1. Introdução
No CPC/73 não havia previsão da utilização da prova emprestada, apenas a alusão aos meios legais e moralmente legítimos. Entretanto, essa modalidade probatória encontrou agasalho no CPC/15.
A questão nos chamou a atenção, especialmente no que diz respeito ao procedimento judicial nas ações em trâmite perante a Justiça Especializada do Trabalho.
Como não existe o código de processo do trabalho, a aplicação supletiva ou subsidiária de outras normas que compõe o ordenamento jurídico, cuja autorização encontra-se fincada na oração dos artigos 769 e 8º parágrafo único, da CLT e do artigo 15º do CPC/15, merece reflexão. Então, vamos nos lançar ao desafio.
O saudoso ministro do Tribunal Superior do Trabalho – Carlos Alberto Barata Silva, em seu escólio nos ensina1:
“Ora, a Consolidação das leis do Trabalho – bem a sabemos – é código de direito substantivo e também de Direito Processual. É direito substantivo quando cria o direito e estabelece as condições indispensáveis à aquisição do mesmo; é Direito Processual quando estabelece normas para o exercício do direito por meio da ação conveniente. Se assim é, não há por que estranhar conter a Consolidação, em quase todos os seus capítulos, princípios e institutos jurídicos que devem ser informados, necessariamente, pelo direito probatório. Não apenas na parte de Direito Processual, mas igualmente, nos capítulos relativos ao direito material, encontramos elementos que deverão ser estudados e debatidos quando se quiser estudas o sistema de provas de nosso Direito Trabalhistas.
(...)”.
É verdade que o julgador pode e deve indeferir provas que se mostrem desnecessárias ou inúteis para o esclarecimento da verdade (artigo 765 da CLT e artigo 370 do CPC/15). Também é verdade que o uso da prova emprestada é amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência.
A concernente faculdade encontra fundamento no princípio da eficiência (poder instrutório – instrumentalidade das formas - economia processual), havendo magistrados que defendem que o aproveitamento da prova produzida em outro processo evita-se a reprodução daquilo que se encontra demonstrado, com economia de tempo e custos que serão suportados pelas partes (ou pela parte que pretende a produção da prova), o que contribui para a efetiva entrega da prestação jurisdicional.
Com dito por alguns julgadores “Até porque repetir a produção de prova anteriormente produzida atenta contra os princípios da celeridade e da razoável duração do processo, garantia que encontra assento no Texto Maior”2.
Do magistério de Vicente Greco Filho3 extrai-se que:
“Outro meio de prova não previsto mas admissível é a chamada prova emprestada. A prova emprestada é a retirada de outro processo, admitindo-se a sua validade contra quem também participou do processo anterior e pode contradita-la. A prova emprestada, todavia, terá o seu valor reapreciado pelo juiz da causa em que foi juntada, tendo em vista as novas circunstâncias na segunda ação e novos argumentos sobre ela apresentados. Não há coisa julgada sobre os fatos, que ficam sempre sujeitos à apreciação original do juiz ao decidir a causa”.
O destacado doutrinador Cândido Rangel Dinamarco4 nos brinda com a sua doutrina contemporânea consignando:
“(...)
Compreende-se facilmente, ainda, que sequer essa solene garantia constitucional de legalidade vale por si própria, mas como penhor da observância de algo de maior significado substancial, que é o contraditório processual. O cumprimento do devido processo legal, que legitima os provimentos jurisdicionais, legitima-os justamente porque a experiência mostra ao constituinte, ao legislador, ao juiz e a todos, que a observância dessas regras é o caminho mais seguro parra a efetividade do contraditório. É indispensável todo o sistema de informes às partes sobre os atos processuais do juiz, dos seus auxiliares e da parte contrária. É indispensável que a esses atos e provimentos possa a parte reagir adequadamente, gerando situações novas, de sua conveniência. É indispensável, também, que entre as partes e o juiz se instale no processo um diálogo construtivo, no sentido de melhor instrução daquele para decidir. Informação mais reação com diálogo -, eis a receita do contraditório, segundo a sua mais moderna conceituação.
