setor de água e saneamento no país

 

Rodrigo Moura A. Faria

 

Fernanda Souto Pacheco*

 

O programa de privatização promovido durante a década passada esteve entre as mais significativas reformas já ocorridas na economia brasileira, beneficiando setores como telecomunicações, petróleo e transportes. Contudo, outras áreas restaram esquecidas. Em se tratando de água e saneamento, por exemplo, há ainda muito a fazer. A cobertura de saneamento no Brasil é insatisfatória, mesmo se comparada à de outros países do Cone Sul.

 

Atualmente, o principal obstáculo ao desenvolvimento do setor é o cipoal de normas e competências conflitantes que existem na Constituição Federal e nas leis estaduais e municipais que regulam a matéria.

 

A disciplina jurídica da água encontra-se dispersa. A propriedade das águas brasileiras está definida na Constituição Federal. A Lei nº 9.433/97 instituiu o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definiu os critérios de outorga de direitos de seu uso. As outorgas, concedidas por entes federais ou estaduais, dependendo de quem detém a propriedade da água, não podem exceder o prazo de 35 anos, renováveis.

 

No tocante aos serviços de saneamento, a Constituição Federal dispõe que compete aos municípios "organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local." Ao mesmo tempo, estabelece a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e municípios para promover programas de saneamento básico.

 

A partir da leitura dessas disposições aparentemente conflitantes, criou-se uma polêmica. De um lado estão alguns municípios, interessados em desenvolver seus próprios sistemas de saneamento. Do outro lado estão os Estados, que detêm o controle das maiores companhias de água e esgotos do país, como a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), do Rio de Janeiro, e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

 

Examinemos o modelo adotado pelo Estado do Rio de Janeiro, cuja Constituição atribui ao Estado a competência para organizar e prestar os serviços públicos de interesse estadual, metropolitano ou micro-regional, incluindo os serviços de abastecimento e produção de água e de saneamento básico. O Estado pode transferir esses serviços parcialmente aos municípios integrantes da região metropolitana, a aglomerações urbanas e a microrregiões. No entanto, a maior parte dos municípios integrantes da região metropolitana do Rio de Janeiro é atendida pela Cedae e não pode, na prática, conceder os serviços locais de água e saneamento.

 

Vale notar que a competência definida pela Constituição estadual não foi pacificamente aceita por todos os municípios fluminenses. Um bom exemplo da inconformidade de algumas administrações municipais foi o litígio entre a Cedae e a cidade de Niterói, envolvendo a concessão, por esta última, dos serviços de água e esgotos locais.

 

Para resolver o impasse e alavancar os investimentos na área de saneamento, o governo Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.763/2000, que estabelecia que a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico passaria a pertencer ao município, quando os serviços fossem de interesse local; ou ao Estado, em se tratando de serviços em que pelo menos uma das atividades, infra-estruturas e instalações se destinassem ao atendimento de dois ou mais municípios.

 

Com a mudança de legislatura, novos projetos de lei sobre o tema têm sido apresentados. O Governo Federal tem anunciado que pretende aproveitar as iniciativas anteriores para definir, de uma vez, as competências na área de saneamento, pegando carona nos projetos já discutidos no Congresso Nacional. A intenção do atual governo seria fazer um mutirão de saneamento básico nas principais regiões metropolitanas do país, inclusive concedendo serviços de água e esgoto à exploração pelo setor privado. O objetivo seria o de viabilizar a atração de recursos privados, mas com a manutenção da gestão pública. Tudo isso se coaduna com a tão comentada figura da parceria público-privada que se pretende instituir.

 

Se a iniciativa for à frente, será louvável. A deficiência de parte considerável dos sistemas de abastecimento de água e saneamento no Brasil faz com que seja necessária e urgente a reforma do setor. A edição de regras claras, sobretudo no que toca à definição de competências, é elemento fundamental para que se possa expandir a cobertura de saneamento no Brasil e atrair a participação do setor privado.

 

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Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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