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O processo no século 21

Há muito tempo o Processo Judiciário do Trabalho deixou de ser simples e despido de formalidades, como o teriam imaginado os membros da Comissão Elaboradora da CLT.

5/3/2020

Desde a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1º/5/43 (CLT), o Brasil dispõe de duas leis processuais de caráter civil: o Código de Processo Civil (CPC), e o Processo Judiciário do Trabalho (PJT), incorporado à CLT como Título X. São codificações inconfundíveis com o Código de Processo Penal, Código Eleitoral e Código de Processo Militar.

O Código Civil (Lei 10.406/02) encerra princípios, instituições e definições fundamentais às relações privadas entre pessoas naturais e pessoas jurídicas. Trata do contrato de prestação de serviços, mas não disciplina o contrato individual e o contrato coletivo de trabalho, matérias reservadas à CLT. A jurisdição civil, “será regida pelas normas processuais brasileiras” diz o art. 12 do CPC, mas, segundo o prescrito no art. 15, “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Há, portanto, ligações obrigatórias entre o Código de Processo Civil, como fonte primária de regras aplicáveis aos processos da órbita civil, e o Processo Judiciário do Trabalho, que daquele se serve para preencher vazios eventualmente constados no Título X da CLT.

O Processo Judiciário do Trabalho caracteriza-se pelo princípio da oralidade. A reclamação poderá ser escrita ou verbal, e dispensa fundamentação jurídica. Conforme ordena o art. 840, § 1º, com a redação atual: “Sendo escrita a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação do seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante”. Prescreve o § 2º, por sua vez que: “Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no § 1º deste artigo”. É obscura a expressão “no que couber”, entregue à livre interpretação dos interessados.

Enquanto o PJT permaneceu inalterado desde 1943, o CPC, de 1939, deu lugar ao CPC de 1973 e este, por sua vez, ao CPC de 2015, aprovado pela lei 13.105. Na legislação processual trabalhista merecem destaque, pelos aspectos inovadores e avançados, o “Convênio de Cooperação Técnico-Institucional entre o Banco Central e o Tribunal Superior do Trabalho, para fins de acesso ao Sistema Bacen-Jud”, celebrado em 5/3/02, conhecido como “penhora on-line” ou “penhora eletrônica” e a rápida implantação do Processo Judiciário Eletrônico (PJE), com resultados positivos surpreendentes. Alteração, de má técnica e para pior, se fez no art. 896 da CLT, pela Medida Provisória nº 2.226/2001, complementada pela lei 13.647/01, com o objetivo de dificultar a admissibilidade e o conhecimento do recurso de revista, mediante a introdução do requisito da enigmática palavra transcendência, matéria reservada a futuro artigo.  

Para se modernizar e se adaptar ao Processo Judiciário do Trabalho, proponho que se lhe façam três indispensáveis alterações: 1º) a supressão da reclamação verbal formulada pelo reclamante e reduzida a termo pelo escrivão ou chefe de secretaria, conforme faculta o art. 840 da CLT; 2º) a inclusão, como item obrigatório da inicial, da fundamentação jurídica do pedido; 3º) a presença do advogado, indispensável à administração da Justiça, segundo exige o art. 133 da Constituição da República e reitera o art. 2º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94).

Há muito tempo o Processo Judiciário do Trabalho deixou de ser simples e despido de formalidades, como o teriam imaginado os membros da Comissão Elaboradora da CLT. O leigo não dispõe de meios para elaborar a petição inicial com objetividade e clareza, de tirocínio para a produção de provas, de conhecimento para ajuizar recursos e acompanhar e resolver os incidentes da execução. São etapas processuais dependentes de elevado grau de experiência. Sob pena de se redigir peça processual incompleta, na propositura da ação, faz-se necessário indicar o fato e os fundamentos jurídicos do pedido (Código de Processo Civil, art. 319, III). O Código de 1973 já o dizia e com rigorosa clareza no art. 3º: “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”. A jurisprudência procura corrigir o erro da CLT limitando a presença do reclamante desacompanhado, ao primeiro degrau de jurisdição. O erro de origem exige, porém, correção, e a maneira de fazê-lo impõe que se faça necessária a representação de ambas as partes por advogado, desde a peça inicial e da contestação.

Por permitir que o reclamante formule reclamação verbal, a CLT excluiu a necessidade da fundamentação jurídica do pedido. Transferiu ao reclamado o ônus de pesquisar os dispositivos legais que dão suporte à acusação. Juízes, tribunais regionais e o Tribunal Superior do Trabalho construíram o novo Processo Judiciário do Trabalho caracterizado por rigorosas exigências técnicas. Tornou impossível a improvisação. Por outro ângulo, segundo a lei 13.467/17 o pedido deve ser certo, determinado e com indicação do valor, sob pena de indeferimento (CLT, Art. 840, § 1º. I). São condições necessárias que colocam o dissídio individual além do alcance do homem comum, não afeito às normas da legislação processual trabalhista ou da legislação processual civil.

A reclamação verbal, tomada por termo, é velharia para ser erradicada.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

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