Nem a garantia do contraditório tem valor próprio, todavia, apesar de tão intimamente ligada a ideia do processo, a ponto de hoje dizer-se que é parte essencial deste. Ela e mais as garantias do ingresso em juízo, do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade entre as partes – todas elas somadas visam a um único fim, que á a síntese de todas e dos propósitos integrados no direito processual constitucional: o acesso à justiça. Uma vez que o processo tem por escopo magno a pacificação com justiça, é indispensável que todo ele se estruture e seja praticado segundo essas regras voltadas a fazer dele um canal de condição à ordem jurídica justa.
Tal é o significado substancial das garantias e princípios constitucionais e legais do processo. Falar da efetividade do processo, ou da sua instrumentalidade em sendo positivo, é falar da sua aptidão, mediante a observância racional desses princípios e garantias, a pacificar segundo critérios de justiça. Em diversos itens acima examinaram-se os reflexos que essas posturas ideológicas projetam sobre a técnica processual, ou seja, sobre os seus instintos e a disciplina que recebem, seguindo as disposições da lei e a interpretação inteligente do estudioso atualizado.
(...)”
O contraponto irá se estabelecer entre a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa; dos princípios da identidade física do juiz, da imediatidade na coleta da prova, da oralidade e da concentração probatória, em confronto com os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual; do poder instrutório do juiz e da verdade real.
2. Prova emprestada: previsão no CPC/15
Consciente dessa realidade, o legislador contemplou a utilização da prova emprestada expressamente no artigo 372 do CPC/15, verbis:
Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
Não se trata de dizer que a parte do processo em que a prova foi produzida teve vista da prova emprestada, o que implicaria na afirmação de que a garantia do contraditório foi preservada.
Ao nosso sentir, essa ilação é falsa, pois quem deve ter a garantia do contraditório é a parte contra qual a prova emprestada está na iminência de ser utilizada.
Tal procedimento não importa dizer que encontra-se respeitado a dicção dos artigos 9º e 10º do CPC/15, e que, por conseguinte, nenhum prejuízo foi causado ao direito de defesa da parte.
Transcreve-se o dispositivo da Constituição Federal que pode ser objeto de violação direta:
Art. 5º...
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Grifamos.
A incursão na norma infraconstitucional decorre do reflexo natural da aplicação subsidiária outorgada pela dicção dos artigos 8º, caput e parágrafo único, 769 e 889 da CLT.
Por certo que, na falta do direito processual trabalhista, o aplicador da lei deve se valer do direito processual constitucional e do direito processual civil.
3. Prova emprestada / contraditório / anuência da parte
Não se descuida que a prova emprestada é admissível no processo do trabalho, todavia, diante das próprias peculiaridades descritas nos princípios que regem o Direito do Trabalho, a matéria deve sofrer interpretação restritiva, e não extensiva ou ampliativa.
Aproveitamos para nos abeberar das lições do magistério do saudoso Moacyr Amaral Santos5, que traduz:
“As regras relativas à eficiência da prova emprestada estão, entretanto, subordinadas às diversas situações em que se encontrarem os litigantes em relação a ela. Consideradas as pessoas dos litigantes no processo para o qual é transportada, será de se distinguir a prova conforme tenha, no processo anterior, sendo produzidas: a) Entre as mesmas partes; b) Entre uma das partes daquele e terceiro; c) Entre terceiros.
(...)
b) Quando a prova haja sido produzida em processo em que uma das partes, do processo para o qual é transportada, litigou com terceiro, insta considerar duas hipóteses: 1) a prova é trasladada por quem participou de sua produção no processo anterior; 2) a prova é trasladada por quem não foi parte no processo anterior.
(...)
