Migalhas de Peso

Novo regimento interno do CARF requer ainda mais debate

Proposta é elogiável, mas parte das alterações sugeridas merece atenção.

4/3/2020

Na próxima segunda-feira (6/3), encerra-se o prazo para envio de alterações ao regimento interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) por meio de consulta pública. Após a análise das sugestões, não será publicada uma nova versão do regimento, mas a proposta inicial do próprio CARF deixa clara a intenção de realizar mudanças significativas no texto inicialmente publicado por meio da portaria MF 343/2015.

Além da proposta de alteração publicada pelo CARF, foi divulgado um documento detalhado com os motivos da proposta. Logo no primeiro parágrafo é possível identificar o que parece ser o maior objetivo do Conselho nesta iniciativa: "imprimir maior celeridade na solução dos litígios, melhorar a eficiência dos processos de trabalho do órgão e, ainda, reduzir o seu custeio, considerando as limitações orçamentárias atualmente existentes".

São extremamente elogiáveis os objetivos expostos pelo CARF, assim como a iniciativa de abrir consulta pública sobre o tema, mas é preciso analisar cuidadosamente os meios propostos para atingir essa maior celeridade, eficiência e redução de custos.

Os pontos que mais chamaram a atenção dos contribuintes foram aqueles trazidos pelos artigos 62 e 69/70, que tratam, respectivamente, sobre a relação do CARF com os temas submetidos à sistemática dos artigos 543-B e 543-C do antigo CPC e dos artigos 1.036 a 1.041 do CPC vigente, bem como sobre a criação do recurso especial adesivo.

No primeiro ponto, como não poderia ser diferente, manteve-se a subordinação do CARF às decisões do STF e do STJ proferidas em sede de recursos repetitivos ou com repercussão geral, mas foi introduzida uma disposição que desobriga o CARF a reproduzir o entendimento do STJ na hipótese de a mesma matéria estar pendente de julgamento com repercussão geral perante o STF.

Não há qualquer comentário sobre essa importante disposição na exposição de motivos das alterações, a qual dá margem para que decisões do CARF confrontem o entendimento do STJ manifestado em recurso repetitivo apenas por estar a questão afetada em nível constitucional perante o STF. É importante lembrar que não há hierarquia entre os Tribunais Superiores e o fato de uma questão ter sido afetada constitucionalmente, embora gere uma possibilidade futura de sobreposição de entendimentos como decorrência da hierarquia das normas, não afasta a definição, transitada em julgado e com efeitos erga omnes, da questão em nível infraconstitucional.

No mais, o artigo 62 determina que não sejam sobrestados os processos administrativos que tratem de matérias afetadas por recurso repetitivo ou repercussão geral, fazendo uma excelente ressalva aos casos em que haja decisão de mérito ainda não transitada em julgado proferida pelo STF ou pelo STJ. Contudo, mais uma vez as decisões do STJ são colocadas em posição de inferioridade, pois só seriam sobrestados casos com decisão de mérito do STJ quando não houver questão constitucional afetada perante o STF no mesmo caso.

Destaca-se que, de forma contraditória à disposição anterior, os acórdãos do CARF que contrariem decisões do STJ proferidas em sede de recurso repetitivo, ainda que afetadas para julgamento com repercussão geral perante o STF, continuam não servindo como paradigma para interposição de recursos especiais, pois a ressalva feita nos parágrafos do artigo 62 não foi reproduzida no inciso II do parágrafo 12 do artigo 67.

Os artigos 69 e 70, por sua vez, trouxeram, tanto para o contribuinte quanto para o fisco, a figura do recurso especial adesivo, cabível contra parte favorável do acórdão em que o interesse recursal se configure com o seguimento do recurso especial da outra parte.

São bastante resumidos os comentários do CARF a respeito do recurso especial adesivo na exposição de motivos da proposta de alteração do seu regimento. Essa figura, embora pareça objetivar, de forma bem-intencionada, que os processos administrativos não tenham que ser devolvidos para julgamento de argumentos superados em segunda instância pela Câmara Superior ao prover recursos especiais, carece de maior detalhamento e regulamentação.

Há ainda alguns pontos menos abordados nos recentes debates sobre a proposta, tais como a da alteração que determina que, quando concedida vista, o processo deverá ser incluído no máximo na pauta da reunião seguinte, independentemente da presença daquele que pediu vista ou do relator.

Com efeito, não é nova a possibilidade de o julgamento continuar sem a presença do conselheiro que pediu vista, mas parece exagerada a inovação no sentido da continuação do julgamento sem a presença do relator. Certamente o ganho em termos de celeridade e eficiência não justifica comprometer a qualidade do julgamento diante da ausência do conselheiro que mais detalhadamente analisou os autos do processo administrativo.

Outro ponto que parece excessivo é o da determinação que sejam excluídas as matérias cujo julgamento restou prejudicado do voto e da ementa. Evidentemente não é necessário que os julgadores se manifestem sobre tais matérias, mas determinar a exclusão mandatória destes tópicos das decisões, quando já redigidos pelos julgadores, além de gerar certo retrabalho por parte dos conselheiros, torna as decisões menos abrangentes e até menos transparentes, uma vez que deixam de conter parte do histórico do que foi debatido ou decidido, ainda que a matéria tenha sido superada.

No mesmo sentido, ao deixar a cargo do presidente das câmaras, isoladamente, a decisão sobre a configuração de concomitância entre processos administrativos e judiciais, a proposta de alteração busca celeridade, mas acaba comprometendo a qualidade das decisões, que hoje são proferidas pelo colegiado. É importante destacar que a concomitância muitas vezes não é evidente e envolve questões complexas a serem debatidas mais amplamente.

Diferentemente das disposições comentadas acima, o aumento do número de julgadores nas Turmas Extraordinárias (de até 4 para até 6) é uma medida que certamente aumentará a celeridade da tramitação dos processos no CARF sem comprometer a qualidade dos julgamentos, em especial dos julgamentos de processos de baixo valor, conforme destacado na exposição de motivos da proposta.

Um ponto que não foi alterado, mas poderia ter sido, é o que trata da possibilidade de rejeição definitivas de embargos de declaração "manifestamente improcedentes" ou em que os vícios "não estiverem objetivamente apontados". O referido dispositivo, por ser genérico, resulta, muitas vezes, em despachos também genéricos, que deixam os contribuintes sem a possibilidade de compreender as razões de rejeição de seus embargos de declaração.

Além disso, considerando que o sobrestamento de processos está sendo reservado a hipóteses bastante específicas, seria interessante a criação de uma nova figura de vinculação de processos administrativos por prejudicialidade, não apenas por reflexo, conexão ou decorrência, como ocorre atualmente. Poderia ser uma solução interessante para casos de compensação em que o crédito sob discussão depende do resultado de outro processo administrativo, que muitas vezes demora mais para ser julgado.

Em resumo, a proposta de alteração do regimento interno do CARF é, em muitos pontos, elogiável e bem-intencionada, mas se precipita em alguns outros pontos por focar exageradamente na celeridade e na eficiência, de modo que a sua redação final deverá ser refinada para que não seja comprometida a qualidade das decisões do Conselho. Resta, para isso, saber como serão analisadas e incorporadas ao texto final as propostas de alteração enviadas por meio da consulta pública, já que estes pontos continuam sendo amplamente debatidos pela comunidade jurídica.

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*Gian Carlo Evaso associado sênior do Trench Rossi Watanabe.

 

 

 

*Rafael Gregorin e sócio do Grupo Tributário do Trench Rossi Watanabe.

 

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