Segundo relata-se, o seguro garantia teve sua origem nos Estados Unidos no século passado, em decorrência da inadimplência de vultosos valores por construtores de obras públicas, a partir da qual surgiu a obrigatoriedade das cauções de garantias em contratos envolvendo entes públicos.
No Brasil teve sua menção a partir do decreto-lei 73/66 e, em 1972, sem regulamentação efetiva, houve a emissão da primeira apólice de seguro garantia no país, que tinha por finalidade garantir a obra do metrô de São Paulo¹. O impulso foi dado pela lei 8.666/93 (Lei de Licitações), momento a partir do qual o seguro garantia passou a integrar uma das modalidades de caução, fomentando o início de seu crescimento no mercado brasileiro.
A partir da expansão observada, a SUSEP criou e divulgou Circulares específicas para o tema, nas quais foram delineadas as modalidades, regras para operação e diretrizes do seguro garantia, sendo a principal a circular 477/13, que esclarece acerca da estrutura do seguro, partes envolvidas e condições que devem ser padronizadas no que toca ao tema, complementada pela circular 577/18.
De acordo com a redação da circular mencionada, o seguro garantia tem por objetivo garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador frente ao segurado, que poderá ser um ente público ou privado.
Neste contexto, são várias as modalidades de seguro garantia disponíveis no mercado brasileiro, e para enfoque no presente artigo foi escolhido o seguro garantia judicial que, segundo a SUSEP, trata-se de contrato que garante o pagamento de valores que por ventura o tomador precise realizar ao longo do trâmite de processos judiciais, ficando o montante da cobertura limitado ao valor da garantia no feito.
O tomador do seguro judicial será o devedor em ação judicial e o segurado o credor da obrigação pecuniária objeto da lide.
Vale ressaltar que o seguro garantia cresceu 32% no ano de 2017 na comparação com o ano anterior, sob influência da crise econômica e do desemprego², sendo a maior mobilização decorrente do seguro garantia judicial, que movimentou R$ 2,2 bilhões, representando cerca de 85% do total do mercado de seguro garantia³, não havendo até a presente data o levantamento dos dados referentes ao ano de 2018.
A propagação de sua utilização no mercado brasileiro decorre da crise econômica que o país enfrenta há alguns anos, sendo uma alternativa para as empresas, em meio a crise, para a redução de suas despesas e a não paralisação de suas atividades, também bastante utilizado no âmbito dos processos trabalhistas, onde os depósitos recursais têm sido substituídos pelo seguro garantia judicial.
Considerando o crescimento exponencial do seguro garantia judicial, proporcionalmente houve o aumento de pronunciamentos judiciais nas diversas esferas do Judiciário, o que implica na formação de arcabouço jurisprudencial que nem sempre é pacífico.
Neste cenário, um tema que tem gerado bastante polemica no âmbito do seguro judicial é a possibilidade, nos processos de execução, de substituição da penhora em dinheiro por garantia judicial.
Tanto o antigo Código de Processo Civil (art. 656, § 2º), quanto o novo (art. 848, parágrafo único) previram a hipótese de substituição da penhora por seguro garantia judicial, em valor não inferior ao débito, acrescido de 30%, inovando o NCPC, no entanto, no sentido de que para fins de substituição da penhora o seguro garantia judicial equipara-se a dinheiro (art. 825, § 2º).
Na esfera cível essa questão não apresentou maiores contratempos, sendo que a problemática reside na esfera das execuções fiscais. Vale ressaltar, neste tocante, que a lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais – LEF) não trazia qualquer menção acerca da substituição da penhora por seguro garantia, que não era admitido como uma modalidade de caução.
Ocorre que a LEF foi alterada pela lei 13.043/14, que passou a prever, em qualquer fase do processo, a possibilidade de o executado oferecer em substituição à penhora o seguro garantia, o que, a princípio, sanaria eventuais dúvidas que pairavam sobre o tema ao longo de anos.