Na primeira hipótese, não terá ela eficácia em relação à parte contrária, que não participou de sua produção, podendo valer tão-somente como adminículo probatório para a formação da convicção do juiz”.
Destaca-se a seguinte decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
“É ADMISSÍVEL A PROVA EMPRESTADA QUANDO TENHA SIDO COLHIDA MEDIANTE GARANTIA DO CONTRADITÓRIO, COM A PARTICIPAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA CONTRA QUEM DEVA OPERAR”. (RT, 300/229, ATRAVÉS DA CITAÇÃO AO AC. DO STF, PUBLICADO NA RTJ, 56/285).
De fato é válida a prova emprestada de outro processo com a participação da parte contra quem deve operar.
Entretanto, a força probante da prova emprestada depende de ter sido ela obtida em processo do qual participou, regularmente, a pessoa contra quem se pretende usá-la na nova ou outra ação.
De sorte que não conduz essa prova à indiscutibilidade, pois, conquanto tenha servido de suporte a uma sentença anterior, o meio de convencimento não se reveste da autoridade de coisa julgada.
Aqui podemos falar de prova oral, documental, laudo pericial.
A aceitação da prova emprestada passar pelo filtro da anuência da parte, da impossibilidade ou inviabilidade pelo meio usual, sem contar o caráter da excepcionalidade.
Para que seja admitida a prova emprestada devem ser preenchidos os requisitos de processo judicial, identidade de partes, contraditório, objeto idêntico.
Ausentes os pressupostos, a prova trazida não pode vincular a convicção judicial.
Do escólio do Coordenador Antônio Carlos Marcato6 registramos:
“(...)
A repetição das provas a cada novo processo encontra, ademais, razão de ser particularmente relevante na necessidade de preservação do contraditório, mediante a garantia às partes da efetiva participação no processo de produção daquelas, seja controlando sua regularidade formal, seja explorando aspectos de seu interesse e aumentando-lhe amplitude; o emprego de provas externa, nesse sentido, poderia abrir ensejo à utilização de elementos de convicção formados sem a interferência dos interessados diretos, quer pela eventual origem extrajudicial, quer por derivarem de processo no qual ausentes ambos ou pelo menos um dos litigantes.
(...)”
Aponta-se a oração do art. 483 da CPC/15:
Art. 483. O juiz irá ao local onde se encontre a pessoa ou a coisa quando:
(...)
Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que considerem de interesse para a causa.
4. Limites / procedimento / inspeção judicial / princípio da instrumentalidade das formas / economia processual
Denota-se que é de capital importância que seja garantido as partes o direito de assistir à inspeção, sob pena de ficar caracterizado o cerceamento do direito de defesa e a consequente nulidade do procedimento.
Assim sendo, não basta que o magistrado dê vista, na hipótese, do auto de inspeção para que seja considerado como garantido o direito ao contraditório. Ter vista do documento não é o mesmo que participar do ato.
O efeito erga omnes não pode alcançar a pessoa que não participou da diligência.
A parte deve ser facultada a produção de prova (p. ex.: testemunhal) para comprovar que os fatos e informações descritas na hipótese de auto de inspeção realizado em outro processo não são as mesmas do processo em curso.
A realização de prova pericial é um direito da parte. Caso o local esteja desativado, o juízo pode utilizar de outro laudo pericial elaborado no mesmo local, ou em local similar.
Dos ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery7 assentamos:
“(...)
A condição mais importante para que se dê validade e eficácia à prova emprestada é a sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja consequência primordial é a obediência ao contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada do processo realizado entre terceiros é res inter alios e não produz nenhum efeito senão para aquelas partes”.
Compila-se os seguintes dispositivos do CPC/15:
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Por analogia, a irretroatividade da lei é a regra (vigora o princípio do "tempus regit actum") isto é, o princípio da irretroatividade, segundo o qual à lei não é permitido reger situações que lhe são anteriores.
O juízo deve sempre observar e motivar acerca da prova da existência do contraditório no processo em que a mesmo fora elaborada (contraditório antecedente).
5. Escritura pública / fé pública / prova legal
Desponta a redação do art. 215 do Código Civil:
Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
Registre-se a dicção do art. 405 do Novo CPC:
Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença.
Vamos a doutrina do saudoso Moacyr Amaral Santos8 que decanta:
“(...)
E daí se extrai o princípio que rege a eficácia probatória do instrumento público: o instrumento público faz prova suficiente, não somente entre as partes como em relação a terceiros, quanto à existência do ato ou fato jurídico e aos fatos certificados pelo oficial público.
(...)
E tem-se a seguinte regra: o instrumento público faz prova dos fatos ocorridos em presença do oficial público, que o lavrou, até que se demonstre a sua falsidade.
(...)
Daí esta outra regra: o instrumento público faz prova do ato ou fato jurídico nele documentado”.
Isso importa dizer que a parte pode perfeitamente utilizar-se de documento elaborado por oficial público, podendo o conteúdo da declaração ser reconhecido como prova do fato declarado.
Essa prova pode ser contestada, impugnada, mas sempre será admitida.
O juízo deve avaliar a utilização da prova emprestada de acordo com os demais elementos de prova constante nos autos. O exercício do poder diretivo e discricionário não deve impedir o exercício do contraditório e dos meios legais de impugnação.
Se isso de fato vier a ocorrer, encontra-se caracterizado o verdadeiro cerceamento na produção da prova. A nulidade saltará aos olhos.
6. Considerações finais
A intenção do presente ensaio foi a de implementar o debate acerca da utilização, e a validade da prova emprestada no Processo do Trabalho.
O mecanismo a ser observado pelo juízo deve respeitar as garantias constitucionais, não podendo ser deixadas de lado, sob a motivação de que a celeridade, a economia processual e a instrumentalidade das formas devem prevalecer (poder instrutório), ou são mais importantes do que o direito ao contraditório.
Veja-se a oração dos incisos XXXV, XXXVI e LV e do caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
É certo que a previsão legislativa outorga validade ao procedimento.
Não se discute que a prova emprestada inclui-se entre os meios moralmente legítimos declarados hábeis para provar a verdade dos fatos.
No entanto, a prova emprestada não pode servir para substituir nem suprimir a prova principal a ser produzida no respectivo processo.
A anuência da parte é fundamental.
Caso a prova emprestada seja utilizada, sem a anuência da parte e o contraditório, como fundamento de sentença, certamente acarretará o “erro de fato”.
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1 Digesto de Processo, Volume 5, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1988, P, “PROVA”.
2 Juiz do Trabalho substituto da 1ª Egrégia Vara do Trabalho de Dourados/MS – João Cândido.
3 Direito Processual Civil Brasileiro, 2º Volume, São Paulo, Saraiva, 1984, pág. 171.
4 “A Instrumentalidade do Processo”, 3ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1993, p. 304-305.
5 “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, 2º vol., 7ª edição, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 367.
6 Código de Processo Civil Interpretado, São Paulo, Editora Atlas, 2004, p. 1019.
7 Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª edição, São Paulo, RT, 2003, p. 720.
8 “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, 2º vol., 7ª edição, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 396-7.
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SILVA, Carlos Alberto Barata. Digesto de Processo, Volume 5, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1988, P, “PROVA”.
Filho, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro, 2º Volume, São Paulo, Saraiva, 1984, pág. 171.
DINAMARCO, Cândido Rangel. “A Instrumentalidade do Processo”, 3ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1993, p. 304-305.
SANTOS, Moacyr Amaral. “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, 2º vol., 7ª edição, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 367.
MARCATO, Antônio Carlos. Código de Processo Civil Interpretado, São Paulo, Editora Atlas, 2004, p. 1019.
JUNIOR, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª edição, São Paulo, RT, 2003, p. 720.
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