Ainda assim o assunto não restou resolvido, pois a substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia judicial tem sido aplicada de modo restrito, ou seja, em caráter excepcional, quando na realidade a lei não apresenta qualquer condição ou ressalva para a sua execução.
A corrente favorável do Superior Tribunal de Justiça (minoritária) traça o entendimento de que com o advento trazido pelo NCPC (de que para fins de substituição da penhora, o dinheiro equipara-se ao seguro garantia judicial), o exequente não poderia rejeitar a indicação, salvo a comprovação de vícios na garantia oferecida. Esse pronunciamento se embasa no princípio da menor onerosidade para o devedor, ou seja, na forma que cause o menor prejuízo possível ao executado, uma vez que “a retenção de grande numerário poderá causar severos prejuízos à empresa executada, sendo recomendável a aceitação da fiança bancária ou do seguro garantia 4.”
Mesmo com a inovação trazida pelo NCPC, bem como pela alteração trazida pela lei 13.043/14, a corrente majoritária do STJ defende que, havendo a penhora em dinheiro, não caberia a sua substituição por seguro garantia judicial ou fiança bancária, tomando como premissa o princípio da satisfação do credor, sem contar a inviabilidade da inversão da ordem legal de penhora, salvo se demonstrada a existência de violação ao princípio da menor onerosidade para o executado 5.
Ou seja, referida Corte entende que a hipótese de substituição da penhora pelo seguro garantia judicial deverá ser analisada caso a caso, sendo que seu deferimento se dará de modo excepcional, tão e somente para casos que demonstrem aludida relevância e efetivo prejuízo ao executado.
A lei, contudo, não traz absolutamente nenhuma condição para a realização da substituição mencionada, muito pelo contrário, além de que é incontroversa a equiparação do seguro garantia ao dinheiro, o que soluciona por si o embate em torno do tema.
Observa-se excessivo rigor do Judiciário na apreciação dos casos, uma vez que se a letra da lei não traz qualquer óbice, ou requisitos para a substituição referida, não há porque criar obstáculos para que a execução possa prosseguir pelo meio menos gravoso ao executado, além do fato de que o seguro oferece ao credor a garantia de que seu crédito será efetivamente satisfeito.
O que se concluiu é que não tem sido ponderadas as vantagens que o seguro garantia judicial oferece, dentre elas, a liquidez imediata, menores custos em comparação à fiança bancária; o patrimônio das empresas não permanece imobilizado, uma vez que podem fazer uso de seus ativos, o que significa a continuidade de suas atividades enquanto perdurar a execução.
O seguro garantia judicial, portanto, é uma alternativa muito eficaz no cenário econômico e financeiro do país, respaldada pela lei, pelo que quanto mais difundido o tema, mais provável será a mudança de entendimento dos tribunais pátrios, que passarão vislumbrar o seguro não mais como uma ferramenta extraordinária, mas fundamental para a segurança jurídica de todas as partes envolvidas no processo.
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1 POLETTO, Gladimir Adriani. O Seguro Garantia: em busca de sua natureza jurídica. 1ª Edição. FUNENSEG. Rio de Janeiro. 2003. p. 32.
2 Revista Apólice. Seguro garantia cresce 32% em 2017. Disponível em: https://www.revistaapolice.com.br/2018/05/seguro-garantia-cresce-32-2017/ Acesso em: 09.jan.2019
3 Revista Apólice. Crescente risco judicial eleva contratação de seguro garantia. Disponível em: https://www.revistaapolice.com.br/2018/07/crescente-risco-judicial-contratacao-seguro-garantia/. Acesso em: 09.jan.2019
4 STJ, REsp 1.691.748/PR, Rel. ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. TERCEIRA TURMA. Julgado em 07.11.17.
5 STJ, AgInt no AREsp 1.300.960/DF, Rel. ministra AUSSETE MAGALHÃES. SEGUNDA TURMA, Julgado em 17.10.18.
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*Lama Ibrahim é advogada da equipe de direito securitário do Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.